A semana foi bem intensa para a rede blockchain proof of stake (ou PoS, na sigla em inglês) Fantom. Um grande holder dos tokens FTM realizou um enorme empréstimo e deixou a rede de joelhos.
As coisas se acalmaram desde então, mas o acontecimento chamou a atenção para como atividades financeiras bem tradicionais (como a tomada e a concessão de empréstimos) ainda podem prejudicar tecnologias avançadas.
Eis aqui a história de como uma “baleia” do Fantom quase fez a rede cair — vale só lembrar que redes cripto não “caem”. Em vez disso, ficam muito caras e tão congestionadas que se tornam quase impossíveis de usar.
O “degen” (ou “degenerate”, que é uma pessoa que faz apostas arriscadas e ruins de investimento) em questão supostamente usa o pseudônimo Roosh na comunidade Fantom e depositou US$ 50 milhões (quase 59 milhões de tokens FTM) em um protocolo de Finanças Descentralizadas (ou DeFi) chamado Scream para obter um empréstimo de dois outros tokens.
Scream é um protocolo de empréstimos, como Aave ou Compound, mas desenvolvido no Fantom.
Os dois tokens eram SOLID, da corretora cripto Solidex; e DEUS, o token nativo da plataforma de serviços financeiros Deus Finance.
Para recapitular: Roosh colocou R$ 50 milhões de FTM no Scream para receber tokens SOLID e DEUS.
A baleia recebeu 37 milhões desses dois tokens pois Scream, assim como qualquer outra plataforma DeFi, só executa empréstimos “sobregarantidos”. Você deve depositar mais dinheiro do que você irá receber. Para emitir a stablecoin DAI do MakerDAO, por exemplo, você precisa colocar US$ 1,5 em ether (ETH) para obter US$ 1 de DAI.
A proporção de quantos ativos você precisa tomar emprestado por outro é chamada de proporção de empréstimo (do inglês “loan-to-value ratio” ou LTV). Varia de plataforma para plataforma, de ativo para ativo e é basicamente depende de quão volátil ou exótico o ativo que está sendo tomado emprestado é.
Uma criptomoeda altamente volátil e de pequena capitalização provavelmente terá uma alta proporção de empréstimo. Pode parecer algo ineficiente mas, no setor cripto, onde altas oscilações de preço são inevitáveis, projetos precisam dessa margem de segurança extra e sobregarantida.
No caso da baleia do Fantom, ele pôs essa ideia em prática.
Bloqueio
Após bloquear os US$ 50 milhões em FTM no Scream e tomar DEUS e SOLID emprestado, a baleia bloqueou a quantia desses dois tokens menores em um contrato de staking de quatro anos. Então, ele está com uma posição alavancada e ilíquida.
Em seguida, o mercado começou a se movimentar e, quando o bitcoin (BTC) começou a se mover, as altcoins (como FTM) o seguiram. À medida que o valor do FTM despencou, a LTV de Roosh no Scream também chegou cada vez mais perto do nível de o protocolo começar a liquidar (ou seja, vender o ativo para compensar a dívida) de sua posição.
As pessoas da comunidade Fantom acompanharam de perto como tudo iria acontecer — afinal, liquidar uma posição de US$ 50 milhões seria catastrófico para a saúde de qualquer rede cripto. Mas já que a posição de Roosh era ilíquida, ele não poderia acrescentar mais garantias e evitar a liquidação.
Na sequência, um dos membros da Deus Finance DAO emprestou US$ 2 milhões a Roosh para ajudar a evitar a liquidação.
Ainda assim, aconteceu uma liquidação parcial dos 11 milhões de tokens FTM e o preço do token despencou de US$ 0,85 para US$ 0,79, de acordo com o analista blockchain Amna.
Uma segunda e uma terceira liquidação aconteceram, fazendo FTM cair para US$ 0,76. “Agora, a baleia só tem 35 milhões de FTM (de um total de 59 milhões de FTM) como garantia”, afirmou Amna. “A quarta [liquidação] e outras liquidações farão a [alocação da] baleia cair de 30 para 18 milhões de FTM.”
O gráfico abaixo demonstra o que aconteceu. As liquidações começaram em 29 de abril.
Mesmo se holders de FTM não soubessem que esse evento específico de liquidação estava acontecendo, com certeza sabiam da rápida desvalorização de suas alocações.
Infelizmente, qualquer pessoa que tentasse reduzir suas perdas durante essas quedas iriam se deparar com uma terrível surpresa.
Já que grandes lotes de FTM estavam sendo vendidos, as taxas de transação na blockchain Fantom dispararam.
Essa é apenas uma taxa média de gas, mas o especialista em segurança cripto Chris Blec compartilhou no Twitter que essas liquidações em série fez transferências chegarem a quase 20 mil gwei (métrica de taxas).
“É caro fazer [uma transação] ser validada na FTM. Mas a FTM é tão barata que ainda é acessível. Mas demonstra o que o pânico é capaz de fazer”, tuitou Blec. “Imagina se este fosse o preço do Ethereum.”
E é aí que as coisas podem ficar realmente complicadas para uma rede cripto (e não apenas para Fantom): Quando uma enorme quantidade de um token nativo está sendo vendido pouco a pouco, investidores em pânico podem correr para a saída.
Mas já que taxas estão altas e as transações estão lentas, podem não ser capazes de encerrarem suas posições. De forma mais ampla, outros projetos DeFi desenvolvidos na rede também são reduzidos ao lento ritmo de uma lesma.
E se você imaginar que existem muitos outros usuários que tomaram ativos emprestados no Fantom, estes podem ter dificuldade em se livrar de suas garantias, pois suas transações podem falhar, resultando em ainda mais liquidação (e ainda mais atividade em blockchain e congestionamento).
As atividades da rede são interrompidas, os preços despencam… Bum! É a fórmula do desastre.
Legal, não é?
É claro que isso não aconteceu com a Fantom, mas é um risco legítimo. E Fantom não é a única blockchain vulnerável a esse tipo de acontecimento. Então tome cuidado.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.