Como uma empresa de mineração de bitcoin dos EUA conseguiu superar o poder das chinesas

Mineradores de bitcoin estão resistindo contra críticas ambientalistas ao afirmar que sua indústria está acelerando uma transição para energias renováveis
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Foto: Shutterstock

Quando o Congresso Americano se reuniu na quinta-feira (20) para discutir sobre o impacto ambiental das criptomoedas, destacou um crescente problema para mineradores de bitcoin (BTC): a percepção, seja ela justa ou não, que são uma ameaça ao planeta.

Uma empresa que acompanhou a reunião de perto é Foundry, subsidiária do Digital Currency Group (ou DCG, na sigla em inglês), cuja rede de máquinas para a mineração de bitcoin se tornou uma das duas maiores do mundo, ao lado da chinesa Antpool. O volume varia semanalmente.

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Foundry é uma história de sucesso nos EUA, pois ajuda seus clientes a faturarem milhares em bitcoins e ajudarem a repatriar uma crescente indústria para terras americanas.

Mas a crescente supervisão ambiental pode indicar que o futuro da Foundry depende da persuasão de governos e do público em aceitarem uma nova proposta controversa: a mineração cripto terá um papel fundamental ao dar início a uma era de energia renovável.

Levando o bitcoin para casa

O Bitcoin é uma tecnologia sem fronteiras, mas começou nos EUA. Os primeiros a usarem bitcoin foram criptógrafos da Área da Baía de São Francisco, incluindo Hal Finney, programador e confidente de Satoshi Nakamoto que minerou em computadores domésticos.

No início, muitos americanos mineravam bitcoin sozinhos (às vezes, até em celulares) ou começaram empresas para minerá-lo em grande escala.

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No entanto, em 2015, a popularidade do bitcoin sugeria que qualquer um que desejava minerar novas moedas regularmente precisava de máquinas com chips específicos, conhecidos como chips de circuito de integrado de aplicação específica (ou ASICs), destinados para esse propósito.

E com muitos outros componentes computacionais, empresas asiáticas se tornaram suas fabricantes.

A China dominou não apenas a fabricação de “fazendas” de bitcoin, como também o uso delas. Durante anos, pools chineses de mineração faturavam bastante com bitcoins recém-minerados.

Em 2020, mineradores norte-americanos que ainda tinham uma participação de mercado de 15% foram impulsionados quando Foundry entrou em campo.

Foundry aproveita o apoio do DCG, também dono da Grayscale Investments, Genesis Trading e CoinDesk. Barry Silbert, o ricaço dono do DCG, afirma que irá operar o novo empreendimento de mineração do DCG por décadas.

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Após minerar bastantes bitcoins em suas próprias fazendas em 2020, Foundry mudou para um modelo federal em 2021, fornecendo financiamento e máquinas a empresas de bitcoin pelos EUA.

A empresa também criou um pool para que mineradores americanos compartilhassem recompensas (uma prática bem antiga na mineração cripto) e prometeu retornos garantidos àqueles que se unissem a ele.

Em seguida, Foundry e outros mineradores americanos, incluindo as empresas listadas em bolsa Marathon e Riot Blockchain, tiraram a sorte grande: a China reprimiu ainda mais a mineração de bitcoin em 2021, fazendo com que quase todos os mineradores saíssem do país.

O resultado é que a maioria da mineração de bitcoin agora acontece na América do Norte. Enquanto isso, Foundry ajuda mineradores asiáticos com a difícil logística de transferir suas máquinas (e todas as suas operações) a terras americanas.

Este ano, a rede Foundry já minerou 2.826 BTCs ou uma média de 157 por dia.

Com base na recente queda no preço do bitcoin de cerca de US$ 40 mil, isso se traduz em uma média diária de US$ 6,3 milhões em lucro – um número que pode ficar próximo a US$ 10 milhões por dia se o bitcoin se aproximar de sua alta recorde de US$ 68 mil.

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Grande parte desse dinheiro, até recentemente, teria ido para o bolso de empresas chinesas.

Agora, são investidores e operadores americanos que estão colhendo os louros em bitcoin e garantindo que, assim como nos primórdios das criptomoedas, grande parte da riqueza cripto continue nos EUA e no Canadá.

