A mais recente – e talvez surpreendente – queda do mercado de criptomoedas não esteve relacionada à economia global, pelo menos não diretamente. O grande fator foi a derrocada de uma gigante do setor, a FTX.
A empresa foi lançada em 2019, apenas alguns meses antes da crise da covid-19 e da alta recorde do Bitcoin (BTC) e da maioria das altcoins. Durante a pandemia, a FTX cresceu rapidamente, assim como outras exchanges e projetos cripto, impulsionada pela grande quantidade do que pode ser chamado de “free floating cash”, expressão que pode ser explicada em português como “dinheiro sem lastro impresso pelos governos”.
É inegável que, ao longo dos quase três anos de existência, a FTX teve muito sucesso, com operações em vários países, incluindo o Brasil. No entanto, tudo mudou em um curto período. O que antes era uma das maiores exchanges de criptomoedas do mundo, avaliada em mais de US$ 32 bilhões (ou R$ 170 bilhões) acabou se transformando em nada em poucos dias.
A queda
A ruína começou quando ficou evidente que a empresa não teria recursos suficientes para devolver aos clientes caso houvesse uma solicitação em massa de resgates em um curto período, e isso foi escancarado por uma concorrente da empresa, que fez manifestações provocativas à FTX no Twitter.
Comprando a dúvida instalada pela concorrente sobre a solidez da FTX, o mercado entrou em pânico, o que fez com que muitos investidores – da FTX e de outras empresas do ecossistema cripto – passassem a liquidar seus ativos, fazendo com que o mercado caísse 20%.
Nos dias seguintes, houve uma “corrida bancária”, como se costuma dizer quando os investidores se apressam em resgatar seus investimentos diante de alguma instabilidade no mercado. Porém, diferentemente das crises em ações e títulos, no universo cripto, não há uma comissão de valores mobiliários para disciplinar o mercado nem um banco central que ajude a evitar a insolvência das empresas, o que torna tudo mais caótico.
Em um segundo momento, já sob o efeito da desvalorização acentuada dos ativos, o mercado procurou desvendar o que levou a FTX à insolvência. Conforme apareceram novas informações sobre como o dinheiro dos clientes – custodiado pela plataforma – era utilizado, um novo pânico se abateu sobre os investidores, fazendo com que até investidores experientes se afastassem do mercado para assistir de longe o que poderia ser o maior golpe da história das criptomoedas.
Amadurecimento do mercado
Assim como em muitos outros mercados, as crises no mundo cripto são sucedidas por uma nova onda de amadurecimento dos ativos e das empresas. E essa evolução realmente tem acontecido ao longo dos anos, com o mercado de criptoativos se impondo como opção séria no segmento de ativos de alto risco.
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Após a crise da FTX, o mercado encontra mais uma oportunidade de se fortalecer. As falhas e fraquezas ficam expostas para que se possa encontrar maneiras de corrigi-las. Mas o que é realmente importante é lembrar que mesmo em momentos como esses, a tecnologia que permite ao mercado funcionar é forte e seu progresso não pode ser interrompido.
O Bitcoin foi criado para ser descentralizado e autocontrolado; se cometemos erros na forma como o usamos, não podemos culpar a tecnologia. No curto prazo, continuarão a haver impactos tanto no preço quanto na confiança, à medida que projetos e empresas sem consistência sejam expostos. A longo prazo, o medo será substituído por processos e regulamentações que ajudarão a fortalecer o mercado.
Lições ao investidor
Uma lição que todo investidor deve tirar disso é entender a quantidade de risco que ele está disposto a tomar, quando deixa seus fundos parados em algum lugar sobre o qual ele não detém nenhum controle.
Existe no mercado de criptoativos uma máxima que tem se tornado cada vez mais precisa: “se as chaves não são suas, as moedas também não são”, em referência às chaves de acesso aos ativos, que algumas empresas do segmento detêm e não dão aos usuários a oportunidade de resgatar seus ativos em um momento de crise, o que deixa o investidor na mão das empresas em momentos de apreensão.
Claro que exchanges para comprar e vender ativos ainda são importantes para que os investidores possam participar do mercado, mas, assim como compramos produtos de todos os tipos e os levamos para casa, também devemos poder fazer isso com as criptomoedas.
Aprenda a manter a guarda do seu dinheiro, seja por meio de um aplicativo de hot wallet para ter acesso diário às movimentações, ou guardando em uma cold wallet, mais apropriada para investimentos de longo prazo. Ambas as opções permitem que você crie e mantenha suas próprias chaves.
Guarde suas chaves em algum lugar seguro e nunca a compartilhe, a menos que você realmente confie nessa pessoa, pois ela terá o controle para mover esses ativos para outro lugar. Tenha cuidado ao lidar com bolsas offshore. Eles podem estar tentando evitar regulamentação e supervisão ao domiciliar em uma jurisdição offshore.
Diante desse cenário de amadurecimento do mercado cripto, também o investidor está amadurecendo, e parte disso tem sido o aumento das iniciativas de custodiar os próprios ativos. O que é seu, você precisa ter o domínio total para poder mover com agilidade diante de naufrágios como o da FTX.
Sobre a autora
Isabela Rossa é country manager da CoinCloud no Brasil