Já se passou muito tempo, mas a primeira fase da Ethereum 2.0 está finalmente ativa. A atualização multietapas visa lidar com a escalabilidade e segurança da rede Ethereum por meio de diversas mudanças na infraestrutura da rede.
A novidade mais notável é a migração de um mecanismo de consenso proof of work (PoW) para um modelo proof of stake (PoS). Veja abaixo o que é o Ethereum 2.0 e o que a troca de consenso significa na prática.
O que é Ethereum 2.0?
Ethereum 2.0, também conhecido como ETH 2.0 ou “Serenity”, é uma atualização que visa melhorar a velocidade, a eficiência e escalabilidade do Ethereum para que seu ecossistema possa processar mais transações e reduzir problemas.
A nova versão da blockchain será lançada em diversas fases. A primeira atualização, chamada de Beacon Chain, foi ao ar em 1º de dezembro de 2020.
A Beacon Chain introduziu o staking a rede Ethereum, um recurso fundamental da migração da rede para um mecanismo de consenso PoS. A Beacon Chain, vale lembrar, ainda é uma blockchain separada da rede principal.
A previsão é que a segunda fase, chamada de “Fusão” (do inglês “Merge”), seja lançada no primeiro ou segundo trimestre de 2022, para fundir a Beacon Chain à rede principal do Ethereum.
A terceira e última fase da atualização vai introduzir as cadeias de fragmentos (do inglês “Shard Chains”) no Ethereum, que terão um papel fundamental na escalabilidade da rede. Em vez de processar todas as operações em uma só blockchain, as shard chains vão espalhar essas operações em 64 novas cadeias.
Isso também significa que será muito mais fácil, a partir de uma perspectiva de hardware, operar um nó de Ethereum, pois bem menos dados vão precisar ser armazenados em uma máquina.
Ainda não há uma previsão exata para a implementação de shard chains.
Qual é a diferença entre Ethereum e Ethereum 2.0?
Embora o Ethereum 1.0 utilize um mecanismo de consenso conhecido como proof of work (PoW), o Ethereum 2.0 irá utilizar um mecanismo proof of stake (PoS).
Qual é a diferença entre PoS e PoW?
Em toda blockchain existe a necessidade de validar transações de forma descentralizada. O Ethereum, assim como outras criptomoedas como o Bitcoin, utiliza um mecanismo de consenso proof of work (PoW).
Nesse sistema, mineradores utilizam o poder de processamento de uma máquina para solucionar quebra-cabeças matemáticos complexos e verificar novas transações.
O primeiro minerador a solucionar um quebra-cabeças acrescenta uma nova transação ao registro de todas as transações que compõem a blockchain. Em seguida, são recompensados com a criptomoeda nativa da rede. No entanto, esse processo pode consumir bastante energia.
Já no proof of stake (PoS), em vez de mineradores, usuários podem realizar o staking da criptomoeda nativa de uma rede para se tornar validadores.
Validadores são parecidos com os mineradores ao ter a mesma responsabilidade de verificar as transações e garantir que a rede não está processando transações fraudulentas.
A seleção de quem pode ser validar um bloco na rede do Ethereum é baseada em quanto ether o usuário têm travado em staking e há quanto tempo esses ativos estão alocados.
Em seguida, outros validadores podem atestar que viram um bloco. Quando houver atestados o suficiente, um bloco pode ser adicionado a blockchain. Other validators can then attest that they have seen a block.
Posteriormente, os validadores são recompensados pela proposta bem-sucedida de blocos. Esse processo é conhecido como “forjamento” (“forging”) ou “cunhagem” (“minting”).
A maior vantagem do PoS é ele ser um consenso mais sustentável do que PoW, pois elimina todo o processamento computacional que consome muita energia.
Também significa que você não precisa ter máquinas muito poderosas para garantir a segurança da blockchain.
Como a versão 2.0 será melhor que o Ethereum 1.0?
Um dos principais motivos para a migração para o Ethereum 2.0 é resolver a escalabilidade. No Ethereum 1.0, a rede só pode fornecer suporte a cerca de 30 transações por segundo (ou TPS), o que pode gerar atrasos e congestionamentos.
O Ethereum 2.0 promete processar até 100 mil transações por segundo. Isso será possível por meio da implementação de shard chains.
A atual configuração do Ethereum é baseada em uma blockchain que consiste de uma única cadeia com blocos consecutivos. Isso é seguro, mas muito lento e ineficiente.
