Roberto Cardassi era um vendedor sedutor. Dizia que estava revolucionando o mercado financeiro. Contava que tinha estudado na Harvard Business School e na Universidade de São Paulo. Até que sua empresa parou de pagar os clientes em agosto e desapareceu com R$ 160 milhões. Aos poucos, a verdade sobre seu passado começa a ser revelada.
O empresário brasileiro de 45 anos fundou a BlueBenx em 2017, empresa que prometia investimentos em criptomoedas com retornos de até 66% ao ano. Antes dela, criou a companhia que se tornou a Vivi Tech, que hoje tem mais de 40 ações na Justiça.
Dono de um currículo aparentemente exemplar, Cardassi atraiu milhares de investidores para a BlueBenx. Tal era o volume de captação, que a operação foi flagrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como uma oferta irregular de investimentos — algo recorrente em casos de pirâmides financeiras.
Em seu LinkedIn, Cardassi se descreve como um profissional com “mais de 20 anos de sólida experiência em gestão de negócios, operações financeiras e inovação tecnológica”, formação em locais de grifes, como Harvard e USP. Pelo menos boa parte disso era mentira.
O Portal do Bitcoin entrou em contato com a universidade americana, que negou ter o brasileiro no corpo de alunos.
“Verifiquei as três divisões da HBS — o programa de MBA, Educação Executiva e HBS Online e não temos registro de que essa pessoa [Roberto Cardassi] tenha sido estudante da HBS”, respondeu por e-mail Michele Reyonds, responsável pela área de relações públicas da Harvard Business School.
Mesmo a formação em Engenharia da Computação da USP, que ele diz ter feito entre os anos de 1998 e 2003 , é falsa. Ele não está na lista pública de formados na graduação. A universidade paulista não encontrou nenhum registro de sua passagem pela instituição:
“Consultado nosso banco de dados, verifiquei que Roberto de Jesus Cardassi não aparece vinculado à USP em curso nenhum”, respondeu o servidor Vlademir Cholak.
Questionado pela reportagem, Cardassi enviou as questões para a assessoria de imprensa da Bluebenx, que disse que o empresário havia saído de casa por causa das ameaças de morte:
“Esclarecemos que o Roberto Cardassi, CEO da BlueBenx, não está em casa porque ele está recebendo ameaças de morte. Até por isso ele se alocou, temporariamente, em outro endereço. Diante disso, ele não tem acesso a essas documentações de imediato e também avalia que não é uma questão prioritária em razão do foco número um, que é dar viabilidade ao plano de reestruturação da empresa. Por tudo isso, não conseguimos lhe fornecer tal comprovação”, diz a resposta enviada por e-mail.
Como é Roberto Cardassi
Roberto Cardassi era visto por pessoas a seu redor como um profissional inteligente, porém de difícil relacionamento no dia a dia do trabalho.
“Ele é uma pessoa muito inteligente. Ele sabe vender bem seu projeto e suas ideias, e faz de uma forma muito encantadora. Mas, ao mesmo tempo, é muito intransigente. É difícil o dia a dia com ele”, descreve um ex-funcionário de alto cargo da BlueBenx, que concordou em conversar com o Portal do Bitcoin na condição de não ter seu nome revelado.
Esse funcionário ficou por anos na empresa e trabalhava de forma presencial na sede em São Paulo, frequentada por pouco mais de 20 funcionários, incluindo o próprio Cardassi e seu braço direito, William Tadeu Batista Silva, o vice-presidente de operações.
Na percepção deste ex-funcionário, Cardassi tinha um complexo de inferioridade e, por isso, sempre tentava prevalecer sobre sua equipe e mostrar que era mais inteligente e “melhor” do que os outros.
“Ele era extremamente vaidoso e egocêntrico. Você dava uma ideia de negócio e ele a desdenhava na sua frente. Na semana seguinte, ele apresentava a sua ideia como se fosse dele. Se você contava de uma experiência de viagem que fez, ele sempre tinha uma história melhor do que você”, recorda o ex-funcionário que descreveu Cardassi.
Apesar da personalidade difícil de lidar do chefe, esse profissional disse que na época não tinha desconfianças sobre os negócios da BlueBenx, centralizados nas mãos de Cardassi.
Ele conta que as operações com criptomoedas, que supostamente geravam os altos retornos prometidos nos produtos da BlueBenx, era o carro-chefe da empresa e algo de responsabilidade exclusiva do CEO.
“Nós entrávamos na sala dele e ele estava sempre operando no mercado, fazendo compra e venda de ativos. E ele fazia isso através de robôs de trade, eu lembro que um que ele usava era o Pionex, por exemplo.”
