Preço do bitcoin na Argentina segue dólar paralelo e ignora cotação do governo

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Foto: Shutterstock

O preço do bitcoin ultrapassou a casa de 1,5 milhão de pesos argentinos e é mais um indício da desvalorização da moeda local. No país vizinho, a cotação usada pelo mercado é o chamado dólar “blue”, o qual é transacionado no mercado paralelo e está avaliado em 144 pesos por dólar. Essa relação ocorre porque a cotação oficial do governo argentino é artificialmente controlada pelo Estado.

O preço pode parecer um disparate se for considerado o valor do dólar usado no câmbio oficial da Argentina, cotado em torno de 76 pesos, valor que não é considerado na prática pelo mercado de criptomoedas. Há ainda outras 11 cotações para a moeda americana, mas conforme disse Franco Amatí, co-fundador da ONG Bitcoin Argentina, o dólar ”blue” é o único que realmente existe. 

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Ele afirmou que “a cotação do dólar não interessa para o par ARS/BTC”, pois não há dólar no meio da operação. No entanto, explicou que “por lógica da arbitragem e do mercado, o ‘dólar bitcoin’ vai tender a ser ao valor do dólar blue”. 

Bitcoin e o dólar ‘blue’

O que é ocorre no país vizinho é diferente da situação no Brasil, no qual há o dólar turismo, dólar comercial ou o dólar paralelo. 

O doutorando em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Armando Martins explica que a política cambial da Argentina é algo complexo, pois “existe a taxa oficial e a ilegal no qual tem gente vendendo dólares até na rua”.

Esse fenômeno é explicado pelo professor e pesquisador em Economia internacional e Macroeconomia da UFF (Universidade Federal Fluminense), Adriano Vilela Sampaio como uma das consequências de “o Banco Central da Argentina tentar controlar o preço do câmbio do dólar colocando um teto”.

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Para efeito de comparação, ele mencionou que seria como se aqui no Brasil, o Banco Central “dissesse que ninguém pode vender dólar acima de R$4. Se eu tivesse dólar, eu não iria querer vender”. As consequências desse tipo de medida, segundo o professor “seria ter pouco dólar no mercado ou a outra mais comum é de se desenvolver um mercado paralelo. Um mercado ilegal de moedas. Que é o que acontece na Argentina”.

Assim, de acordo com Vilela, além do câmbio oficial há a chamada “taxa de câmbio da Calle Florida” (uma alusão à rua onde são negociados dólares). Nesse local, ocorre mais “a taxa mais de mercado”. Essa taxa ignora qualquer imposição cambial protetiva pelo governo é a que está sendo usada também no mercado de criptomoedas.

Segundo Amatí, se procurarmos “um parâmetro para o preço do bitcoin em pesos e preço do bitcoin fora da Argentina em dólar, esse terá resultado parecido com o dólar ‘blue’”.

Ele aponta que o valor do bitcoin na Argentina não é alto e lembra é 1,15% mais barato do que na Bitstamp em Luxemburgo, por exemplo.

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Já Nicolás Loterspil, Co-fundador e CFO de SatoshiTango, afirmou que a cotação do preço do bitcoin “responde a oferta e demanda total”. Ele disse que não existe uma cotação universal e “que cada lugar, cada companhia, tem a cotação que o mercado determina”.

Bitcoin como saída

De acordo com Sebastian Serrano, co-fundador e CEO da Ripio, a procura por bitcoin aumentou muito na Argentina, enquanto que o peso argentino depois da crise de 2018 caiu quase 40% em menos de um ano.

Com esse contexto, ele explicou que “as taxas de câmbio não oficiais tornaram-se o indicador a ser observado”. Com isso, o bitcoin ganhou valor além daquele que seria comercializado em outras moedas, se for considerada a taxa oficial do câmbio do dólar que é 53% mais barato do que o dólar “blue”.

O ano de 2019 foi de ajustes na Argentina e, conforme apontou Serrano, a política foi de austeridade e aumento da carga tributária:

“Em outubro, o Banco Central limitou os cidadãos argentinos a comprarem um máximo de US$ 200 por mês para evitar o esgotamento maciço das reservas. Além disso, o atual governo introduziu um imposto de 30% sobre as compras de moeda estrangeira além de outras medidas adicionais de controle de capital”. 

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Esse cenário, ao invés de fazer com que as pessoas parassem de comprar bitcoin, teve resultado reverso e se aumentou a busca. Serrano disse que só na plataforma da Ripio “a atividade e o volume de operações mensais triplicaram e até quadruplicaram em comparação com o trimestre anterior, atingindo recordes históricos”.

Algo semelhante ocorreu na SatoshiTango. Loterspil contou que o bitcoin tem ganhado grande protagonismo na Argentina, mas associou esse aumento aos tempos de pandemia. De acordo com ele, só no mês passado, “foram registrados mais de 80 mil operações”.

A crise na Argentina somada à falta de confiança na moeda e no governo pode ter aumentado a busca pelas criptomoedas. Quanto a esse ponto, Martins disse que as qualidades do bitcoin podem ser algo forte para sua alta, uma vez que ele é um meio mais fácil de se estocar patrimônio.