Com a implementação de shard chains, essa blockchain é dividida, permitindo que transações sejam processadas em cadeias paralelas em vez de uma única sequência de blocos consecutivos. A rede ficará mais rápida e poderá escalonar mais facilmente.
Como o ETH 2.0 será mais seguro?
O Ethereum 2.0 foi criado com foco na segurança. Grande parte das redes possuem um pequeno conjunto de validadores, o que acaba gerando um sistema mais centralizado e menos seguro.
O ETH 2.0 exige um número mínimo de 16.384 validadores, tornando-o muito mais descentralizado e, assim, seguro.
No entanto, de acordo com Lior Yaffe, cofundador da Jelurida e desenvolvedor principal das blockchains Ardor e Nxt, existe uma possível vulnerabilidade que foca no nível de taxa de participação da rede.
Auditorias de segurança ao código de programação do Ethereum 2.0 estão sendo feitas por organizações, incluindo as empresas especializadas na área Least Authority e Quantstamp.
A Ethereum Foundation também está criando uma equipe própria de segurança para a nova versão da moeda para identificar possíveis problemas de cibersegurança.
Justin Drake, pesquisador do Ethereum 2.0, afirmou que a pesquisa irá incluir “‘fuzzing’ (técnica de testes de software), ‘bug hunting’ (caça a falhas), ‘pager duty’ (suporte), modelagem da criptoeconomia, criptoanálise aplicada e verificação formal”.
Como a atualização irá acontecer?
Após uma série de lançamentos de redes de teste (Topaz, Medalla, Spadina e Zinken), o lançamento completo do Ethereum 2.0 irá acontecer em três fases: Fase Zero, 1 e 2 (desenvolvedores gostam de contar a partir do zero).
A fase zero foi lançada em 1º de dezembro de 2020 e a previsão é que as outras fases sejam lançadas nos anos seguintes.
Como dito anteriomente, a primeira fase introduziu a Beacon Chain, responsável por armazenar e gerenciar o registro de validadores, além de implementar o mecanismo de consenso PoS no Ethereum 2.0.
A blockchain original do Ethereum está sendo executada em paralelo para que não haja uma quebra na continuidade de dados.
Na fase um, prevista para o primeiro ou segundo trimestre de 2022, consistirá na fusão da rede principal do Ethereum com o Beacon Chain e colocará um fim à rede PoW.
Usuários que realizaram o staking de ether na Beacon Chain terão o cargo de validadores.
A fase dois irá introduzir as shard chains à rede, cuja expectativa de lançamento é de 64 shards (permitindo uma taxa de processamento 64 vezes maior do que a do Ethereum 1.0). Durante o lançamento, as shard chains não serão compatíveis com contas ou contratos inteligentes.
Anteriormente, o roteiro de desenvolvimento previa que a Fusão aconteceria após o lançamento das shard chains mas, por conta da interoperabilidade de cada atualização, a decisão de lançamento foi invertida.
“Originalmente, o plano era trabalhar com shard chains antes da fusão (para lidar com a escalabilidade)”, de acordo com a documentação da Ethereum Foundation.
“No entanto, por conta da explosão de soluções de escalabilidade em segunda camada, a prioridade mudou para a troca de proof of work para proof of stake via fusão”.
Quando o Ethereum 2.0 foi lançado?
Beacon Chain, a primeira etapa de lançamento do Ethereum 2.0, foi ao ar às 9h (horário de Brasília) do dia 1º de dezembro de 2020.
Durante uma live oficial de lançamento, Danny Ryan, o principal pesquisador da Ethereum Foundation, destacou: “A parte fundamental à saúde [da blockchain] será a participação de mais de 2/3 [dos validadores]”.
Com a confirmação do lançamento da Beacon Chain, existem mais de 21 mil validadores ativos neste momento, com cada época (“epoch”, nome dado a um período de 6,4 minutos) tendo uma taxa de sucesso de mais de 80%.
Inicialmente, a Beacon Chain irá existir separadamente da rede principal do Ethereum antes de esta ser “ancorada” (“docked”) ao sistema proof of stake.
O primeiro bloco elegível foi o slot 1 e seu validador assinou com uma mensagem criptografada: “Sr. F esteve aqui”’.
O lançamento bem-sucedido foi comemorado pela grande comunidade do Ethereum, incluindo os cofundadores Vitalik Buterin e Joseph Lubin.
O lançamento também aconteceu após um mês tenso de preparação, quando alguns critérios tiveram de ser cumpridos.
Após o lançamento do contrato de depósitos em 4 de dezembro de 2020, a rede precisaria de 16.384 validadores até o dia 24 de novembro, em que cada validador faria o staking de 32 ETH por um total de 524.288 ETH.
