A indústria de filmes independentes de Hollywood está passando por dificuldades.
Muitas produtoras de filmes de baixo e médio orçamento estão achando quase impossível garantir financiamento por conta da pandemia. Por conta da obsessão de Hollywood com filmes de altíssima audiência e plataformas de streaming, a produtora do grande sucesso “Corrente do Mal” recentemente alegou que filmes independentes estão “morrendo lentamente”.
Mas Niels Juul, produtor cinematográfico dos filmes “O Irlandês” e “Silêncio” do cineasta Martin Scorsese, considera a Web 3 como uma solução.
Na era dos super-heróis, Netflix e orçamentos de US$ 500 milhões, Juul acredita que a produção de filmes independentes sofreu, pois os “algoritmos” estão influenciando mais as decisões do que as pessoas.
“Conheço muitos roteiros incríveis que estão por aí e não estão sendo concluídos por US$ 10, US$ 15 ou US$ 20 milhões porque estúdios só estão de olho nas coisas da Marvel e de franquias”, contou Juul em entrevista ao Decrypt.
Na opinião dele, a via dos filmes independentes está congestionada e muitos produtores de filme estão à mercê de serviços, como a Netflix, como sua única opção viável de financiamento.
Paixão por DAO
Embora seja novato ao setor cripto, Juul é um entusiasta e apaixonado pelo potencial das organizações autônomas descentralizadas (ou DAOs, na sigla em inglês) e dos tokens não fungíveis (ou NFTs) em solucionarem o problema de financiamento da indústria de filmes independentes.
Em 2021, Juul criou o NFT Studios com o objetivo de usar NFTs — tokens exclusivos e desenvolvidos em blockchain que representam propriedade sobre um ativo — para financiar títulos de baixo orçamento.
O primeiro filme do NFT Studios, “A Wing and a Prayer” — ou “Uma Asa e uma Oração”, em tradução livre —, está na fase da prova de conceito e possui um orçamento de US$ 10 milhões.
Porém, a Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio dos EUA (ou SEC), a principal reguladora do mercado cripto, enviou uma carta ao NFT Studios.
“Começamos com tudo e, depois, recebemos uma carta da SEC que dizia: ‘Espere aí… Você está vendendo commodities aqui? Se você está negociando investimentos NFT por um filme, você vai ser regulamentado como todo mundo e você não pode fazer isso com investidores americanos’”, explicou Juul.
Após contratar um escritório de advocacia, o NFT Studios chegou à conclusão de que a melhor opção seria criar uma DAO, que utilizaria tokens de governança — nesse caso, os tokens seriam NFTs — para tomar decisões em conjunto. Agora, Juul afirma que o NFT Studios e a KinoDAO cumprem com as exigências regulatórias.
A KinoDAO — “Kino” significa “cinema” em alemão — é o que Juul chama de “ministudio que funciona sozinho”. De certa forma, é um estúdio descentralizado dentro do NFT Studios.
Em breve, a KinoDAO irá lançar seus primeiros NFTs para ajudar no financiamento de futuros projetos cinematográficos. Cada NFT atuará como uma espécie de passe para membros, concedendo poder de votação em decisões do estúdio, bem como outros benefícios, como produtos, ingressos para pós-festas em festivais de cinema, a inclusão do nome nos créditos do filme e mais NFTs.
A KinoDAO está lançando três tipos de NFTs: “General Admission”, “Silver” e “Gold” — ou “acesso geral”, “prata” e “ouro”, em tradução livre. O NFT do tipo “Gold” oferece a maioria dos benefícios, dando aos holders a oportunidade de aparecer em um filme do NFT Studios, passear pelo set e um NFT de sua escolha aparecer em um filme como um “easter egg”.
Juul acredita que, se tiver êxito, a KinoDAO será uma máquina infinita de autofinanciamento.
“Fundos de cada filme vão servir para o filme seguinte e para o filme seguinte”, explicou.
Risco
Mas depender da receita do filme para financiar projeto é uma proposta arriscada.
Segundo Arthur de Vany, professor de Economia na Universidade da Califórnia, em Irvine, em seu livro “Hollywood Economics: How Extreme Uncertainty Shapes the Film Industry” — ou “A Economia de Hollywood: Como a Extrema Incerteza Define a Indústria Cinematográfica”, em tradução livre —, grande parte dos filmes são pouco rentáveis, pois a estimativa é que 78% deles percam dinheiro.
Mas Juul acredita que a KinoDAO e o NFT Studios realmente vão permitir que cineastas e holders de NFTs criem e contribuem sem ficar em dívida com os intermediários de Hollywood. O NFT Studios terá controle total sobre sua propriedade intelectual (ou PI).
No entanto, ainda veremos se coletivos descentralizados de cineastas poderão competir no difícil mercado da indústria cinematográfica, pois a maioria ainda está apenas começando.
Atrair US$ 10-20 milhões para cada filme não será suficiente — para sobreviver, o NFT Studios e a KinoDAO vão precisar de bem mais para pagar seus funcionários e cumprir com suas promessas de produtos e outros benefícios.
A Web 3 é um conceito relativamente novo para profissionais da indústria cinematográfica, mas já existe competição. Os estúdios de Juul terão de competir com outros grandes nomes que estão lançando estúdios de filmes Web 3, como Decentralized Pictures, financiados por Roman e Francis Ford Coppola, uma organização que também está financiando e curando filmes independentes.
Embora o NFT Studios e KinoDAO estejam trabalhando para descentralizar o desenvolvimento de filmes e o processo de produção, todos os filmes produzidos pelas marcas serão distribuídos na forma hollywoodiana.
“Seria uma tragédia se acabássemos ficando sem cinemas e todo mundo estivesse em seus quartos assistindo suas coisas. Chegamos a falar com uma rede de cinemas muito, muito grande para garantir que estamos muito dispostos a ter uma enorme e gigante tela de cinema para cada filme”, afirmou Juul.
Em relação à sua opinião sobre outros criadores que estão levando a Web para Hollywood, Juul não se preocupa com a competição: “Quando mais, melhor”.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.