A Binance caminha para completar o quarto dia sem acesso a um parceiro bancário no Brasil que permita aos clientes sacarem ou depositarem em reais na corretora. O rompimento do serviço, até então prestado pelo Capitual, pareceu algo súbito, mas é o acúmulo de um problema que vinha se desenrolando.
A origem do problema está em como as instituições de pagamento são reguladas pelo Banco Central (Bacen). O Capitual, embora gire um grande volume financeiro, não é uma Instituição de Pagamento (IP) homologada. Por isso, a empresa usava os serviços da Acesso Bank, que é uma empresa de pagamentos regulada pelo Bacen.
O Capitual lucrava com os saques dos clientes da Binance e a Acesso, com as taxas de PIX e TEDs e mais as operações com dinheiro que ‘dormia’ na empresa, como é comum nesse segmento.
O problema é o que o Capitual chamou, em nota à imprensa, de uma atualização solicitada pelo Bacen ao Acesso que pedia “contas individualizadas” para a empresa. A suposta notificação do regulador, porém, não foi tornada pública.
Essa distinção de contas individualizadas é importante: antes, a Binance tinha junto ao Capitual e à Acesso diversas ‘contas-mãe’, onde operavam milhares de CPFs — mas os CPFs de cada cliente não estavam registrados na Instituição de Pagamento regulada. Segundo um funcionário ligado ao Banco Central que pediu para não ter o nome revelado, o procedimento é irregular.
Na prática, caso a Binance adotasse a nova regra, todos os seus milhões de clientes no Brasil precisariam criar uma conta na Acesso e fazer um novo KYC. As corretoras Huobi e Kucoin se adaptaram à nova regra, mas a corretora de Changpeng “CZ” Zhao disse que iria procurar outro parceiro para operar os saques e depósitos em BRL. O nome ainda não foi revelado.
Procuradas, a Binance e a Acesso não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
Em nota, o Banco Central disse o seguinte:
“A Acesso Soluções de Pagamentos IP é empresa regulada pelo BC, que não comenta a situação específica de qualquer regulado. Não obstante, pode-se afirmar que não houve qualquer ação ou demanda de supervisão à Acesso que destoe daquelas efetuadas para as demais reguladas do mesmo tipo”.
Questionado se o Bacen estaria “puxando a orelha da Acesso”, o mesmo funcionário do órgão comentou:
“O Banco Central não puxa a orelha. Ele desce o cacete”.
Saques e depósitos na Binance
Esse tipo de problema não é incomum no caso da Binance. No ano passado, houve situações semelhantes em países europeus. Em julho, por exemplo, a Clear Junction, plataforma global de pagamentos digitais com sede em Londres, travou o processamento de pagamentos para a corretora. Dias antes o Santander havia tomado a mesma atitude.
A pressão regulatória foi tamanha que, no mesmo período, Tailândia, Singapura e Ilhas Cayman emitiram alertas contra a empresa.
Em junho do mesmo ano, o governo japonês disse que a corretora operava no país sem registro formal. No mesmo mês, a exchange também teve problemas em Ontário, a maior província do Canadá.