Como ativistas de 3 países diferentes usam Bitcoin para resistir a regimes autoritários

Ativistas de China, Venezuela e Bolívia falam sobre o papel do Bitcoin em suas lutas contra os governos autoritários
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Painel sobre Bitcoin e repressão na SatsConf 2024 (Imagem: Rodrigo Tolotti)

Muito se fala sobre o Bitcoin como um investimento, um ativo que tende a seguir se valorizando e atingindo grandes valores nos próximos anos, mas em sua essência, o BTC surgiu para desafiar o sistema financeiro tradicional. E em tempos de crise ou sob governos autoritários, ele se torna uma alternativa crucial para que as pessoas preservem sua liberdade e poder de compra.

Durante a Satsconf 2024, realizada em São Paulo, um painel reuniu representantes de três nações diferentes para discutir como o Bitcoin é essencial para que eles possam sobreviver – e resistir – em países com governos autoritários e políticas que restringem a liberdade da população.

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China, Venezuela e Bolívia apresentam economias e contextos distintos, mas, de algum modo, em todos esses casos, os cidadãos enfrentam limitações de acesso ao que desejam, especialmente quando se trata de questões econômicas e financeiras.

Confira abaixo como o Bitcoin se destaca em cada um desses países:

China

Autor de diversos livros sobre Bitcoin, o chinês Roger Huang começou sua fala no evento dizendo que “a situação na China é realmente complicada” porque existe uma série de regulações ligadas a proibição da mineração de Bitcoin ou qualquer outra criptomoeda, mas também da compra de ativos digitais em exchanges.

“A China tem sido o país mais avançado em tentar tirar o Bitcoin das mãos dos seus cidadãos e o mais avançado em tentar substituir sua moeda por uma versão digital. O estado atual da China é que, mesmo havendo muita repressão, ainda há muito a se aprender nesse espaço”, afirmou.

Huang citou os recentes protestos ocorridos em Hong Kong e como o governo chinês consegue ter um grande controle sobre a vida das pessoas. Segundo ele, os manifestantes estava usando Bitcoin para conseguir se sustentar na luta contra o governo, mas começou a ocorrer congelamento de contas e pessoas sendo presas sem motivo aparente.

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“O que eu sempre digo às pessoas é que a coisa mais significativa que o Partido Comunista Chinês teme é a capacidade delas de abandonarem o sistema, ou a capacidade das pessoas de escolherem o que fazer com seu dinheiro”, afirmou ele.

“A única coisa que o governo chinês mais teme é que os cidadãos chineses encontrem formas de retirar as suas poupanças do sistema. E o Bitcoin, de certa forma, permite isso de uma maneira que não pode ser rastreada e não pode ser censurada”, continuou Huang.

Por fim, ele diz que é muito difícil conseguir estatísticas públicas sobre o uso do Bitcoin na China por conta de todas as restrições, mas que, mesmo num país onde as exchanges estão banidas, há muitas maneiras de contornar isso, seja usando uma VPN para acessar uma plataforma do exterior, seja colocando um endereço geográfico fora da China.

“O que vemos é que a procura por Bitcoin está crescendo porque o governo chinês está tomando muitas más decisões financeiras e econômicas neste momento”, explicou citando o caso da crise imobiliária no país. “O Bitcoin foi construído para ser resiliente contra todos esses diferentes níveis de restrições e ainda está funcionando para captar o interesse e a procura de chineses que continuam a ser uma parte importante da história do Bitcoin.”

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Venezuela

Jorge Jraissati, presidente do EIG, um grupo dedicado a políticas públicas que promovem a inclusão econômica e financeira global, fez duras críticas à situação na Venezuela. Ele iniciou sua fala ressaltando que o país vive sob uma ditadura e que, há poucos meses, as eleições foram fraudadas para garantir uma nova vitória de Nicolás Maduro.

“A razão pela qual comecei a me envolver com a comunidade do Bitcoin é que eu entendi o seu poder, percebi que, se precisamos mobilizar pessoas, organizar pessoas, apoiar pessoas, a melhor maneira de fazer isso é através do Bitcoin”, afirmou.

