Faltando quatro dias para o segundo turno da eleição que vai decidir o futuro presidente do Brasil, Renan, o filho mais novo de Jair Bolsonaro, lançou seu próprio metaverso chamado Myla, que promove como embaixador nas redes sociais e é sócio, segundo a empresa que criou o projeto.
O metaverso, que engloba um jogo baseado em NFTs e uma criptomoeda própria chamada MYLA, já arrecadou pelo menos R$ 266 mil desde quarta-feira (26), quando o token começou a ser vendido.
Procurada, a equipe do jogo disse ao Portal do Bitcoin que 532 pessoas já adquiriram a criptomoeda cuja compra mínima é de R$ 500. Para atrair o público leigo das criptomoedas, o pix foi usado como forma de pagamento.
Esse grupo de supostos compradores nem mesmo está com a criptomoeda na carteira, já que a distribuição só acontecerá no futuro. Na verdade, as vendas começaram antes mesmo da criptomoeda existir. Dados on-chain checados pela reportagem mostram que o smart contract do MYLA (0xd…c884) foi criado na tarde de quinta-feira (27).
Como consequência, os usuários não conseguem checar na BNB Chain — blockchain onde o MYLA foi construído — se possuem o token ou não, apenas o sistema interno do site dá algum tipo de garantia de que receberão esses tokens no futuro.
O metaverso de Renan Bolsonaro
O jogo, que usa Renan Bolsonaro como garoto-propaganda, também promove o combate político da família. Nele, os personagens “do bem” representados por Jair Bolsonaro e seu filho caçula, além de Fernando Holiday e Donald Trump, combatem os inimigos do time “vermelho”, que caminham “como zumbis” tentando atacá-los.
Entre os personagens inimigos, está Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Seu personagem, apelidado de “Glande”, é definido como “um vilão de várias faces” e “usurpador do poder”.
Embora já existam muitos jogos parecidos, o filho de Bolsonaro definiu o projeto como o “primeiro metaverso do Brasil” ao anunciá-lo no Instagram.
Criptomoeda suspeita
Recém-lançada, a criptomoeda MYLA não tem liquidez que lhe conceda valor de mercado e nem mesmo uma auditoria que garanta sua segurança.
Ao checar a moeda no ApeSpace, plataforma que faz uma análise automática de contratos inteligentes de tokens padrão BEP-20, dois alertas de segurança são logo apontados.
O primeiro é o fato de que o token não tem propriedade renunciada, ou seja, uma pessoa tem controle total sobre o contrato. Outro alerta é que não há propriedade permanente do ativo, o que significa que é possível atribuir um novo proprietário com privilégios de mudar a estrutura da criptomoeda.
“O contrato contém a funcionalidade de propriedade, o que pode permitir que o proprietário atual modifique o comportamento do contrato (por exemplo: desativar a venda, alterar taxas ou criar novos tokens)”, aponta também a análise do Token Sniffer, plataforma que busca linhas de código maliciosas em tokens.
No site, a classificação do MYLA é 0/100. O Token Sniffer também indica como problema a taxa de venda do token ser superior a 5%. “Taxas excessivas são frequentemente vendidas com fins lucrativos, o que pode afetar negativamente o preço do token.”
O tokenomics descrito no whitepaper, que dá mais detalhes sobre a criptomoeda, também tem bandeiras vermelhas. A oferta de 100 milhões de tokens MYLA é dividida de tal forma que os criadores do projeto controlam praticamente 90% do fornecimento da moeda.
Ao acesso da comunidade, estão apenas 11% de tokens vendidos na fase seed e 1% de airdrop, com uso destinado ao jogo.
A concentração de tokens em poucas mãos abre brecha para esquemas de pump and dump, um golpe no qual criadores de um projeto divulgam informações falsas ou usam famosos para convencer pessoas a comprar um ativo e fazer seu preço aumentar para, logo em seguida, despejá-los no mercado e realizar lucro às custas de outros investidores.
Esse é o motor por trás de parte significativa de criptomoedas sem fundamentos lançadas no mercado, as famosas shitcoins, que, entre outras características, está a promessa de valorização.
