Como autor do PL 2.303/2015, posteriormente Lei 14.478/2022, que regulamenta a atividade de prestadores de serviços em ativos virtuais no Brasil, continuo atento à evolução deste mercado extremamente dinâmico.
Por meio de discussões com o mercado, reguladores, acadêmicos e especialistas, além de participação em atividades legislativas, como a presidência da CPI das Pirâmides Financeiras, cheguei a algumas conclusões a respeito de pontos da lei que necessitam aprimoramento. Não é demérito da lei, mas reflete o dinamismo de um setor de tecnologia de ponta em constante mudança.
Como maneira de interagir com a sociedade civil interessada pelo segmento, pretendo escrever neste (e outros) espaço(s) para discutir pontos da agenda legislativa que pretendo conduzir nos próximos meses no Congresso Nacional. Neste artigo tratarei de segregação patrimonial.
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Durante os trabalhos da CPI de Pirâmides Financeiras, nos deparamos com casos graves onde a ausência de segregação patrimonial pode ter facilitado o cometimento de crimes como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Um caso notório, destacado no relatório da CPI, foi o da empresa Capitual (antiga Forteras). A empresa é um gateway de pagamentos que na época (2021-22) possibilitava que usuários da corretora Binance tivessem acesso ao Sistema de Pagamentos Brasileiros, SPB, e consequentemente a arranjos como Pix e TED.
Investigações da CPI mostraram que a Capitual, que mantinha uma única conta (conhecida no jargão de mercado como conta “ônibus” ou “gráfica”) na instituição de pagamentos Acesso, (atualmente parte da Méliuz) transitou por esta única conta por volta de R$ 40 bilhões de reais durante o ano de 2021.
Comunicações entre o Banco Central e a Acesso (única entidade regulada no episódio e, portanto, sujeita a normas de risco operacional do Banco Central) mostraram que a Acesso não tinha qualquer controle sobre quem, que CPFs ou CNPJs, fazia saques ou depósitos na conta mantida pela Capitual.
A falta de identificação, preceito básico do sistema financeiro conhecido como “conheça seu cliente” ou, em inglês, know your client, (KYC), pode ter possibilitado que recursos oriundos de vários crimes como tráfico de drogas, pedofilia, tráfico de pessoas, evasão fiscal, financiamento de milícias e outros, tenham transitado impunes pelo sistema financeiro brasileiro.
Como resultado direto dos trabalhos da CPI, o colegiado propôs o Projeto de Lei 4.932/2023 que modifica a Lei 14.478/2022 em alguns pontos fundamentais.
Além de segregação patrimonial, de que tratarei abaixo, um dos principais pontos enfrentados por este projeto de lei é o da definição de requisitos mais rígidos para a autorização de funcionamento de prestadores de serviços de ativos virtuais.
Hoje, é possível que corretoras de criptoativos prestem serviços a – e recebam recursos de – investidores brasileiros sem que sequer tenham uma pessoa jurídica constituída no Brasil. Isso dificulta, senão impossibilita, a responsabilização dos seus proprietários/acionistas e administradores por obrigações e responsabilidades contraídas em território nacional.
Além de gerar assimetrias de tratamento entre corretoras locais (que arcam com carga tributária de empresa nacional) e estrangeiras em questões de natureza tributária, desfavorecendo o empreendedorismo brasileiro.
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Atacando parte do problema narrado acima no episódio Capitual, o projeto de lei também proíbe o uso, por instituições financeiras ou de pagamento, do modelo conta-ônibus, em que o dinheiro de todos os investidores é depositado em uma mesma conta (seja ela de depósito ou de pagamento).
Essa dinâmica é ruim do ponto de vista da prevenção à lavagem de dinheiro, por dificultar a análise da compatibilidade de movimentações financeiras com as rendas e patrimônios dos clientes. E as contas-ônibus também são incompatíveis com a exigência de segregação patrimonial imposta às instituições de pagamento, como forma de proteger os seus usuários.
Tendo isso em vista, propomos, no presente projeto de lei, estabelecer a regra de que qualquer transferência de moeda nacional ou estrangeira entre usuário e prestador de serviços de ativos virtuais, ou entre este e aquele, deve ser feita por meio de conta mantida em nome do usuário em instituição autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil.
Por fim, sobre a segregação patrimonial, também buscamos enfrentar o problema da confusão patrimonial entre corretoras de criptoativos e seus usuários. Hoje, não há segurança para os investidores que os recursos que transfiram para as corretoras não serão usados para quitar obrigações da própria corretora.
Aliás, o caso das contas-ônibus em instituições de pagamento contratadas por corretoras no Brasil é um indicativo perigoso desse risco de confusão. Nas contas-ônibus, recursos depositados por um investidor podem ser sacados por outros investidores (ou seja, para quitar obrigações da própria instituição de pagamento).
É preciso evitar que isso ocorra dentro da corretora, como forma de proteger investidores e estimular o crescimento dos mercados de criptoativos.
Por isso, estamos propondo a inclusão de um novo art. 7o-C na Lei no 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Esse novo dispositivo estabelece de forma definitiva a segregação patrimonial entre prestadores de serviços de ativos virtuais e seus usuários.
A lei não pode regular a evolução tecnológica. A lei regula comportamentos humanos. Assim trabalhar em um arcabouço legal que regulamente e impeça o cometimento de crimes, sem criar travas à inovação legítima, é o nosso foco como legislador.
Gostaria de receber seus comentários e sugestões, o que pode ser feito em: dep.aureoribeiro@camara.leg.br.
Sobre o autor
Aureo Ribeiro é deputado federal pelo partido Solidariedade (RJ). Foi eleito deputado federal pela primeira vez em 2010 e reeleito em 2014, 2018 e em 2022. Atualmente está no seu 4º mandato, que exerce até 2027. Foi o autor da Lei 14.478/2022, que regulamenta as atividades do mercado de criptomoedas no Brasil, bem como foi presidente da CPI das Pirâmides Financeiras.