Nesta terça-feira (20) entra em vigor a Lei 14.478/2022, conhecida como o Marco Legal das Criptomoedas no Brasil, após decorrido o período de 180 dias de vacância da lei desde sua publicação. O novo diploma legal pretende contribuir para a construção de um mercado de criptomoedas — em sua essência complexo e volátil —, mais sustentável.
A norma dispõe sobre as diretrizes a serem seguidas na prestação dos serviços de ativos virtuais e regulamenta as empresas atuantes no mercado, comumente referidas como exchanges, as quais deverão estar sujeitas ao Banco Central do Brasil (BACEN), que, no último dia 14, foi oficialmente designado como órgão supervisor e controlador da matéria. Na hipótese de os ativos virtuais representarem valores mobiliários, a competência, entretanto, permanecerá da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A nova lei sobrevém acertadamente em um cenário de instabilidade do mercado em meio a inúmeros casos de repercussão de esquemas fraudulentos e sofisticação de crimes associados às criptomoedas e suas tecnologias. Como reflexo, tem-se o abalo na credibilidade do negócio, atingindo indiretamente sólidas companhias atuantes.
Com o viés de conferir segurança jurídica para os operantes e provedores do serviço, a lei traz, além da ampla matéria de ordem regulatória, novas disposições no combate a delitos praticados à margem do ecossistema das criptomoedas. Exemplo disso, é a inauguração do artigo 171-A do Código Penal, consistente no crime de “fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”.
O dispositivo criminaliza, em linhas gerais, a conduta destinada à gestão e comercialização de tais ativos com a finalidade de obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, mediante qualquer meio fraudulento. A pena cominada é bastante expressiva, variando de 4 a 8 anos de reclusão e multa, inviabilizando acordo negocial.
O rigor legislativo pode ser vislumbrado, também, no contexto de lavagem de dinheiro. O reflexo dessa expansão criminosa em larga escala resultou na inauguração de causa de aumento de pena, no patamar de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), quando a lavagem de dinheiro for praticada, de forma reiterada, por meio da utilização de ativo virtual.
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Aprofundando-se no contexto de lavagem de dinheiro, merece importante atenção a nova previsão legal que estabelece que as prestadoras de serviços de ativos virtuais deverão estar sujeitas aos mecanismos de controle e prevenção da Lei 9.613/1998. Sobre elas, incidirá as regras de identificação de clientes, manutenção de registros e comunicação de operações financeiras suspeitas ao COAF, sob pena de responsabilização administrativa.
Para além disso, havendo o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos, é possível, ainda, a responsabilização criminal dos gestores das prestadoras de serviços de ativos virtuais na hipótese omissiva do crime.
Com efeito, diante da recente nomeação do BACEN como regulador do setor de criptomoedas, tais exigências não terão plena eficácia. Isso porque depende de regulamentação expedida pelo BACEN que apresentará as disposições específicas sobre o procedimento de autorização, funcionamento e conformidade das exchanges, além dos parâmetros a serem observados na adoção dos referidos mecanismos antilavagem.
Outra inovação da lei foi a equiparação, para fins penais, das operadoras de serviços de ativos virtuais às instituições financeiras. Por consequência, os gestores das exchanges poderão ser penalmente responsáveis pelos delitos constantes na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86). Por exemplo, os crimes de gestão temerária e fraudulenta, para os quais a lei atribui elevadas penas. Para aqueles que não observarem a regulamentação e operarem irregularmente no ramo, ou, ainda, de maneira fraudulenta, incidirá o crime do artigo 16.
Observa-se um esforço na repressão e prevenção aos crimes imbricados no contexto das criptomoedas, de forma a estimular um mercado mais sólido, exigindo atenção das empresas nas lacunas a serem preenchidas pelo BACEN.
Sobre a autora
Manoela Lucas é advogada e sócia da área Criminal do escritório Silveiro Advogados.