A Binance pode ter enviado a clientes cerca de meio bilhão de Dogecoins no bug que ocorreu na plataforma no início de novembro e que manteve os saques da moeda meme bloqueados por 17 dias. Dados compilados pelo perfil do Twitter @ImNotTheWolf mostraram a extensão do dano.
Os números são uma compilação de transações e indicam que a exchange enviou por engano 554 milhões de doges para clientes que haviam operado com o token no passado por meio de 3.376 transações — a corretora diz que foram 1.634.
No dia em que as transações foram realizadas, a cotação da moeda meme estava em torno de US$ 0,28, o que representa um prejuízo total de US$ 152 milhões (R$ 858 milhões) para a Binance — sem levar em consideração os valores devolvidos pelos usuários.
Quando os saques originais foram feitos no passado, meio bilhão de dogecoins representavam cerca de US$ 2 milhões. Com a valorização da criptomoeda nos últimos meses, o valor que a exchange passou a exigir que os clientes devolvessem ficou muito maior do que o original, equivalente a US$ 152 milhões. Com o objetivo de fazer os clientes devolverem os tokes, a corretora bloqueou as contas de pelo menos 1.674 usuários.
O Portal do Bitcoin entrou em contato com a Binance, porém a exchange optou por não confirmar os valores. No entanto, foi possível identificar na planilha organizada pelo usuário anônimo as transações dos brasileiros que foram vítimas do problema e entrevistados pela reportagem no passado, o que confere credibilidade aos dados.
Cálculo de perdas da Binance
A reportagem conseguiu entrar em contato com o usuário que criou a planilha para entender como ele foi capaz de rastrear os saques duplicados na Binance.
Ele explicou que o primeiro passo foi fazer uma varredura de todos os blocos de Dogecoin entre 3.000.000 a 3.972.500, organizando os endereços e as quantidades de moedas recebidas.
Em seguida, foi preciso fazer uma varredura nos 7.500 blocos seguintes para buscar padrões para identificar quais transações eram um saque duplicado. Entre os filtros aplicados estava a necessidade da transação ter dois ou mais outputs (saídas), sendo um deles menor de 1 DOGE, “o que tornava uma transação inválida antes da atualização, que é parte de como Binance errou”, explicou o usuário.
Outros padrões procurados por ele era que a saída não fosse inferior a 20 Doge — o saque mínimo na Binance — e que a taxa paga na transação fosse um número inteiro, como 1 ou 2 Doge. Além disso, nenhum dos endereços de saída deveriam ser endereços de entrada — uma suposição de como a hot wallet da Binance funciona.
Por fim, as transações filtradas por esses padrões deveriam corresponder exatamente a uma saída e valor de uma transação mais antiga, rastreados na primeira varredura.
“Revisei manualmente os resultados e removi o que parecia ser os endereços de carteira do próprio Binance. Não posso garantir precisão, foi apenas uma tentativa de fazer uma estimativa decente para fins de discussão”, explicou o pesquisador anônimo.
Assim como os brasileiros ouvidos pela reportagem, ele também recebeu vários milhões de Doge e sua transação apareceu na planilha final. “Conheço várias outras pessoas que receberam Doge e suas transações também estavam lá. Mas definitivamente não é 100% preciso”, disse.
CZ vs Elon Musk
A Binance divulgou mais informações sobre o caso após Elon Musk pressionar publicamente no Twitter o CZ, fundador da corretora, a ser mais transparente com relação ao problema e proteger os detentores de Doge por erros que não partem deles.
Em resposta ao Musk, CZ disse que o problema foi provocado pela nova atualização da criptomoeda e fechou a mensagem provocando o empresário com uma notícia sobre falhas de software identificadas na Tesla no passado.
Os saques só voltariam ao normal no dia 29 de novembro.
Contas desbloqueadas
Quando o Portal do Bitcoin noticiou a falha na Binance pela primeira vez, dois p2p brasileiros tiveram suas contas bloqueadas e seus ativos presos após a exchange duplicar seus saques antigos.
De Bruno Sigiani, a corretora cobrava R$ 66 mil em Dogecoin para devolver o acesso à conta, enquanto de Cassiano Ribeiro a cobrança ficava em torno de R$ 16 mil.
Ribeiro conseguiu recuperar a sua conta após convencer um cliente que havia atendido no passado e cujo endereço recebeu as novas criptomoedas, a devolver de forma integral os ativos.
Ele descobriu em seguida que ele mesmo havia recebido em um endereço em sua posse um saque duplicado, mas que também devolveu a quantia para o trader original para que ele também conseguisse recuperar a conta.
“Da mesma forma que o rapaz devolveu, eu também devolvi. Sem chance de ficar com o dinheiro que não é meu. Eu entendo que foi um erro técnico da rede da Dogecoin e não da Binance em si, mas querendo ou não esse valor não é meu, é deles”, declarou.
“Eu acho totalmente errado que eles cobrem de pessoas que não tem qualquer relação com o problema. No caso de quem é P2P, se o cliente não quiser devolver não tem o que fazer”, explicou Ribeiro dizendo que processaria a exchange se não conseguisse recuperar suas criptomoedas presas.
Ribeiro conseguiu recuperar sua conta no dia seguinte ao bloqueio, mas o Bruno Sigiani não teve a mesma sorte: “As dogecoins foram para carteiras de 4 clientes que eu tinha atendido em 2020. O problema foi que 3 dessas carteiras eram da Luckygames e 999dice [sites de apostas] e ambas fecharam. A quarta carteira era de uma outra cliente que já não tinha mais acesso a sua chave privada”.
O p2p ficou quase duas semanas tentando recuperar as moedas, mas sem sucesso. Para ter acesso a conta, a exchange pediu que ele comprovasse que não poderia devolver as moedas, como prints de conversas com os donos das carteiras. Ele seguiu a orientação e conseguiu novamente entrar na sua conta da Binance na segunda-feira (22). “Deu trabalho para o suporte entender, mas no final deu certo”, concluiu.