O Bitcoin (BTC) é uma criptomoeda sem dono, que pertence 100% a comunidade. Qualquer mudança, atualização ou melhoria no protocolo, antes de ser implementado, precisa passar por um longo caminho de discussões e testes por um grupo de desenvolvedores com acesso direto ao código da criptomoeda no serviço GitHub.
Eles se chamam mantenedores do Bitcoin Core e são os únicos com a permissão necessária para aprovar qualquer alteração no software do Bitcoin. Por essa razão, os mantenedores têm uma grande responsabilidade em garantir a segurança da criptomoeda mais importante do mundo.
Atualmente existem apenas seis pessoas com acesso direto ao código do Bitcoin, os desenvolvedores Pieter Wuille, Wladimir J. van der Laan, Marco Falke, Michael Ford, Hennadii Stepanov e Andrew Chow.
Donos das chaves
Na prática, cada mantenedor do Bitcoin tem acesso a uma chave PGP (Pretty Good Privacy, na sigla em inglês), que permite assinar, criptografar e descriptografar textos e qualquer tipo de arquivo.
Como o bitcoin é um código aberto, qualquer pessoa pode propor mudanças, mas apenas os detentores de uma chave PGP confirmada — no caso, os seis mantenedores atuais — podem fazer com que essa sugestão seja de fato implementada no código da criptomoeda.
“Alguém que trabalha no GitHub poderia alterar maliciosamente o código no repositório Bitcoin Core. É por isso que eles assinam as autorizações com uma chave PGP. Se o código no GitHub foi alterado de forma maliciosa, as assinaturas não corresponderão”, explicou o pesquisador Andrew Yang ao Decrypt.
É aqui que entra o papel de “guardiões” do código do Bitcoin. Se qualquer pessoa for tentar fazer um ataque direto ao código da criptomoeda, independente da forma, precisará ter acesso a uma das chaves PGP dos mantenedores.
Mas e se um mantenedor mal-intencionado quiser implementar uma linha de código maligno no protocolo do Bitcoin?
O desenvolvedor Samuel Dobson respondeu essa questão pouco antes de sair do cargo de mantenedor, no final do ano passado: “Toda mudança no código é pública e visível, essa é a beleza do software livre. Você pode examinar e analisar cada mudança, independentemente de quem a fez”.
Um usuário no Twitter questionou se o código não estaria em risco já que não há verificação de modificação antes que ela seja executada por um mantenedor, que poderia executar um ataque de curta duração, mesmo que visível.
“O código no GitHub não é executado por ninguém até que alguém decida compilá-lo e executá-lo, ou até que seja empacotado em uma versão e disponibilizado para download. Geralmente leva meses antes que as mudanças no GitHub sejam realmente lançadas para serem executadas por qualquer pessoa”, concluiu o desenvolvedor.
Os atuais mantenedores do Bitcoin Core
Como o Bitcoin é um projeto de código aberto, não há uma instituição centralizada por trás da moeda para nomear formalmente alguém para o cargo de mantenedor.
Andrew Chow foi o último desenvolvedor a ser adicionado ao grupo de mantenedores do Bitcoin Core em 20 de dezembro de 2021, conforme mostrou o Bitcoin Merges, um perfil do Twitter que rastreia as mudanças no código do Bitcoin no Github.
Na época, Andrew Chow se voluntariou para ser um mantenedor quatro dias depois de Samuel Dobson deixar o cargo para focar no seu doutorado e indicá-lo como um possível substituto. Os outros cinco desenvolvedores que já ocupavam a função sinalizaram em seu favor e Chow passou a fazer parte do grupo.
Chow entrou para ocupar a função de mantenedor responsável pela manutenção e atualização da carteira do Bitcoin Core. “Parabéns e condolências pelo novo cargo Andrew! Mal posso esperar para ver para onde vai a carteira sob sua manutenção nos próximos anos”, brincou Dobson ao parabenizar o colega no Twitter.
Embora Dobson tenha sido a escolha inicial para cuidar dos assuntos relacionados à carteira quando recebeu o cargo de mantenedor em 2018, Chow já estava ao seu lado nas contribuições ao código do Bitcoin.
“Achow101 é uma substituição muito lógica na função agora que não tenho mais tempo. Obrigado por se voluntariar, Andrew”, acrescentou Dobson no Github.
De acordo com seu site oficial, Chow atualmente trabalha como engenheiro da Blockstream, mas o foco da sua produção se concentra no Bitcoin Core e nas funcionalidades da sua carteira. Em fevereiro deste ano, o desenvolvedor ganhou atenção da comunidade ao descobrir uma vulnerabilidade que afetava as versões anteriores do Bitcoin Core.
Por anos, Chow também atuou como moderador de discussões técnicas que acontecem no Bitcointalk, o fórum mais popular do Bitcoin.
A fuga dos mantenedores do Bitcoin
Antes da chegada de Chow, o Bitcoin Core estava em uma fase delicada, após uma série de desenvolvedores decidirem abandonar a função. Em menos de dois meses, dois membros importantes da comunidade se afastaram do projeto: Jonas Schnelli e o próprio Samuel Dobson.
O afastamento de Dobson não é resultado de uma descrença dele com a criptomoeda ou algo do gênero. No Twitter, o dev explicou que era “a hora certa de partir” para que ele pudesse focar no último ano do PhD em criptografia que ele faz na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia.
No final da sua despedida, Dobson confessou que “é difícil sobreviver de projetos de código aberto” e pediu que pessoas e empresas que se beneficiam do desenvolvimento do Bitcoin, considerem apoiar financeiramente os programadores.
Já no final de outubro de 2021, o desenvolvedor Jonas Schnelli também decidiu parar de ser um mantenedor do Bitcoin Core após dedicar mais de oito anos da sua vida ao cargo.
Diferente de Dobson, que tinha um motivo específico para se afastar, Schnelli justificou sua saída por uma mudança pessoal de interesses e pelo estresse causado pelos riscos da profissão.
Na sua carta de despedida, Schnelli afirmou que os riscos legais para os desenvolvedores do Bitcoin estavam aumentando e que os novos contribuidores deveriam entrar no projeto de forma anônima para evitar represálias.
Ele também fez uma declaração parecida ao Dobson, pedindo que a comunidade cripto permanecesse tranquila porque o código do Bitcoin “estava nas melhores mãos possíveis”.