Inicialmente, o ritmo de staking estava mais lento do que o esperado. No início de novembro, uma enquete feita no Twitter revelou que metade dos usuários não planejava fazer o depósito no staking até o prazo final. Apenas 21,3% se mostraram dispostos a alocar 32 ETH no staking.
Dentre os motivos, estava o custo de entrada (32 ETH eram equivalentes a mais de US$ 19 mil na época).
A comunidade se juntou conforme Buterin alocou 3,2 mil ETH, anteriormente equivalente a mais de US$ 1,9 milhão, e DARMA Capital alocou US$ 50 milhões de seus próprios investimentos para que instituições e pessoas pudessem contribuir ao Ethereum 2.0 e manter sua liquidez.
Com um possível atraso de lançamento, no último momento, diversos validadores se comprometerem a realizar o staking.
24 horas antes do prazo final, apenas 50% da meta havia sido atingida. Felizmente para o Ethereum 2.0, em 24 de novembro, um número suficiente de validadores havia se comprometido a fazer o staking para lançar a Beacon Chain.
Hoje, existem mais de 250 mil validadores, de acordo com a Eth2 Launchpad, plataforma de análises da Ethereum.
O futuro do Ethereum 2.0
Vitalik Buterin, cofundador do Ethereum, apresentou um roteiro de desenvolvimento de como os próximos dez anos podem dar resultado para o Ethereum 2.0.
Ele disse que, nos últimos dois anos, houve uma “migração sólida de uma pesquisa inviável para uma que tenta entender o que é possível, para pesquisas e desenvolvimentos concretos, tentando otimizar primitivas específicas que sabemos que são implementáveis e implementá-las”.
Agora, grande parte dos desafios está “cada vez mais em torno do desenvolvimento e essa parte só irá continuar crescendo ao longo do tempo”, de acordo com Buterin.
Em junho de 2020, Buterin destacou que o Ethereum 2.0 precisará depender dos atuais métodos de escalabilidade, como ZK-rollups, por pelo menos dois anos antes de implementar os shard chains.
Em agosto de 2021, o hard fork London e a melhoria EIP-1559 foram implementadas, mudando a forma como taxas de transações funcionam na rede.
Agora, usuários que realizam uma transação na rede pagam uma taxa base que é queimada em vez de ser repassada a mineradores de Ethereum, reduzindo o fornecimento de ETH e implementando pressão deflacionária na rede.
O hard fork London serviu como uma espécie de teste para a próxima fase do Ethereum 2.0, com o Buterin se mostrando confiante sobre as próximas etapas da rede.
Em entrevista à Bloomberg, Buterin disse que o lançamento bem-sucedido da atualização London comprova que o ecossistema Ethereum é “capaz de fazer mudanças significativas” e que isso “definitivamente me deixa mais confiante sobre a fusão”.
Como o ETH 2.0 poderá afetar o preço do ether?
Para algumas pessoas, o lançamento do Ethereum 2.0 era exatamente o que a criptomoeda precisava.
“Quando o Ethereum tiver escalabilidade, por meio da tecnologia de segunda camada ou do ETH 2.0, todas as perguntas serão respondidas”, afirmou Jamie Anson, fundador do Nifty Orchard e organizador do evento Ethereum London, em entrevista ao Decrypt.
Em outras palavras, mais escalabilidade gera mais uso que, por sua vez, gera mais demanda. Na teoria, essa característica pode impulsionar o preço do Ethereum para novas altas.
“No momento em que o ETH 2.0 e os ‘rollups’ funcionarem juntos, haverá uma capacidade de 100 mil transações por segundo. Significa que haverá uma experiência completamente integrada para as próximas bilhões de pessoas”, acrescentou.
Matt Cutler, CEO da Blocknative, empresa focada na complexidade do mempool, também está bem otimista, principalmente por conta da expectativa de que taxas de gas diminuam com o lançamento do Ethereum 2.0.
“Nossa base de clientes considera as reduzidas taxas de transação e a crescente taxa de processamento da rede como grandes áreas de oportunidade no futuro”, explicou.
Além disso, o ecossistema todo percebe que grandes conquistas como a chegada do Ethereum 2.0 vão reforçar a dinâmica dos desenvolvedores de Ethereum.
“Isso terá um impacto positivo a longo prazo no preço do ETH – apesar da volatilidade de curto prazo, que é parte integrante das criptomoedas”, concluiu Cutler.
*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização da Decrypt.co.