Segundo ele, o momento atual no país é de um esforço conjunto dos ativistas para construir uma comunidade de pessoas na Venezuela que também entendam como usar o Bitcoin e a rede social Nostr. “Assim, eles podem se organizar, podem se comunicar entre si.”

Jraissati destacou que a recente crise com a eleição venezuelana reforçou o importante papel que a tecnologia tem tanto para os ativistas quanto para o governo, que bloqueou redes sociais como o X (antigo Twitter), além de tornar ilegal a mineração de Bitcoin.

“O governo compreende claramente o poder da rede. E em troca, as pessoas têm utilizado cada vez mais o Bitcoin”, disse ele.

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Por fim, o executivo destacou a dificuldade que as ONGs têm para atuar na região e não só por conta da repressão do governo, mas também porque outros países não ajudam, em um claro problema do sistema financeiro global. E por conta disso, muitas dessas ONGs utilizam Bitcoin para conseguirem arrecadar fundos, ainda que elas não tornem isso público.

“E é por isso que penso que todos nós estamos aqui, porque acreditamos que também precisamos espalhar a mensagem internacionalmente, para que todos compreendam que o principal propósito do Bitcoin, ou o principal valor do Bitcoin, é que ele empodera comunidades nos lugares onde mais precisamos”, disse Jraissati.

“A maioria das pessoas no mundo está nessa situação.  Elas não conseguem ter uma conta bancária, ou mesmo quem tem não consegue usá-la. Essa é uma realidade que precisamos enfrentar, porque se as pessoas não têm sequer um lugar onde ter poupança, ou para proteger o seu trabalho, então que tipo de economia de mercado podemos construir?”, concluiu.

Bolívia

Em uma situação mais parecida com a da Venezuela, ainda que não igual, Jhanisse Vaca Daza, Senior Programs Officer na Human Rights Foundation e diretora do Freedom Fellowship, falou sobre a pressão governamental e o papel do Bitcoin na Bolívia.

“Estamos passando por uma crise econômica muito severa. Não há liquidez, as pessoas não podem retirar seu dinheiro dos bancos. Por causa disso, não há combustível suficiente, não há comida suficiente, não há frango suficiente, não há carne suficiente no mercado”, explicou ela.

Segundo Daza, muitos não acreditam que a Bolívia tem um governo autoritário, mas ela ressalta que é o caso, já que o país não possui instituições e mecanismos democráticos que permitam que as pessoas implementem as mudanças necessárias no país. Ou seja, o status quo pró-governo é sempre mantido.

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Ela lembra que o Bitcoin era ilegal na Bolívia desde 2013 e que só recentemente voltou a ser permitido.

“Isso significa que a comunidade do Bitcoin, que já existia de forma clandestina, está se tornando mais forte.  Mas eu digo, como uma crítica construtiva à nossa comunidade inteira, que precisamos fazer muito mais em termos de educação, em termos de acesso à internet e em termos de línguas indígenas, para que o Bitcoin possa alcançar plenamente o seu potencial num país como o meu”, avaliou.

Daza concluiu dizendo que não possui conta bancária e que o governo congela as contas de muitos ativistas, além do fato de que as pessoas têm um limite do que podem ter em suas contas. Isso atrapalha trabalhos importantes, como de ONGs e organizações humanitárias, que não conseguem levantar fundos e nem receber apoio, já que as pessoas não têm dinheiro para doar.

“O que estamos fazendo é obter financiamento de doadores internacionais através do GoFundMe, e então, às vezes, usamos esse financiamento através do Bitcoin para trocar por tudo o que é necessário para comprar o que precisamos”, contou ela.

“Isto é algo que realmente quero destacar no trabalho que estamos realizando, pois muitas pessoas pensam em países autoritários apenas em termos políticos, mas o trabalho humanitário aqui também não é viável. Apenas trazer comida, água e itens básicos para as pessoas é um desafio se não se tem os meios para comprar as coisas que você precisa entregar. E assim, o Bitcoin pode desempenhar um papel enorme no trabalho humanitário nesses países”, concluiu.

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