O que você verá neste artigo sobre o histórico regulatório de criptoativos no Brasil:
- A regulação de criptoativos vem sido discutida desde 2015 até hoje e está em constante transformação, uma vez que a sua tecnologia encontra-se em pleno desenvolvimento. Muito embora não haja lei que regulamente as transações com criptoativos, como o bitcoin, empresas e pessoas físicas devem seguir e adotar medidas anticorrupção e de prevenção à lavagem de dinheiro.
- Conforme estabelecido pela IN 1888/2019, no dia 31 de Janeiro de 2020 finaliza o prazo para as exchanges de criptoativos domiciliadas no Brasil prestarem informações referentes: ao saldo de moedas fiduciárias, em reais; ao saldo de cada espécie de criptoativos; e ao custo, em reais, de obtenção de cada criptoativo se declarado previamente, de todos os seus usuários.
- Para atuação no mercado de criptoativos, sugerimos estar em conformidade com as atuais regulamentações do Sistema Financeiro Nacional com forma de transmitir confiança, credibilidade e ética para seus usuários.
Introdução
Estou apresentando a sequência sobre a Regulação de Criptoativos no Brasil.
A intenção é explicar sobre o conceito de criptoativos, tokens e smart contracts, além de discutir alguns aspectos que concernem à regulação da tecnologia segundos normas pátrias.
No primeiro texto, trouxe a definição de criptoativos, contei uma breve história do Bitcoin e em seguida apresentei a definição de tokens e os diferenciei conforme suas características.
Finalizei o texto trazendo à tona o atual entendimento da CVM sobre a regulação de Tokens.
No presente texto, vou mostrar brevemente sobre como se desenvolveu a regulação de utilização de criptoativos no Brasil, mostrando os principais acontecimentos de 2015 até hoje, destacando os Comunicados e Normativas do Banco Central do Brasil e da Receita Federal.
Vamos lá!
Regulação de criptoativos no Brasil — linha do tempo
Muito embora não haja lei que regulamente as transações com criptoativos, como o bitcoin, empresas e pessoas físicas devem seguir e adotar medidas anticorrupção e de prevenção à lavagem de dinheiro.
Insta informar que, diferente de alguns países, no Brasil não é ilegal ou proibida operações com bitcoin, No entanto, estas devem ser declaradas para fins de prestação de informações e, se for o caso, tributação.
Com o objetivo de regular a utilização do criptoativo, alguns Projetos de Lei foram apresentados a partir de 2015 estando, até o momento, em discussão no Congresso Nacional.
Abaixo, apresentamos uma linha do tempo relativa aos principais acontecimentos no âmbito regulatório e jurídico referente à regulação de criptoativos no Brasil.
Regulação de criptoativos: Histórico regulatório — de 2015 a 2017
Junho de 2015 — PL 2.303/2015 – Dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central.
Julho de 2015 — Início do processo judicial da exchange Mercado Bitcoin contra o banco Itaú pelo encerramento unilateral e injustificado de sua conta corrente.
Outubro de 2016 — Início do processo judicial da exchange Walltime contra o banco Itaú pelo encerramento unilateral e injustificado de sua conta corrente.
Março de 2017 — Receita Federal adiciona tópicos específicos sobre declaração de moedas digitais para fins de Imposto de Renda.
Setembro de 2017 — COAF se posiciona favorável à regulamentação das moedas digitais.
Novembro de 2017 — Comunicado 31.379: BC Alerta sobre moedas digitais e dá parecer contra o PL 2303/2015.
Dezembro de 2017 — Deputado Expedito Neto propõe proibição do uso de moedas virtuais.
Regulação de Criptoativos: Histórico regulatório — 2018
Janeiro de 2018 — Ofício Circular n. 1/2018 CVM/SIN: CVM proíbe fundos de investirem em moedas digitais.
Março de 2018 — CVM emite comunicado sobre ICOs.
Abril de 2018 — Criação da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB).
Junho de 2018 — ABCB inicia representação no CADE contra o Banco do Brasil por prática anticompetitiva.
