Entrevista: CEO da Tether admite que empresa errou no passado, mas garante que hoje reservas do USDT superam 104%

Paolo Ardoino, CEO da Tether, falou em entrevista ao Portal do Bitcoin sobre o mercado brasileiro e polêmicas sobre lastro do USDT
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Paolo Ardoino, CEO da Tether (Foto: Twitter/Bitfinex)

O mercado de criptomoedas no Brasil tem um líder incontestável: a stablecoin USDT, pareada ao dólar, representa 80% da compra e venda dessa classe de ativos. O número é da Receita Federal, que recebe informes sobre as movimentações de criptomoedas no Brasil de corretoras e investidores pessoa física e jurídica. Em julho, último mês com dados disponíveis, foram R$ 15 bilhões em USDT movimentados no país contra R$ 737 milhões em Bitcoin, que fica em segundo lugar.

Esse volume massivo é importante para a Tether, criador e gestora do ativo, mas a empresa não consegue precisar com exatidão o quanto o Brasil representa de sua receita. A informação é do CEO da empresa, Paolo Ardoino, que conversou com o Portal do Bitcoin

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“Nós temos um mercado primário e depois um mercado secundário, e isso dificulta saber a origem geográfica de cada valor”, justifica o executivo.

Ardoino elogiou a infraestrutura do sistema de meios de pagamento do Brasil e disse que é um mercado “que todos devem seguir de perto”. 

Além de analisar o mercado brasileiro, o CEO da Tether não fugiu de temas polêmicos: admitiu que a Tether errou no passado, mas, apesar disso, já provou na prática a liquidez de sua stablecoin. Ele foi além, afirmando que nenhuma outra empresa no mundo faz mais pelo Bitcoin do que a Tether.

Apesar das afirmações do executivo, a empresa ainda gera desconfiança por parte do mercado sobre a forma como administra as reservas de dólar que respaldam sua stablecoin e quem audita suas contas.

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A falta de transparência já rendeu até processos contra a empresa por parte do governo americano. Em 2021, a Tether concordou em não fazer mais negócios em Nova York depois que uma investigação de dois anos da Procuradoria-Geral de Nova York descobriu que a empresa havia “feito declarações falsas sobre o lastro” do USDT.

Ardoino afirma que isso é passado e que a companha aprendeu com os erros. Mesmo assim, ele afirma que o USDT nunca deixou de ter lastro. “Em maio de 2022, fomos capazes de resgatar US$ 7 bilhões em 48 horas, que eram 10% de nossas reservas, e mais de US$ 20 bilhões em 20 dias, que eram 25% de nossas reservas”, disse ele para demostrar a liquidez do ativo.

Leia abaixo a entrevista exclusiva do Portal do Bitcoin com Paolo Ardoino, CEO da Tether:

No Brasil, o USDT representa 80% do mercado de criptomoedas, conforme dados da Receita Federal. Como vocês estão acompanhado o desempenho da Tether no mercado brasileiro?

O Brasil é um mercado que todos devem seguir de perto do ponto de vista tecnológico. Na Argentina, por exemplo, o USDT está tão presente quanto no Brasil, mas a estrutura tecnológica ainda precisa ser desenvolvida. Na Argentina as pessoas usam o USDT para se proteger da inflação. No Brasil isso não é necessário e por isso o país pode se focar mais em como usar tecnologias para melhorar a vida do cidadão. 

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Eu sei que o Brasil está muito avançado quando se trata de meios de pagamento. Todo mundo está usando o Pix, para pagar em farmácias, postos de gasolina e qualquer lugar. E algumas empresas já criaram um meio de integrar o USDT e o Pix. Isso mostra como empresas e governos podem desenvolver tecnologias que são complementares e podem tornar a vida dos cidadãos muito melhor e mais confiável, também para enviar uma transação de forma mais barata e eficiente.

Quanto o Brasil representa na receita da Tether?

Não tenho como te dar esse número, porque nós temos um mercado primário e depois um mercado secundário e isso dificulta saber a origem geográfica de cada valor. 

Vocês pensam em fazer uma stablecoin do Real?