Esse tipo de estratégia também existe no MYLA. No Pitch Deck divulgado no grupo do Telegram do projeto, que já possui mais de 550 membros, o jogo se compara com o The Sandbox — o metaverso mais popular do mercado junto com Decentraland — para simular uma suposta capacidade do token valorizar mais de 636x.
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O Portal do Bitcoin questionou a equipe do jogo sobre essa promessa de valorização, mas eles não deram detalhes de como o cálculo foi feito para chegar a esse número.
“O valor é um exemplo baseado no mercado atual, caso ele se mantenha e o projeto atraia muitos investidores. Com adoção global, esse token pode ter uma valorização ainda maior, são apenas números para mostrar o potencial de valorização a longo prazo”, garante a equipe.
Quem está por trás do Myla
Além de Renan Bolsonaro, o site do Myla aponta outras seis pessoas envolvidas. Todas com pouca experiência no mercado cripto.
O Linkedin de Pedro Henrique Caetano, apontado como CEO do Myla, não mostra nenhuma experiência profissional. Através do Facebook de Caetano, foi possível descobrir que até dois anos atrás, ele trabalhava com serigrafia. Antes disso, trabalhava com a fabricação de placas personalizadas.
O site do Myla traça um cenário diferente, apresentando o CEO como uma espécie de visionário do metaverso:
“Myla foi idealizado por Pedro Henrique, CEO do Myla, três anos atrás apenas com um sonho. Por falta de mão de obra qualificada pois Metaverso ainda era um termo completamente desconhecido, Pedro conheceu a Utility Labs, uma incubadora de projetos Web2 e Web3, no qual proporcionou que o sonho se tornasse realidade e o projeto pudesse ser feito com excelência e com mão de obra qualificada.”
Utility Labs, portanto, é a empresa desenvolvedora do Myla. A página da empresa no LinkedIn mostra que ela foi criada em novembro do ano passado e possui como CEO João Budoia. Ele se define como empresário e agricultor familiar do Mato Grosso, que “abandonou os cursos de Agronomia e Gestão em Agronegócio para empreender no ramo gastronômico, sendo sua churrascaria móvel um sucesso”.
Também é a Utility Labs que financia o projeto do Myla, segundo respondeu a equipe do jogo quando questionada sobre a origem dos fundos para lançar o projeto.
Quem é o parceiro do filho de Bolsonaro
Quando as vendas do token MYLA começaram na quarta-feira, o usuário que comprava via pix transferia o dinheiro para uma conta bancária da Utility Labs.
O CNPJ da empresa na Receita Federal mostra que ela foi aberta no início de setembro deste ano em Florianópolis (SC), declarando um capital social de R$ 10 mil.
Quem aparece como sócio-administrador da empresa é Ericris Souza da Silva, que já criou — e abandonou — outra criptomoeda, ligada ao agronegócio, chamada AgroCash X. Ele também está por trás da criação de outros tokens pela Utility Labs, chamados Texas Protocol e E-agro.
Silva, cuja empresa agora financia um jogo em apoio a Jair Bolsonaro, já foi acusado de cometer crime eleitoral no passado.
Nas eleições municipais de 2016, o empresário foi preso em flagrante em frente a uma escola em Rondonópolis (MT) transportando eleitores ao local de votação, “com o nítido propósito de aliciar eleitores e conseguir votos para o denunciado ‘Pastor Erlan’”, descreve a denúncia do Ministério Público.
O MP acrescenta ainda que no momento da prisão, Silva teria desacatado os policiais militares e o auxiliar da Justiça Eleitoral — lhe rendendo mais um indiciamento por desacato — enquanto um segundo pastor que participava do esquema fugiu do local com eleitores ainda dentro do carro.
O pastor Erlan não foi eleito, mas o candidato à prefeitura pelo seu partido, Zé Carlos do Pátio (Solidariedade), venceu as eleições daquele ano, garantindo a Silva um cargo comissionado na prefeitura nos três anos seguintes, até ele ser exonerado em 2020 e dar início a sua empreitada no mercado de criptomoedas.
Procurado pela reportagem, Ericris não respondeu até a publicação deste texto.