Setembro de 2018 — Criação da Frente Parlamentar Mista de Blockchain e Ativos Digitais.
Setembro de 2018 — Criação da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).
Dezembro de 2018 — Comissão Especial para votar o substitutivo do PL 2303/2015.
Regulação de Criptoativos: Histórico regulatório — 2019
Maio de 2019 — Publicada Instrução Normativa da RF n. 1.888/2019 dispondo sobre a obrigação quanto à prestação de informações de transações com criptoativos.
Abril de 2019 — PL 2060/2019 – Dispõe sobre o regime jurídico de Criptoativos.
Junho de 2019 — Publicado Manual de Orientação do Leiaute da obrigatoriedade de prestação de informações.
Junho de 2019 — Criação de Comissão Especial na Câmara dos Deputados.
Julho de 2019 — Publicada IN 1899/2019 altera artigos 3 e 7 da IN 1.888/2019.
Agosto de 2019 — Entrada em vigor da obrigação de prestação de informação de operação em criptoativos, conforme IN RFB 1.888/2019.
Setembro de 2019 — Prazo para envio do primeiro relatório de informações para a RF relativo ao mês de agosto.
Dezembro de 2019 — CADE arquiva inquérito contra bancos por ausência de indícios de infração à ordem econômica.
Dezembro de 2019 — Publicado o Ato Declaratório Executivo n. 23 que institui o código de receita 5720 – Multa por Omissão/Incorreção/Atraso na Prestação de Informações Relativas a Operações Realizadas com Criptoativos.
Regulação de criptoativos — 2020
Janeiro de 2020 — Início da obrigatoriedade de prestação informação à Receita Federal de titulares de operações com criptoativos residentes ou domiciliados no exterior, conforme § 3º do art. 7 alterado pela IN 1899/2019.
31 de Janeiro de 2020 — Fim do prazo para as exchanges de criptoativos domiciliadas no Brasil prestarem informações referentes:
Ao saldo de moedas fiduciárias, em reais; ao saldo de cada espécie de criptoativos; e ao custo, em reais, de obtenção de cada criptoativo se declarado previamente, de todos os seus usuários, conforme inciso II do art. 8 da IN 1888/2019.
Regulação de criptoativos — Banco Central do Brasil
Em novembro de 2017, o Banco Central do Brasil (Bacen) emitiu comunicado n. 31.379/2017 alertando sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação de criptoativos.
Neste comunicado, o Bacen esclarece que as criptomoedas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, que as empresas que negociam ou guardam as criptomoedas não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas pela entidade.
Explica ainda, o Bacen, que o órgão não regula nem supervisiona operações com moedas virtuais e que estas não se confundem com as chamadas moedas eletrônicas [1], reguladas pela Lei n 12.865/2013.
Ressalta no comunicado que as operações com moedas virtuais que impliquem transferências internacionais referenciadas em moedas estrangeiras não afastam a obrigatoriedade de se observar normas cambiais.
Em especial a realização de transações exclusivamente por meio de instituições autorizadas pelo Bacen a operar no mercado de câmbio.
Por fim, informa que está acompanhando as discussões nos foros internacionais sobre a matéria para fins de adoção de eventuais medidas, observadas as atribuições dos órgãos e entidades competentes.
Regulação de criptoativos – Receita Federal do Brasil
Ainda que a Receita Federal (RF) não enquadre o bitcoin como moeda, existe a possibilidade de as criptomoedas serem declaradas como “outros bens”, sendo estes equiparados aos ativos financeiros, conforme instruções de preenchimento da Declaração de Imposto de Renda (“Perguntão”) de 2016.
Assim, os ganhos provenientes devem ser declarados com documentos que comprovem os momentos de compra e venda do ativo, incidindo, por sua vez, o imposto de renda sobre os ganhos obtidos na transação.
Em 2019, como forma de controlar as transações realizadas a partir da utilização de criptoativos, a Receita Federal instituiu por meio da Instrução Normativa n. 1.888/2019 o dever de prestação de informações relativas às transações com criptoativos.