Nós temos outros produtos, como o Tether Euro e o Tether Peso Mexicano. O Euro representa uma grande área comercial do mundo, e mesmo assim nosso market cap é de 50 milhões de euros, contra 88 bilhões de dólares. Isso mostra que o fato é que todos no mundo que não têm o dólar querem o dólar. Eles não querem ter o euro. Eles não querem ter pesos mexicanos. Não sou eu que estou dizendo, são os números. 

Como a Tether vê o desenvolvimento de CBDCs pelo mundo? Acredita que o USDT possa vir a ter um concorrente? 

As CBDCs não irão realmente competir com stablecoins emitidas de maneira privada, como o USDT. A razão para isso é que o USDT é independente, é global, enquanto as CBDCs estão relacionadas apenas a um determinado país. Se o Brasil ou outro país tiver sua CBDC, as pessoas ainda buscarão a estabilidade do dólar. De um outro ponto de vista, seria assustador ter um governo lançando uma CBDC. 

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Por quê? 

Atualmente, se você usa seu cartão de crédito ou débito, a transação fica entre você e seu banco. Se você usar uma CBDC, o governo verá cada transação individual. Eles verão cada vez que você comprar um café, o governo saberá onde você comprou aquele café e saberá disso para cada pessoa em seu próprio país. Essa é a primeira vez que o governo saberá exatamente a localização, os hábitos de cada indivíduo. Isso é realmente assustador. Então, acredito que as pessoas irão lutar. No mundo livre, as pessoas lutarão contra as CBDCs. Portanto, não acho que elas representem uma ameaça ao Tether. Eu acredito que elas representam uma ameaça às liberdades das pessoas em geral.

Como você responde as acusações de que a Tether é pouco transparente sobre suas reservas e lastros? 

A Tether está fazendo mais do que qualquer outra empresa na indústria para fornecer transparência. Tenha em mente que se trata da empresa mais escrutinada do mundo. Além disso, a Tether disponibilizou seus dados trimestrais para o Procurador-Geral de Nova York e outros reguladores e tem colaborado com as forças policiais, recentemente congelando ativos em nome das autoridades. 

Agora, não digo isso de maneira arrogante, mas a Tether está a caminho de gerar US$ 4,5 bilhões de lucro por ano e possui cerca de US$ 3,2 bilhões em reservas excedentes. Qualquer empresa financiada por capital de risco, qualquer empresa do Vale do Silício, no momento em que obtivesse lucros, começaria a retirar lucros da empresa e distribuí-los entre todos os acionistas. Todos os lucros desapareceriam. A Tether está mantendo a grande maioria dos lucros dentro da empresa para respaldar ainda mais a stablecoin. 

Agora, o USDT, pode-se dizer que está 104% lastreado. A Tether não apenas inventou o conceito de stablecoin em 2014, mas também inventou um conceito muito mais importante, que é a reserva bancária totalmente garantida. Todo banco no mundo agora é fracionário em termos de reserva. Veja o Silicon Valley Bank, que quase matou a Circle, nosso principal concorrente. Olhe para o Signature e Silver. Eles faliram porque tinham apenas 10% de reservas líquidas. Nós temos 104%. 

Como você pode provar a liquidez do USDT? 

Em maio de 2022, fomos capazes de resgatar US$ 7 bilhões em 48 horas, que eram 10% de nossas reservas, e mais de US$ 20 bilhões em 20 dias, que eram 25% de nossas reservas. Todos os bancos que mencionei antes faliram apenas com 10% de saques de suas reservas. Portanto, pelo menos, é preciso dizer, e o mundo deveria ver, que somos muito mais resilientes, que somos capazes de resistir às pressões que nenhum banco no mundo conseguiu resistir.

Considera que a Tether foi tratada de forma injusta no caso em Nova York? 

Em primeiro lugar, estamos felizes por isso ter sido superado. Eu não acho que seja uma questão de ser tratado com injustiça. A Tether é a empresa que criou a indústria de stablecoins. E não havia orientações sobre como fazer isso. E demonstramos que ao longo do tempo, crescemos, começamos do zero, e agora é uma empresa com uma capitalização de mercado de US$ 88 bilhões.

