Os brasileiros Marcos Amaral e André Velozo viajaram para El Salvador nesta semana para testemunhar em primeira mão como está sendo a implementação do Bitcoin como uma moeda de curso legal no primeiro país do mundo.
A dupla de entusiastas de criptomoedas resolveu vivenciar o momento histórico da criptomoeda de perto e vem compartilhando a experiência nas redes sociais da Btreze, um projeto que criado no ano passado para falar sobre educação financeira.
Poucas horas antes de partirem para El Zonte, o pequeno vilarejo no litoral de El Salvador que ficou conhecido como a praia do bitcoin, Amaral conversou com o Portal do Bitcoin sobre como estava o clima da capital São Salvador no dia em que a lei entrou em vigor.
Ele contou que o primeiro contato com um motorista de Uber ilustrou bem o sentimento de incerteza que se alastra entre boa parte dos salvadorenhos com quem conversou ao longo da visita no país:
“Ele era super jovem e pensei ‘com certeza ele já deve manjar tudo de bitcoin’, mas quando conversamos com ele foi o contrário. Ele disse que achava interessante, mas que assim como a maioria da população, estava preocupado por não saber quanto o governo está se arriscando e que se algo desse errado na questão econômica, o que isso poderia significar para um povo que já tem muito pouco”.
Esse sentimento ficou ainda mais explícito no dia 7, quando aconteceu a maior manifestação contra a implementação da lei do bitcoin em El Salvador. No meio do protesto, Amaral notou que embora o símbolo da criptomoeda ilustrasse os cartazes e as camisetas dos manifestantes, o ato em si demonstrou a revolta de um povo que perdeu confiança no seu governo ao longo dos anos.
“Quando você escuta as pessoas, todos os relatos são relacionados a pautas muito maiores, em relação às políticas do governo do que ao bitcoin e a sua tecnologia em si. El Salvador é um país muito pobre e com muitas dificuldades, então é aquela coisa, acham que ‘se está vindo do governo’ é porque está errado”.
A obrigatoriedade é um ponto complicado para a recepção do bitcoin por parte da população, uma vez que “as pessoas não gostam de se sentir pressionadas a usar uma coisa que não conhecem”, avalia Amaral. “A partir do momento que pegarem na mão e ver que o bitcoin funciona, eles vão entender que não é um bicho papão”.
Bitcoin na prática
Amaral e Velozo notaram que a implementação do bitcoin está sendo mais ágil em lugares de maior porte, como Mcdonald’s e Pizza Hut.
Na terça, a dupla pagou o almoço com BTC. “Compramos duas pizzas e pagamos com bitcoin, com a intenção de sermos no futuro os loucos que pagaram 47 mil satoshis em duas pizzas”, brincou Amaral em referência a famosa história do homem que pagou 10 mil bitcoins em duas pizzas em 2010 — o equivalente a R$ 2,4 bilhões nos dias de hoje.
Eles pagaram as pizzas em segundos escaneando um QR Code e toda a transação foi processada usando a rede Lightning do bitcoin. Os brasileiros conversaram com a gerente e com os funcionários da pizzaria, que disseram que foram treinados uma semana atrás quando a diretoria foi ao local explicar como seria o uso da criptomoeda.
Por enquanto, o mesmo não acontece em outros comércios do país. No restaurante do hotel em que estão hospedados, por exemplo, os brasileiros tentaram pagar a conta com bitcoin mas o local ainda não dava essa opção.
Para acelerar a adoção do bitcoin entre a população, o governo lançou na terça a sua própria carteira digital chamada Chivo. O presidente Nayib Bukele chegou a prometeu distribuir US$ 30 para cada cidadão que baixar e criar uma conta no aplicativo, mas mesmo assim a adoção ainda parasse estar baixa.
Entre as pessoas que a dupla conversou, praticamente ninguém tinha baixado a carteira do governo por receio. Já aqueles que baixaram, sofreram com os problemas técnicos que o aplicativo teve o lançamento.
Os brasileiros disseram que ainda não utilizaram os caixas eletrônicos da Chivo que foram espalhados pelo país. “Não é por todo lado que tem e não estamos vendo essa curiosidade toda, as pessoas não estão fazendo fila”, disse Amaral.
Deixando um pouco de lado os problemas técnicos e políticos do experimento, os brasileiros acreditam que o bitcoin pode ter um impacto positivo ao povo salvadorenho a longo prazo.
“Se for bem conduzido acho que pode ser um vetor de transformação para o país. Lá 70% da população não tem acesso a serviços bancários e o bitcoin poderia servir como mecanismo de inclusão, e até mesmo para atrair outras coisas positivas como recursos, turismo e mineração”, contou Amaral.
Ele também está otimista que com o tempo, a população pode reverter o cenário e utilizar o bitcoin ao seu favor como uma ferramenta de combate a censura. “Na história de El Salvador ninguém fez muito por eles, então se tem em mãos uma ferramenta de transformação, por que não tentar!? O bitcoin é agnóstico, não está nem aí para a opinião política de A ou de B, ninguém pode controlar”, concluiu.
Após a conversa, Amaral e Velozo se preparavam para ir para a cidade litorânea de El Zonte, onde começou a onda de experimentação monetária que acabaria tomando conta do país.