Estão obrigados a prestar informações as pessoas jurídicas que disponibilizem plataforma para negociação de criptoativos e pessoas físicas e jurídicas que negociem criptoativos fora de exchanges nacionais, ou seja, P2P, e aqueles que utilizam exchanges internacionais.
Multas previstas pela IN 1.888/2019
A pessoa física ou jurídica que deixar de prestar as informações a que estiver obrigada ou que prestá-las fora dos prazos ou que omitir informações ou prestar informações inexatas, incompletas ou incorretas, ficará sujeita à multa, conforme o caso. Vejamos:
I — pela prestação extemporânea:
a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês ou fração de mês, se o declarante for pessoa jurídica em início de atividade, imune ou isenta, optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, ou que na última declaração apresentada tenha apurado o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido;
b) R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por mês ou fração de mês, se o declarante for pessoa jurídica não incluída na alínea “a”; ou
c) R$ 100,00 (cem reais) por mês ou fração, se pessoa física;
II — pela prestação com informações inexatas, incompletas ou incorretas ou com omissão de informação:
a) 3% (três por cento) do valor da operação a que se refere a informação omitida, inexata, incorreta ou incompleta, não inferior a R$ 100,00 (cem reais), se o declarante for pessoa jurídica; ou
b) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) do valor da operação a que se refere a informação omitida, inexata, incorreta ou incompleta, se o declarante for pessoa física; e
III — pelo não cumprimento à intimação da RFB para cumprir obrigação acessória ou para prestar esclarecimentos nos prazos estipulados pela autoridade fiscal, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês-calendário;
Caso o declarante seja pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional, a multa de 3% do valor da operação informada, prevista na alínea “a” do inciso II do caput, será reduzida em 70%.
A multa de R$ 1.500,00 por mês ou fração de mês, prevista na alínea “b” do inciso I do caput, será aplicada também, em caso de apresentação das informações fora do prazo, à pessoa jurídica que na última declaração tenha utilizado mais de uma forma de apuração do lucro, ou tenha realizado operação de reorganização societária.
Nos casos em que a obrigação acessória for cumprida antes de qualquer procedimento de ofício, a multa prevista no inciso I do caput será reduzida à metade.
Por fim, poderá ser formalizada comunicação ao Ministério Público Federal sempre que houver indícios da ocorrência dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, sem prejuízo da aplicação de multa.
Conclusão
Assistimos até aqui a epopeia regulatória de criptoativos no Brasil. No mais, verifica-se que a saga pela segurança jurídica, tanto para os usuários quanto para as empresas que oferecem serviços de operações, ainda está distante de ser alcançada.
O que podemos concluir de todo o contexto narrado é que uma regulação principiológica seria o mais adequado para tratar de questões técnicas inerentes às operações com criptoativos, enquanto que a exigência de um manual de conduta e mecanismos mínimos de prevenção à lavagem de dinheiro seria um requisito essencial para que as empresas possam continuar no mercado.
Por sua vez, a exigência de um Manual de Compliance pelos usuários seria uma forma de garantir a confiabilidade e conduta ética da empresa que operam com criptoativos.
Assim, estar em conformidade com as atuais regulamentações do Sistema Financeiro Nacional é um requisito indispensável para transmitir confiança, credibilidade e ética neste mercado.
[1] “Considera-se moedas eletrônicas os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento. Moeda eletrônica, portanto, é um modo de expressão de créditos denominados em reais”.
Para saber mais sobre Análise Regulatória e Compliance de Criptoativos ou se tiver dúvidas sobre Direito Digital, em especial acerca dos temas:
Proteção de Dados (LGPD & GDPR); Aspectos Regulatórios e Compliance de novas tecnologias; regulação de criptoativos, entre em contato comigo pelo email graziela@blconsultoriadigital.com.br.
Sobre a autora
Graziela Brandão, Community Builder do movimento Women In Blockchain Campinas, é mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela UNICAMP e graduada em Direito pela UFAL. Especialista em análise regulatória para novas tecnologias e atua nas áreas de Direito Digital e Compliance.