O debate sobre a lavagem de dinheiro através de blockchain e criptomoedas

Para o autor, falta capacitação a investigadores
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Foto: Shutterstock

Uma das características mais atrativas das criptomoedas é a sua facilitação no armazenamento e na realização de transações, quando comparadas aos meios tradicionais. É possível, por exemplo, guardá-las e negociá-las de forma relativamente anônima, não havendo a necessidade de cadastros para se começar a usar carteiras e blockchains.

Elas também simplificam as negociações internacionais, proporcionando transações mais rápidas, baratas e com muito menos burocracia. Contudo, depois de criada, o uso de uma nova tecnologia foge do controle de seu intuito inicial, podendo ser empregada tanto para o bem quanto para o mal.

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E as mesmas características, tão enaltecidas pelos defensores de criptomoedas, são usufruídas pelos que praticam atividades criminosas. As criptomoedas são comumente utilizadas no mercado de ilícitos como forma de pagamento para atividades e produtos ilegais.

Outra modalidade criminosa comum é a ação de hackers, que costumam roubar criptomoedas ou exigir resgates, após bloquearem ou inutilizarem sistemas digitais por meio de ransomware.

Segundo um relatório da Chainalysis, só em 2020 US$ 5 bilhões foram recebidos de forma ilícita por entidades no mundo, sendo que as mesmas foram responsáveis por repassar mais US$ 5 bilhões adiante.Essa movimentação representa 1% da movimentação total de criptomoedas no ano. Inclusive, observou-se uma queda com relação ao ano de 2019, ano em que esse volume foi um pouco superior a US$ 10 bilhões.

Em contrapartida, as ocorrências de crimes por ransomware tiveram um aumento de 311%, representando 7% das atividades ilegais envolvendo criptomoedas. Após a obtenção ilegal de recursos, esses criminosos precisam converter o dinheiro virtual em moeda fiduciária. É neste momento que se estabelecem amplos negócios de lavagem de dinheiro.

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Neste artigo, apresentaremos um resumo do embate atual entre criminosos e autoridades, no que diz respeito às atividades de lavagem de dinheiro com criptomoedas. Discutiremos como o sistema funciona e quais os próximos desafios.

Como funcionam os esquemas de lavagem de criptomoedas

Nos primeiros anos da década de 2010, os criminosos optavam por simplesmente converter as criptomoedas nas corretoras e bolsas de negociação. Até 80% do volume de lavagem de dinheiro circulava por esses canais. Contudo, essas instituições vêm se atentando ao fluxo de dinheiro ilegal e têm implementado meios que dificultam essa atividade, a qual já foi reduzida pela metade.

Existem, também, muitos outros mecanismos de nicho minoritários, desde cassinos on-line até caixas eletrônicos físicos para criptomoedas. Outra opção utilizada é o envio das criptomoedas para entidades comerciais no exterior, que mandam o dinheiro de volta através de “vendas fantasma”.

O método mais popular é a contratação de “Treasure Men” no site do mercado Hydra, da dark web. Esses indivíduos oferecem maços de dinheiro em troca de criptomoedas, ou opções como vales, cartões de débito, etc.

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Mitigação

Ao nos referirmos a operações com criptomoedas, usamos o termo “relativamente anônimas” porque não são feitos cadastros com identificação pessoal. Contudo, essas operações são transparentes e têm números IP atrelados, os quais podem ser rastreados através de técnicas de criptografia avançada e procedimentos especializados em perícia blockchain.

Algumas instituições capacitadas no setor vêm estabelecendo parcerias com governos, auxiliando-os a rastrear a origem e o trajeto percorrido pelas criptomoedas em transações suspeitas. Dentre elas temos a Chainalysis, em Nova York (EUA), a Elliptic, em Londres (Inglaterra), e a CipherTrace, na Califórnia, também estado americano.

O empenho se destina não somente a finalidades policiais, mas também fiscais — afinal, a taxação de criptomoedas é um debate atual devido a dificuldade de execução e a ausência de regulamentação na maioria dos países.

Grandes esquemas de lavagem de dinheiro vêm sendo expostos graças a esforços conjuntos como esses. Em julho deste ano, a Polícia Civil brasileira apreendeu R$ 172 milhões de dois indivíduos e 17 empresas. O esquema de lavagem de dinheiro era realizado através de corretoras, que adquiriam e vendiam Bitcoin para “empresas fantasma”.

Simultaneamente, um esquema britânico de lavagem de dinheiro no valor de US$ 250 milhões, um dos maiores já expostos, foi apreendido pela polícia local. Os responsáveis pela investigação afirmam que ela ainda está em andamento, e que pretendem chegar aos indivíduos no cerne do esquema.

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Dificuldades investigativas em blockchain — perspectivas futuras

Os criminosos têm adotado algumas práticas para driblar o rastreamento pelas autoridades. Uma delas é o “chain-hopping”, a rápida migração entre blockchains e entre criptomoedas. Outra é o uso de “mixers”, que são serviços de lavagem de dinheiro que misturam ativos lícitos e ilícitos para, então, redistribui-los.

Esses processos são feitos por meio de software, e a execução de perícia é uma tarefa bastante técnica e complexa, que exige ferramentas digitais com alto poder de processamento. Acredita-se que, para que haja um avanço maior por parte das autoridades, será necessário modernizar as técnicas de bloqueio de fundos.

Isso não é uma tarefa normalmente factível na maior parte das blockchains abertas, mas pode ser realizado em parceria com as corretoras nas quais esses fundos são negociados. Existe, também, uma proposição internacional de criação de uma “lista de alerta”, nas quais os governos, corretoras e instituições divulgariam informações sobre suas investigações, incluindo os identificadores de carteiras comprovadamente ligadas a atividades ilegais.

No momento, contudo, a principal dificuldade técnica está no número limitado de investigadores aptos a fazerem rastreamento de transações com criptomoedas. Os maiores empecilhos são:

● Acesso limitado aos dados;

● Falta de capacitação em tecnologia blockchain e criptomoedas;

● Impedimentos tecnológicos e de infraestrutura;

Muitos governos estão atentos ao fato de que, se o problema for deixado de lado, ele poderá representar tanto uma falha de segurança nacional como uma “válvula” de evasão fiscal significativa.

Investimentos nessas três áreas são necessários e já vêm sendo feitos em vários países. Algumas medidas adotadas incluem a contratação de técnicos e cientistas da computação especializados em blockchain e a compra de computadores e equipamentos de alto poder de processamento, bem como de infraestrutura para captação de altos volumes de dados.

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Acontecimentos recentes indicam uma crescente necessidade para a busca de soluções para a questão. Dentre eles, podemos citar o bull market das criptomoedas (2020-2021) e o aumento dos investimentos em blockchain por países como os EUA e os componentes dos Tigres Asiáticos e UE. Este momento também coincide com a consolidação das leis de proteção de dados ao redor do mundo, um tema de relevância para os esforços investigativos policiais (que dependem do acesso a grandes bancos de dados).

Existem organizações independentes trabalhando em soluções, contudo este já pode ser o momento de pôr em prática iniciativas coletivas internacionais na luta contra a “criptocriminalidade”. O cenário atual mostra urgência para que o assunto seja tratado com prioridade.

Sobre o autor

Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. É fundador da empresa Growth.Lat e do projeto Growth Token.

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