A web atual tem sido objeto de críticas por não ser capaz de oferecer incentivos econômicos sustentáveis e justos. Isso ocorre porque o modelo atual prioriza o lucro em detrimento do bem-estar humano. Mas o ponto é que esses dois conceitos não precisam ser antagonistas.
O cenário macroeconômico atual é um sintoma desse modelo insustentável, em que a disparidade entre a grande concentração de poder mundial dos governos, bancos e big techs, se distancia cada vez mais do resto da sociedade comum.
A estrutura atual regida por governos e bancos, em teoria é segura e regulada. Mas assim como existe muita fraude, golpe e ganância na Web3, no mercado financeiro tradicional isso também existe. A bolha imobiliária de 2008 é o maior exemplo disso, que causou uma diluição de US$ 9 trilhões na economia para tapar o rombo criado. Com a crise de crédito e a recente quebra do SVB e outros bancos americanos, podemos estar vivendo um momento semelhante ou até superior a 2008, a depender dos próximos episódios.
No meio da construção da Web3 também vão ocorrer grandes problemas, como no ano passado com os colapsos do ecossistema Terra (LUNA) e da corretora FTX. Mas isso é natural e faz parte do processo.
Ainda sobre o establishment atual, é interessante notar que as big techs também são forças políticas, assim como grandes países. Segundo o filósofo e economista Yanis Varoufakis, que foi ministro das finanças da Grécia durante sua crise, nossa sociedade não vive mais em uma democracia capitalista e sim em um modelo intitulado tecno feudalismo. Ou seja, os “feudos” das grandes empresas tecnológicas.
Empresas como Google, Amazon, Meta e Apple, são tão ou mais importantes que países. Elas não possuem um estado-nação próprio, mas mesmo assim fazem parte do eixo de poder da ordem mundial e regem a vida de bilhões de pessoas. O problema é que corporações decidindo o destino de bilhões de pessoas simplesmente para aumentar o lucro de seu quadro de acionistas não é saudável ou sustentável.
Um modelo questionável
O modelo atual que essas big techs seguem é bem questionável. Nós, usuários, não somos os clientes delas, mas sim o produto. Elas invadem nossa privacidade, captam o máximo de informações possíveis sobre nossa vida, incluindo nossos gostos, hábitos e afinidades para vender nossa atenção para os anunciantes da plataforma e lucrar com isso.
O crescimento da Web3 vem como consequência de um estresse de toda essa estrutura, mas ao mesmo tempo isso não quer dizer que certos projetos Web3 vão dominar o mundo no futuro. Porém, é importante que as pessoas tenham consciência de que esse processo não é feito da noite pro dia. Essa construção leva tempo.
É importante mencionar que muitas pessoas inseridas nesse ecossistema buscam romantizar a Web3, porém precisamos deixar claro a diferenciação da romantização das aplicações atuais existentes dos conceitos ideais que essa visão de futuro traz.
Nem tudo que existe hoje na Web3 faz sentido, na verdade a maioria das coisas ainda não faz. Existe muita especulação e FOMO em projetos insustentáveis.
Nem tudo que existe nesse mercado é a solução para os problemas da humanidade. Muitas coisas surgem como brincadeiras, feitas de qualquer jeito, e acabam tomando uma dimensão inesperada, que muitas das vezes não fazem o menor sentido.
Não é errado romantizar a Web3, desde que essa visão mais romântica seja direcionada à perspectiva futura da tecnologia. Muitas coisas que existem ou que surgirão nos próximos anos não farão muito sentido no longo prazo. É realmente um grande experimento prático, de tentativa e erro.
Por isso, é importante que a Web3 se mantenha nessa linha moral e busque causar mudanças práticas na vida das pessoas, agregando valor além do aspecto econômico. É preciso que os idealizadores dessa tecnologia estejam cientes de que ainda não sabemos como a Web3 será no futuro e que, por isso, é necessário ter cautela e prudência na adoção de seus conceitos e aplicações.
A Web3 pode dar errado?
A chance da Web3 não dar certo é a mesma chance que a prensa impressa teve de não ter dado certo da idade média, na visão de Rafael Castaneda. Naquela época, essa disrupção tecnológica ampliou o acesso à informação e contribuiu para a separação do estado e da igreja, que antes mantinha o controle do que as pessoas sabiam ou deixavam de saber.
Como isso envolve perda de poder por agentes com alta concentração do mesmo, sempre é um caminho tortuoso, mas no final das contas, inevitável. O cerne de tudo isso é a tecnologia empoderar o indivíduo, transferindo o poder dessas grandes instituições para as próprias pessoas.
Assim como na época da invenção da prensa imprensa, em que a igreja controlava a polícia, a educação, os bancos e basicamente todas as outras estruturas que influenciavam a vida das pessoas e acabou perdendo parte de sua influência, pode haver um meio termo para a estrutura atual de poder (governos, bancos e big techs) ceder parte dele para continuar existindo sem maiores problemas com a maioria comum.
O fato da Web3 dar certo ou não é muito subjetivo. Quem conheceu o bitcoin em 2009 e defendia uma visão completamente anarquista, privada, sem nenhuma regulação, pode achar que a Web3 já falhou. Mas apesar disso, foi por causa de iniciativas dessas pessoas mais extremistas que estamos aqui agora, conseguimos ir ajustando e chegando a um meio termo que seja interessante e viável para a maioria das pessoas. As implementações e tentativas de melhorias não precisam ser sempre perfeitas, se elas forem um avanço, um meio termo, já são válidas.
Enquanto alguns acreditam que é a conscientização em massa, em falar tanto que todas as pessoas serão conscientizadas e entender sua mensagem, isso não é muito viável.
O melhor exemplo disso é o processo de mineração do bitcoin. Os mineradores não fazem o trabalho de mineração de forma impecável por serem bonzinhos e por terem vontade de contribuir com o bem comum, eles não foram conscientizados para isso. Eles se comportam e não sabotam a rede porque, economicamente falando, isso não faz sentido.
Sobre o autor
João Kamradt é diretor de Pesquisa e Investimentos da Viden.vc e especialista em Web3, GameFi, Metaverso, NFTs e DAOs. Ele é doutor em Ciência Política e mestre em Sociologia, ambos pela UFSC. Graduado em Jornalismo, João tem experiência como professor universitário, pesquisador, além de ser autor de dois livros.
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