A adoção de criptoativos é um fenômeno que segue em ritmo acelerado ao redor do mundo, seja para fins de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços. E dentro do amplo rol de instrumentos caracterizados como criptoativos – criptomoedas, tokens, stablecoins, protocolos de consenso, plataformas de blockchain, entre outros –, gostaríamos de ilustrar o caso dos utility tokens, ou tokens de utilidade, discorrendo sobre a sua usabilidade, mas, principalmente, oferecendo caminhos interpretativos para a sua adequada tributação.
Os tokens de utilidade, como o próprio nome já indica, são tokens criados para cumprir propósitos específicos dentro de uma plataforma. É uma classe de tokens que tem como finalidade primária viabilizar ao seu detentor acesso a determinada plataforma, rede, projeto ou serviço, algo que pode acontecer na forma de moeda de jogos, “combustível” para aplicativos descentralizados, cupons de pré-venda, benefícios para colaboradores, ingressos, programas de fidelidade e, inclusive, prêmios. São, portanto, benefícios em formato digital, geralmente emitidos em quantidade pré-determinada e armazenados em blockchain pública.
No Brasil, foi a partir de 2021 que esse tipo de token passou a constituir categoria específica de ativo digital, com atribuição de código próprio pela Receita Federal. E aqui vai um comentário: embora esse órgão tenha feito sensíveis avanços no sentido de tornar mais claras algumas questões tributárias envolvendo criptoativos, oferecendo interpretações mais palpáveis, ainda assim não há consenso quanto ao tratamento fiscal mais apropriado em casos concretos. É o que vemos acontecer no caso dos tokens de utilidade, uma classe de criptoativos cuja tributação gera bastante dúvida.
Os tokens de utilidade são criptoativos que podem servir como meio de troca (permuta) para a aquisição de produtos e serviços. Isso porque todo pagamento realizado por meio diverso de dinheiro, e que inclui também a utilização de bens, caracteriza-se como troca (permuta), conforme dispõem os artigos 104, III, 315, 318, 481 e 533 do Código Civil, e, para fins contábeis e tributários, é considerada uma transação de alienação.
Aspecto tributário
No entanto, sob o aspecto tributário, há dois momentos distintos a serem considerados.
O primeiro é quando o token de utilidade é transferido ao usuário/consumidor/adquirente do token para a finalidade de acesso a um produto ou serviço. Essa etapa não configura transação de caráter especulativo, e por esse motivo não há que se falar em tributação. É quando, por exemplo, uma empresa adquire um pacote de serviços, com quantia determinada de tokens, cada qual custando R$ 1,00, e o transfere a um colaborador, a título de premiação. Neste caso, o token cumpre exatamente a função para o qual foi projetado.
Mas e se esse mesmo token for negociado no mercado pelo valor de R$ 1,50? Ou, ainda, o colaborador que recebeu o token o tenha utilizado para consumo ou para troca por moeda fiduciária?
Nesses casos, há a figura clara de fato gerador. E o colaborador, por haver recebido o token a custo zero, terá então o ônus de tributá-lo integralmente, ou seja, considerar a plena valorização do ativo no momento da transação – sem, contudo, perder de vista os limites de isenção.
Na prática, esse é o segundo momento: quando o token de utilidade é realizado, ou seja, utilizado para fins de troca por produtos ou serviços, ou, ainda, convertido por dinheiro. Neste caso, o realizador da operação passa a ter a obrigação de apurar os ganhos de capital para fins de recolhimento do IR.
Levando-se em conta a inexistência de regulação específica sobre contabilização e tributação de criptoativos, esse é o caminho interpretativo que julgamos aplicável ao caso. E compartilhamos a nossa experiência prática com vocês, leitores e contribuintes, para que também possam enxergar um modo de manejar os utility tokens face às obrigações tributárias vigentes no país.
Sobre as autoras
Ana Paula Rabello é contadora, criadora do blog Declarando Bitcoin e autora do livro ‘Como declarar bitcoin e outros criptoativos no Imposto de Renda’.
Viviane Torres é advogada na Torres & Torres Sociedade de Advogados, especializada em Direito Empresarial e Tributário.