Essa seria uma história americana de sucesso se não fosse pelas crescentes preocupações ambientais sobre a mineração de bitcoin, antes resmungadas por poucos ativistas mas que, agora, são assunto de uma audiência na capital dos EUA.

Os defensores cripto na audiência provavelmente vão enfatizar que grande parte dos projetos mais novos, como Solana ou Tezos, usam apenas uma fração da energia usada pelo Bitcoin, pois não exigem um sistema proof-of-work (ou PoW) para atualizar seus blockchains.

A expectativa é que Ethereum, a segunda maior criptomoeda do mercado, migre desse modelo ainda este ano.

Esse não é o caso do bitcoin, que não tem planos de abandonar PoW, mesmo se continuar sendo o maior blockchain em termos de valor econômico e consumo energético.

Esse status significa que aqueles que mineram bitcoin provavelmente serão criticados por ambientalistas e legisladores.

Uma proibição à mineração de bitcoin?

Grande parte dos entusiastas cripto consideram o Bitcoin como uma nova tecnologia incrível que espalha riqueza e inclusão financeira pelo mundo.

Críticos discordam. Consideram-no como uma catástrofe ambiental: uma rede computacional que engole mais energia anualmente do que todo o país da Argentina e não possui um propósito útil além de enriquecer libertários egoístas.

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Nos últimos meses, críticos ganharam força. Suas acusações viraram um projeto de lei no Estado de Nova York (que contabiliza 20% da produção de bitcoin nos EUA) para banir a mineração de criptomoedas.

A indústria também não está se dando bem na Europa, onde uma iniciativa na Suécia quer proibir a mineração de bitcoin. Enquanto isso, um grande regulador financeiro propôs implementar uma proibição parecida em todo o continente europeu.

A comunidade Bitcoin sempre reagiu a críticas com indignação, afirmando que suas queixas são mal informadas e movidas por ódio, destacando que a indústria financeira tradicional também abocanha imensas quantidades de energia.

É improvável que tais contra-argumentos automáticos desviem de supervisão ambiental, então a Foundry e outros mineradores americanos vão precisar de uma narrativa melhor para contestar o lobby sustentável.

Mike Colyer, CEO da Foundry, acredita que ele possui um contra-argumento.

Ele e outros executivos da empresa disseram ao Decrypt que a mineração de bitcoin ajuda a construir uma ponte que ajudará os EUA a acelerarem sua transição de combustíveis fósseis a fontes renováveis de energia.

Colyer destacou o estado do Texas, que está tentando construir sua capacidade de energia solar após uma rede inconfiável ter deixado milhões no escuro no ano passado.

Ele destaca que Foundry e seus parceiros estão firmando acordos com fornecedores solares e hidroelétricos ou comprando-os diretamente para adquirir enormes quantidades de energia.

Operação de mineração de bitcoin em Washington operada por Scate Ventures, parceiro da Foundry (Imagem: Scate Ventures)

Segundo Colyer, solicitações por empresas de bitcoin para adquirir poder podem inclinar a balança quando o assunto são serviços públicos que estão decidindo construir ou não uma estação solar ou outro tipo de usina de energia renovável.

A mineração de bitcoin “se tornou um volante poderoso para renováveis. É um caminho para um futuro de energias renováveis”, disse.

Colyer acrescenta que empresas de mineração também podem ajudar a “equilibrar a carga” ou obter energia durante épocas de baixo uso quando serviços tiverem um excedente.

Em termos práticos, isso significa que um serviço público do Texas pode fornecer grande parte de sua capacidade a residentes de Houston que ligam seus ares-condicionados durante uma onda de calor em uma tarde e, em seguida, fornecer energia a empresas de bitcoin à noite quando as temperaturas abaixarem.

Foundry já está conversando com empresas de energia no Texas que progrediram “além da fase de aprendizado”, afirma Colyer, apesar de ter se negado a especificar quais são, afirmando que empresas estão cautelosas em anunciar publicamente suas iniciativas.

Essa relutância é provavelmente a consequência de difíceis lições aprendidas durante a febre de bitcoin em 2017, quando empresas suspeitas faziam promessas a serviços públicos pelos EUA, mas sumiram quando os preços despencavam, deixando, muitas vezes, prejuízo e degradação ambiental em seu rastro.

