O mundo da tecnologia foi sacudido pelo Google no último dia 23, quando a empresa anunciou o alcance da supremacia quântica, a partir do desenvolvimento de um computador com chip quântico.
Considerado um marco histórico, o fato levanta uma série de questões sobre as operações criptografadas, que vão desde os sistemas bancários ao funcionamento da tecnologia blockchain – que permite a existência das criptomoedas, como o Bitcoin.
A máquina equipada com o Sycamore, chip quântico desenvolvido pelo Google, conseguiu desvendar o segredo por trás de um gerador de números aleatórios em um espaço de apenas 200 segundos (ou seja, em 3 minutos e 20 segundos).
Para comparação, o mesmo processo levaria nada menos que 10 mil anos para ser realizado pelo Summit, o supercomputador da IBM lançado em 2018 e considerado hoje o mais potente do mundo.
Isso porque, na computação clássica, toda e qualquer informação é armazenada ou processada na forma de bits, em um intervalo de 0 e 1; já na na computação quântica, seus bits (ou simplesmente qubits) podem assumir inúmeros estados entre 0 e 1. Este fenômeno, chamado de superposição, cria o potencial para desenvolver cálculos de forma mais rápida do que computadores tradicionais – ou mesmo do que os chamados supercomputadores atuais, como o da IBM.
Os computadores com capacidade quântica, portanto, podem testar um grande número de cálculos ao mesmo tempo, o que permite falsificar as assinaturas eletrônicas que assinalam transações na blockchain e fazer alterações nela – ou mesmo conceder acesso à rede para outros participantes.
Para realizar tais operações, no entanto, os circuitos do computador quântico precisam ser mantidos em condições extremamente baixas de temperatura, próximas do zero Kelvin (simplesmente o zero grau absoluto, equivalente a -273ºC). Do contrário, tornam-se extremamente instáveis, inviabilizando qualquer operação.
Sendo assim, seria o computador quântico uma ameaça imediata às criptomoedas – como o Bitcoin – e à tecnologia blockchain como um todo?
Esse debate já mobiliza a comunidade cripto há algum tempo, como mostrou o Portal do Bitcoin neste artigo de agosto de 2018. No entanto, o anúncio da operação quântica realizada pelo Google trouxe novos elementos à mesa.
Mudança de paradigma
Mas afinal, o que representa na prática e no cotidiano esse feito obtido pelo Google?
Especialistas ouvidos pelo Portal do Bitcoin são unânimes em reconhecer que ocorreu de fato uma mudança de paradigma. Quanto ao impacto sobre o cidadão comum, eles avaliam que ainda vai levar algum tempo – mas não muito – para chegar ao cotidiano.
“O que foi apresentado pela Google apenas resolve um problema pontual, nada de soluções gerais. Ainda é um computador dedicado, como tantos que já temos em indústrias de automação. Mas certamente sinaliza uma possibilidade de desenvolver um outro com outra solução dedicada, ainda sem sabermos em quê”, pondera Paulo Henrique Guimarães, doutor em Física pela Unb (Universidade de Brasília) e especialista em computação quântica.
Na opinião do engenheiro de software e desenvolvedor de criptomoedas João Ferreira, o Girino Vey, a instabilidade do ambiente quântico ainda é um grande empecilho.
“Por causa das limitações da própria computação quântica, essa “supremacia” não pode ser generalizada. É preciso mais avanços (em especial, computadores com mais qubits) para que operações mais complexas sejam realizadas.
Para comparação, o chip Sycamore, do Google, continha 54 qubits, sendo que um deles pifou durante a operação histórica. O número ainda é considerado pequeno para aplicações mais práticas.
O especialista em Bitcoin e segurança digital Hamilton Amorim, também conhecido como Algorista, aponta que tal tecnologia por enquanto deve ficar restrita ao meio militar ou a grandes laboratórios de pesquisa. Mas já arrisca uma previsão.
“Eu acredito que em cinco anos teremos computadores quânticos embarcado em computadores comuns, como em uma placa 3D”, afirma Amorim.
Ameaça à vista?
E quanto à ameaça quântica às criptografias atuais? Amorim também prevê um prazo de validade para os atuais códigos diante do desenvolvimento da computação quântica. “Toda a criptografia atual no mundo tem somente mais uma década pela frente, com sorte”.
Apesar das vulnerabilidades do Bitcoin e da tecnologia blockchain atuais, os especialistas consultados pelo Portal do Bitcoin não enxergam as criptomoedas como ponto mais crítico.
“Apenas parte dos algoritmos do Bitcoin são vulneráveis, e existem estratégias para se precaver contra ataques quânticos, como nunca reutilizar um mesmo endereço. O SHA256 e o RIPEMD160, usados na mineração e na geração de endereços do bitcoin, são resistentes, e apenas o ECDSA usado nas assinaturas seria vulnerável”, explica Ferreira.
Essas possibilidades, no entanto, não são facilmente aplicadas ao setor bancário, altamente dependente dos padrões atuais de criptografia.
“Toda a internet e todo o sistema bancário dependem de criptografia que é vulnerável a algoritmos quânticos. Você tem de considerar que a quantidade de dinheiro no sistema bancário é centenas ou mesmo milhares vezes maior que o valor de mercado do bitcoin. Nesse sentido, a economia tradicional seria a primeira a sofrer as consequências dos computadores quânticos”, pontua Ferreira.
“No Bitcoin há desafios e temos como dar soluções. No caso dos bancos é a maior preocupação”, reforça Amorim. Ele crê ainda que os bancos, por serem “letárgicos”, só começarão a se mexer quando os primeiros ataques quânticos começarem a ganhar o noticiário.
Período “pós-quântico”
Ao mesmo tempo, também já estão em curso novas pesquisas na já chamada criptografia quântica, com o intuito de acompanhar esse novo patamar da computação. Uma tendência, que, inclusive, deve ser potencializada com o novo patamar estabelecimento pela operação quântica do Sycamore, do Google.
“Hoje têm grupos de pesquisadores que trabalham com a Informação Quântica, uma área que buscam desenvolver protocolos de Criptografias Quânticas, para assim que ocorrer esse desenvolvimento já tenha algo posto para contrapor”, observa Guimarães.
No Brasil, por exemplo, há grupos no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) dedicados ao desenvolvimento quântico e seus efeitos.
Ferreira lembra que algumas moedas digitais já implementaram suporte a criptografia “pós quântica”, como a IOTA e o Decred. Essa possibilidade também pode ser aplicada ao Bitcoin, mas ainda depende de consenso junto à comunidade crypto sobre quais serão os algoritmos pós-quânticos.
“Quando o dinheiro começar a ser afetado, a mudança vai acontecer. Quando a supremacia quântica na criptografia ficar próxima, você vai ver o movimento para substituição dos algoritmos aumentando rapidamente”, finaliza João Ferreira.
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