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Não há manual sobre como construir uma stablecoin. Esta é a primeira vez que isso é feito na história. Como empresa, é normal que você poderia ter feito algo melhor, de uma maneira mais eficiente. É normal. Você cresce, às vezes comete erros, os corrige e continua crescendo. A única coisa que importa é que a Tether sempre assumiu seus próprios sucessos e erros, porque sem admitir nossos próprios erros, nunca podemos crescer. Não tenho certeza se isso responde à sua pergunta, mas é assim que vemos.

Mais recentemente a Tether desistiu de uma disputa judicial para impedir que jornalistas da Bloomberg e CoinDesk tivessem acesso às informações de um processo judicial em que a empresa está envolvida. Qual foi a razão para desistir dessa disputa? 

A Tether é uma empresa privada, e, como empresa privada, ela já disponibiliza muitas informações publicamente. Mas ainda assim, somos uma empresa privada. No final das contas, decidimos não recorrer apenas porque queríamos mostrar que não temos nada a esconder.

Ainda são informações privadas de nossa empresa, e mesmo que saibamos que a Bloomberg provavelmente a utilizará de maneira negativa porque nunca são favoráveis ​​à cripto, tenha em mente que somos, de certa forma, seu inimigo ferrenho, certo? Isso porque a Bloomberg representa as finanças tradicionais em todos os seus aspectos. Mas tudo bem. Mesmo sabendo disso, decidimos não recorrer e permitir que eles tenham essas informações.

No mercado cripto existem dois eventos que são vistos como tendo potencial para praticamente acabar com o setor: a Binance falir e levar consigo os ativos dos clientes como a FTX e o USDT perder a paridade com o dólar. Vocês sentem essa responsabilidade? 

Temos 300 milhões de usuários de USDT ao redor do mundo. Claro, é uma grande responsabilidade. Mas também somos pessoas humildes, simples, estamos fazendo tudo o que podemos para melhorar a empresa e conquistar a confiança das pessoas.

Em 2022, todos os heróis da indústria de criptomoedas faliram. Da FTX, BlockFi, Celsius, Genesis, todos eles, Voyager, todos eles faliram. Muitos disseram nos últimos nove anos que a Tether iria à falência e isso nunca aconteceu. Olhamos ao nosso redor e vemos que aqueles CEOs que eram elogiados pela mídia tradicional ou por todos na indústria, falharam com seus clientes e usuários. Portanto, tenho orgulho de dizer que talvez não sejamos a empresa mais bonita, talvez não sejamos a empresa mais apreciada pela mídia tradicional, mas somos definitivamente a empresa mais resiliente e verdadeira por aí, capaz de resistir quando bancos e seus concorrentes faliram por todos esses anos.

Você não acha que a Tether é o oposto do ethos cripto? Afinal, é uma criptomoeda centralizada, criada por uma empresa privada, com emissão e validação controlada e que busca emular uma moeda fiduciária. 

Essa é uma ótima pergunta. Deixe-me explicar, porque é algo muito importante para mim. A Tether é a empresa que mais está ajudando e fazendo pelo Bitcoin. Porque está reinvestindo no próprio Bitcoin, está investindo na mineração de Bitcoin, está investindo em todas as empresas de Bitcoin que, claro, fazem sentido.

O Bitcoin não tem um orçamento de marketing. Todas as outras altcoins fizeram ICOs e têm um orçamento de marketing. Se você olhar para os investimentos da Tether, estamos fazendo infinitamente mais do que qualquer outra pessoa pelo Bitcoin. O Bitcoin é a única coisa que é descentralizada. Mas 99% dos projetos cripto Web3 são tão centralizados quanto a Tether, porque o fornecimento de cada token está fortemente concentrado nas mãos de alguns. Então, se você realmente quiser investir em algo que resista à ira de Deus, invista em Bitcoin. Se você quiser, se precisar, se for uma pessoa normal que precisa de um dólar, pode usar o USDT.