As criptomoedas estão cada vez mais se impondo como tema obrigatório. Um exemplo é que, nos últimos dias, dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil e um ex-ministro da Fazenda escreveram artigos sobre o tema nos jornais mais tradicionais do país.
O primeiro artigo veio no dia 19, com o ex-ministro da Fazenda (2015-2016) Nelson Barbosa, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo. Já no domingo (29), foi a vez de Gustavo Franco, um dos arquitetos do Plano Real e presidente do Banco Central de agosto de 1997 até março de 1999, escrevendo para o jornal O Estado de S. Paulo.
O terceiro e mais recente artigo veio nesta segunda-feira (30). Gustavo Loyola, presidente do BC entre dois períodos (novembro de 1992 até março de 1993 e junho de 1995 até agosto de 1997) também falou sobre criptomoedas em artigo no jornal Valor Econômico.
Confira como esses economistas abordaram o assunto:
Xerife para DeFi
No dia 19 de maio, o ex-ministro da Fazenda durante o governo Dilma Rousseff, Nelson Barbosa, afirmou em coluna no jornal Folha de S. Paulo que é necessária a criação de uma autoridade para regular o mercado de Finanças Descentralizadas (DeFI).
“Cinco mil anos de história monetária indicam que inovações financeiras como blockchain e DeFi começam gerando bolhas, que podem ou não acabar em crise financeira. Neste processo, em algum momento os próprios usuários da inovação pedem um xerife, para organizar o mercado”, disse.
Para Barbosa, o sucesso de DeFi depende de uma admnistração mais eficiente de riscos inerentes a qualquer operação financeira: “liquidez, solvência e exposição a flutuações súbitas em preços chave do mercado”.
O ex-ministro finaliza: “No caso do risco de mercado, a crise de 2008 tornou comum a realização de testes de estresse financeiro, onde as instituições reguladas informam às autoridades seu potencial de perda no caso de variações súbitas em alguns preços, como câmbio, juro e petróleo. Será que já há alguém reescrevendo os critérios de Basiléia como “smart regulation” em blockchain? Acho que sim, mas antes disso se tornar comum, provavelmente teremos alguma turbulência em DeFi. Só depois da crise vem o xerife”.
NFTs na década de 1970
No domingo (29), Gustavo Franco, um dos “pais” do Plano Real e ex-presidente do Banco Central, relembrou em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo um episódio das artes plásticas brasileiras para fazer um paralelo com o mercado cripto.
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Em 1978 o artista Cildo Meireles criou cédulas do Cruzeiro, então moeda nacional, fazendo intervenções simbólicas: estampando, em vez de heróis nacionais, um louco ou um índio, e marcando o valor como “Zero Cruzeiro.
O curioso é que o criador levou suas obras para camelôs no Rio de Janeiro com o objetivo de ver elas serem colocadas em circulação, mas a surpresa é que elas rapidamente passaram a ser vendidas como as obras de arte e não como moeda fiat.
Para Franco, “parece claro que Cildo Meireles estava fazendo uma espécie de ICO (Initial Coin Offering, o acrônimo para apontar a similaridade entre as ofertas de novas criptomoedas e ofertas de ações)”.
Porém, quem está mais ambientado com criptomoedas vê claramente que é um caso de tokens não-fungíveis (NFTs). O CEO da corretora Mercado Bitcoin, disse em seu perfil no LinkedIn que “estaria mais para um airdrop de NFTs, como bem recebeu a comunidade: como peças de arte colecionáveis. Ainda que não numeradas, cada nota era única, com gravuras selecionadas pelo artista.”.
Análise sobre stablecoins
Já nesta segunda-feira (30), Gustavo Loyola, também ex-presidente do BC, aproveitou o gancho das recentes críticas sobre stablecoins feitas por Christine Lagarde, líder do BCE, para dar sua opinião sobre essa classe de criptoativos em artigo no jornal Valor Econômico.
A presidente do Banco Central Europeu afirmou que os criptoativos “não valem nada” e são baseados em nada. “Eu sempre disse que criptoativos são altamente especulativos e ativos de altíssimo risco”, disse Lagarde.
Loyola questiona: “O que de valor econômico esses ativos adicionam à moeda digital emitida pelos bancos centrais? Parece-me que é nenhum ou muito pouco, para justificar a existência em grande escala dessa categoria de ativos, exceto em situações muito particulares”.
O ex-presidente do BC ressalta que uma regularização desse mercado é urgente para evitar que desavisados percam todas as economias do dia para a noite.
“Até o momento, as criptomoedas não têm desempenhado papel econômico algum, exceto como meio de especulação no próprio ativo ou veículo para garantir anonimato em operações questionáveis. O pior é que cada vez mais o investimento nesses ativos – inclusive naqueles vendidos como inerentemente “estáveis” – tem sido feito por pessoas leigas e que arriscam suas poupanças acumuladas ao longo de anos. A regulação desses mercados, como disse Lagarde, tem de vir o mais rapidamente possível, antes que a lambança se espalhe mais”.