A atual febre de mineração é diferente, segundo Colyer, pois a Foundry e sua empresa-mãe estão aqui para ficar e sempre tomaram cuidado em se importar com reguladores e manter uma reputação positiva.

Colyer não é o único a afirmar que a indústria norte-americana de mineração evoluiu. John Warren, CEO da pequena empresa de mineração Gem, apoiada por fundos de hedge e “family offices”, têm argumentos parecidos.

“Energia limpa é um aspecto cada vez mais importante da mineração”, explica, acrescentando que muitas pessoas não entendem que operações de mineração na América do Norte são bem mais limpas que aquelas em locais como o Cazaquistão, outro núcleo para a produção de criptomoedas.

Warren destaca que 91% da energia que alimenta as fazendas de bitcoin da Gem vem de fontes renováveis. No caso da Foundry, a empresa afirma que esse número é 71% enquanto o restante da energia da rede vem de petróleo, gás natural e carvão.

Mesmo que a mistura energética da mineração de bitcoin na América do Norte seja consideravelmente mais limpa do que em outros locais, é improvável que o fato de que combustíveis sujos como carvão estão alimentando operações cripto passe despercebido de ambientalistas.

Na verdade, uma operação com combustíveis fósseis no Lago Seneca em Nova York gerou manchetes negativas pelo mundo.

A afirmação da Foundry de que a mineração de bitcoin está acelerando uma transição para renováveis pode aliviar algumas dessas preocupações. Mas nem todos estão convencidos de que essa teoria se sustenta.

Equilibrando lucros e protegendo o meio ambiente

Alex de Vries é um pesquisador na Universidade de Amsterdã cujo site Digiconomist se tornou uma voz influente no debate sobre o impacto ambiental das criptomoedas.

Em entrevista ao Decrypt, ele afirmou que tese de “uma ponte até energias renováveis”, apresentada por Foundry e outros, não é persuasiva.

Segundo de Vries, o argumento de “equilibrar a carga” dos mineradores (de que não sobrecarrega redes elétricas ao obter energia principalmente fora do horário de pico) é improvável, dado o aspecto econômico envolvido na operação de uma fazenda de mineração de bitcoin.

Ele destaca que mineradores estão em uma corrida contra o tempo desde que chips em uma máquina se tornam obsoletos em menos de 18 meses, ou seja, mineradores têm um forte incentivo de operar as fazendas 24 horas por dia.

“Se você possui qualquer uma dessas máquinas, a última coisa que você quer fazer é desligá-las”, explicou. “Você precisa garantir seu lucro antes de isso acontecer.”

E de Vries não acredita que mineradores de bitcoin possam promover significativamente o desenvolvimento de novas estações de energia renovável.

O problema, segundo ele, é que construir uma nova instalação energética leva tempo, algo que mineradores que estão correndo para implementar suas máquinas não podem esperar.

De forma mais geral, de Vries afirma que ele e outros (incluindo os ambientalistas que pressionam por uma proibição à mineração de bitcoin na Suécia) questionam se os benefícios do Bitcoin são adequados para justificar a expansão de qualquer energia renovável.

Outros que levantam essa questão incluem Steve Wright, que gerencia usinas hidrelétricas no Noroeste Pacífico.

“Quando você tem um fornecimento limpo de energia e tem um mundo repleto de carbono, pessoas estavam perguntando se esse é o melhor uso dessa energia”, disse Wright em 2020.

Para a Foundry e milhões de outros impulsionadores de bitcoin ao redor do mundo, a resposta à pergunta de Wright é claramente um “sim”.

Para eles, a mineração de bitcoin não apenas fornece benefícios em termos da rede financeira que oferece, mas também atua como uma importante catálise para a expansão do fornecimento total de renováveis.

“A mineração de bitcoin é o futuro caminho para um futuro renovável”, de acordo com Kevin Zhang, vice-presidente da Foundry. “É a bateria perfeita.”

Executivos da Foundry estão convencidos de que seu argumento é o melhor. Ainda veremos se legisladores americanos vão concordar.

*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.