Jornal de oposição na Venezuela usa bitcoin, criptomoedas e NFTs para sobreviver

O diretor geral do Caracas Chronicles conta detalhes sobre a adoção de criptomoedas na Venezuela e os desafios de se fazer jornalismo no governo de Nicolás Maduro
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Foto: Shutterstock

O Caracas Chronicles, um jornal independente da Venezuela, encontrou nas criptomoedas e na crescente ascensão dos NFTs uma forma de continuar fazendo jornalismo no país latino-americano onde as principais fontes de informação estão sob o firme controle do governo ditatorial de Nicolás Maduro.

Online desde 2002, o portal começou como um blog pessoal do jornalista Francisco “Quico” Toro, cresceu à medida que a situação político-econômica da Venezuela, assolada pela inflação, piorou. Por ser escrito em inglês, o Caracas Chronicles ganhou atenção do público internacional por mostrar a Venezuela para o resto do mundo. 

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O diretor-geral do jornal, Raúl Stolk, de 48 anos, atualmente mora em Miami (EUA) e conversou com o Portal do Bitcoin sobre a nova fase do site, que tenta integrar soluções de blockchain, como criptomoedas e NFTs, para financiar o veículo.

No início do mês, o portal lançou a sua primeira coleção de NFTs de ilustrações satíricas de notas de bolívar que ilustram figuras populares do país, como os artistas Simón Díaz e Teresa Carreño, e o político Arturo Uslar Pietri. São 99 tokens e cada um deles está à venda por 0.1 ETH, cerca de R$ 1.900 por token na cotação da época, segundo o Índice de Preço do Ethereum (IPE).

Embora só tenham sido colocados à venda agora na forma de NFTs, as cédulas foram criadas durante uma campanha do jornal que viralizou em 2016. Raúl Stolk contou mais sobre essa história: 

“Um pouco antes da segunda redenominação da moeda que antecedeu a hiperinflação, nós fizemos um experimento com os nossos leitores e perguntamos quais figuras eles achavam que deveriam aparecer na nova nota. Assim que os desenhos foram lançados, as notas viralizaram e, sem querer, todo mundo no país acreditou que elas eram verdadeiras. Foi uma bagunça, mas foi muito divertido”.

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coleção  NFT Caracas Chronicles
Notas que fazem parte da coleção de NFTs do Caracas Chronicles (Foto: Divulgação)

Embora tenham surgido como brincadeira, as falsas notas expõem também a confusão que se tornou a política monetária do país. Não à toa a coleção de NFTs foi lançada em 1º de outubro, o mesmo dia em que a Venezuela passou por sua terceira redenominação de moeda desde 2008.

“É uma forma de protesto ao mesmo tempo que traz atenção para o que está acontecendo com a política monetária da Venezuela. No final, os NFTs serão uma forma de financiar nossa mídia independente”, relata Stolk. “Nós queremos testar como podemos integrar o mundo cripto dentro do nosso modelo de negócios. Se formos bem sucedidos nessa campanha, já temos as próximas fases planejadas”, diz o jornalista.

Adoção de criptomoedas na Venezuela

Antes de explorar o mundo dos NFTs, o Caracas Chronicles já recorria às criptomoedas para se sustentar. Parte do financiamento do jornal vem de doações de leitores que desde 2018 podem contribuir doando criptomoedas. Atualmente, o portal aceita seis ativos diferentes: Bitcoin (BTC), Ethereum (ETH), Dogecoin (DOGE), Litecoin (LTC), Bitcoin Cash (BCH), USDC e DAI.

“Lá no início as criptomoedas não representavam muito. A gente recebia uma doação de bitcoin e ficávamos ‘ah okay, temos US$ 200 aqui’, mas passava um tempo essas moedas passavam a valer US$ 5 mil, o que é engraçado”, explica Stolk. 

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Embora as doações sejam uma parte importante do financiamento do site, a principal fonte de recursos  do Caracas Chronicles é o “Relatório de Risco Político”, uma publicação semanal exclusiva para assinantes que analisa em profundidade o cenário político-econômico do país.

Já as doações de criptomoedas geralmente são mais comuns quando o portal faz alguma cobertura específica sobre o mercado, como artigos sobre os jogos blockchain que estão explodindo na Venezuela. 

Na verdade, o Caracas Chronicles cobre o mundo cripto desde 2016, quando as criptomoedas começaram a se popularizar no país. Hoje, a Venezuela é o sétimo país do mundo com a maior adoção de criptoativos, segundo a Chainalysis.

“Aqui todo mundo sabe o que são as criptomoedas, mas nós não temos lugares como a Praia do Bitcoin em El Salvador que você pode ir e comprar uma coca-cola com bitcoin. Aqui as criptomoedas são mais usadas por pessoas que precisam receber dinheiro de fora e que não possuem contas em dólar”, diz o jornalista. 

Ele conta que as criptomoedas também são uma forma de muitos venezuelanos sobreviver no país e ganhar salários mais justos, sem serem afetados pela hiperinflação do país. Inclusive, o próprio Caracas Chronicles já pagou seus jornalistas no passado com bitcoin.

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“Alguns jornalistas não queriam receber bolívares por causa da inflação que faz o dinheiro simplesmente desaparecer. Ao mesmo tempo, essas pessoas não tinham contas bancárias em dólar, então o bitcoin se tornou uma boa opção”, conta.

Segundo Stolk, no entanto, a adoção de criptomoedas se manifesta de uma maneira mais intensa no país como uma forma de os venezuelanos terem uma fonte de renda alternativa. No começo, através da mineração de criptomoedas, e agora, jogando jogos play-to-earn, como o Axie Infinity.

“Os venezuelanos tem uma tradição de farmers de videogame, então a transição para jogos play-to-earn foi natural. Mas aqui tudo começou mesmo com a mineração, quando as pessoas notaram que era possível fazer dinheiro em casa apenas rodando máquinas”, contou.

A atividade se tornou algo tão popular no país que até mesmo o governo criou fazendas de mineração ligadas às hidrelétricas. Na visão do Stolk, no entanto, os mineradores caseiros acabaram saindo prejudicados: “A partir daí o governo começou a fiscalizar fazendas de mineração e a basicamente roubar os equipamentos das pessoas para montar as suas próprias fazendas estatais”. 

Os desafios de ser jornalista na Venezuela

Embora a crise econômica e humanitária da Venezuela torne difícil a vida de toda a população, os jornalistas que trabalham no país latino-americano precisam se preocupar com um conjunto extra de problemas.

Stolk afirma que o governo exerce uma grande influência sobre a cobertura da imprensa local, já que ao longo dos anos foi assumindo o controle de todos os meios de comunicação tradicionais, como televisão, jornais e centenas de estações de rádio:

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“No caso dos canais de televisão, alguns foram criados pelo governo, outros estavam sob ameaças e foram forçados a serem vendidos para pessoas amigáveis ao governo, o que também aconteceu com os jornais impressos. Aqueles que se recusavam a vender eram sufocados de todas as formas, ao ponto dos jornais não conseguirem comprar papel para fazer suas publicações”.

Segundo Stolk, embora existam jornalistas tentando produzir conteúdo imparcial e de qualidade no país, o principal problema que esses profissionais enfrentam é o constante clima de violência a que estão submetidos.

“Aqui é perigoso, o governo tem costume de prender jornalistas e ameaçá-los. Nas coberturas de protestos, eles se aproveitam e atacam jornalistas. É difícil estar no campo aqui”.