Um exemplo da vaidade é a matéria publicitária publicada no site da revista Forbes, já retirada do ar. Para a produção do conteúdo, o empresário contratou um fotógrafo de grife, com passagem por Vogue e The New York Times.
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O ex-funcionário não acredita que o que aconteceu com a BlueBenx foi um golpe, mas diz que o problema pode ter sido a incompetência do gerenciamento de Cardassi:
“Era o Roberto quem centralizava todos os recursos. Ele quem decidia onde, como, o que comprar e qual valor. O que pode ter acontecido ao longo desses meses em que o mercado cripto caiu muito, é que ele pode ter perdido o dinheiro dos clientes e não ter assumido a culpa, até chegar ao ponto de não ser mais capaz de manter as aparências. Talvez ele tenha usado essa situação do golpe da Bitrue, que realmente acho que aconteceu, como desculpa para acobertar sua ingerência”, especula o ex-funcionário.
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Antes da Bluebenx
Ao longo de sua trajetória profissional, Cardassi se tornou uma espécie de empresário em série.
Entre 1996 e 2009, ele diz ter atuado como consultor em quatro empresas diferentes. A partir de 2010, passou a assumir cargos de diretor empresarial, atuando nas empresas Entelgy Brasil e Ativa TS, até finalmente fundar a BlueBenx em 2017.
No entanto, ao consultar o nome do empresário na Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) é possível ver que ele já criou ao menos 12 empresas, sendo seis delas ligadas diretamente ao seu negócio da BlueBenx, mas com variações no nome.
Existe, por exemplo, a Bluebenx Tecnologia Financeira EIRELI, a Bluebenx Pagamentos Sociedade Anônima, a BBX Capital Intermediação e Tecnologia LTDA, e assim por diante.
Envolvimento com a Vivi Holdings
A maior polêmica, no entanto, vem da ligação de Cardassi com o conglomerado Vivi Holdings, cujas empresas participantes protagonizaram uma série de controvérsias.
A Vivi Tech, por exemplo, é alvo de mais de 40 processos no Brasil, abertos tanto por funcionários contratados que não receberam salários, quanto por bancos como o Bradesco, que acusa a empresa de dar um calote de quase R$ 200 mil.
Já a Vivi Pay, um suposto serviço de pagamentos do conglomerado, é citada em processos por facilitar as operações da Midas Trend, uma pirâmide financeira com criptomoedas acusada de roubar R$ 55 milhões de investidores brasileiros.
O início desse envolvimento vem de 2016, quando Cardassi abriu uma empresa chamada Agentor Desenvolvimento de Sistemas, que no ano seguinte seria transformada na Vivicoins Consultoria de Negócios e Investimentos LTDA, criada com um capital social de R$ 300 mil.
No cadastro da empresa, Cardassi é apontado como sócio e principal administrador, com uma participação na sociedade de R$ 147 mil. Junto com ele, no papel de sócio estava a Vivi Holdings INC., que tinha como procurador uma pessoa chamada Luiz Carlos Zanardo Lemos. A Vivi Holdings descreve como sua atividade econômica principal o comércio atacadista de equipamentos de informática, mas ao checar seu site, se descobre que as operações vão muito além disso.
Ao se descrever como “uma inovadora e completa companhia de tecnologia e serviços financeiros”, a Vivi Holdings controla diversas outras empresas que oferecem aplicativos para igrejas, consultórios médicos e serviço de streaming de vídeo, além de serviços financeiros, como a própria Vivi Pay e a Vivi Tech.
Aqui, mais uma vez a relação direta de Cardassi com o conglomerado Vivi Holdings vem à tona: ele foi o criador original da empresa que se tornou a ViVi Tech. Ao checar o registro dessa empresa no Jucesp, é possível ver que ela foi criada em 2002 com o nome RCARDASSI & CIA LTDA, e tinha dois sócios: Cardassi e sua própria mãe.
Em 2017, a empresa passa a ser chamada de Vivitech Desenvolvimento de Softwares LTDA e, nesse momento, Cardassi e sua mãe saem como sócios e entra mais uma vez a Vivi Holdings, assumindo o capital da empresa de R$ 100 mil.
A assessoria da BlueBenx negou que Roberto Cardassi tenha qualquer relação com a Vivi Holdings, mesmo com o conglomerado aparecendo como sócio da empresa aberta por ele, Vivicoins.
“A Vivicoins é um projeto da VIVI Holding, empresa que adquiriu o CNPJ da RCardassi & Cia Ltda. Portanto, não há qualquer ligação com a empresa, além da venda do CNPJ antes mesmo da criação da BlueBenx. Não há atualmente qualquer relação do Roberto com as companhias citadas”, respondeu a assessoria.
Roberto Cardassi negou repetidos pedidos de entrevista do Portal do Bitcoin. Caso ele se pronuncie, esta reportagem será atualizada.
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