O Banco Central (Bacen) anunciou em fevereiro o lançamento do Sistema de Pagamentos Instantâneos – PIX (SPI), que permitirá a transferência de recursos em tempo real entre pessoas e/ou empresas a partir de novembro.
Neste artigo, analisamos os principais conceitos da nova modalidade de serviço, que promete transformar a dinâmica do sistema financeiro no país.
Evolução do sistema
O envio ou recebimento de recursos e o pagamento de produtos e serviços são essenciais ao bom funcionamento e desenvolvimento econômico de um país. Essas atividades do sistema financeiro estão relacionadas diretamente com o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), Bacen e Comissão de Valores Mobiliários.
O SPB é um conjunto de regras, procedimentos e instituições que engloba as entidades e os sistemas relacionados com o processamento e a liquidação de operações de transferência de fundos, de operações com moeda estrangeira ou com ativos financeiros e valores mobiliários (fazem parte do SPB as entidades operadoras de Infraestruturas do Mercado Financeiro – IMF e os arranjos e as instituições de pagamento).[1]
O SPB que conhecemos hoje passou por diversas atualizações normativas e tecnológicas para atender às necessidades do mercado e moldar-se à dinamicidade e rapidez da economia. Em 2002, com o objetivo de reduzir significativamente riscos e manter o sistema financeiro nacional entre os mais modernos do mundo, o Bacen desenvolveu o “novo SPB”. Na época, entre outras novidades, foi introduzida a Transferência Eletrônica Disponível (TED) como opção de envio de recursos de um banco para outro.[2]
Anos depois, em 2013, foi estabelecido o arcabouço regulatório aplicável aos arranjos de pagamento e às instituições de pagamento, mediante a edição da Lei nº 12.865/13, que positivou os princípios e os conceitos aplicáveis aos arranjos de pagamento, instituidores de arranjo de pagamento, instituições de pagamento e contas de pagamento.
Agora, com o SPI, o Bacen visa não só atender aos objetivos mencionados acima como também fomentar a inclusão financeira e a competitividade no sistema financeiro nacional e incentivar a eletronização de pagamentos de varejo (uma das ações do pilar SFN mais eficiente da Agenda BC#).
Características do SPI
Os pagamentos instantâneos são transferências eletrônicas de fundos nas quais a transmissão da ordem de pagamento e a disponibilidade de fundos para o usuário recebedor ocorrem em tempo real.[3] O serviço estará disponível 24 horas por dia, sete dias por semana e em todos os dias no ano.[4]
O SPI será operado por meio de uma infraestrutura desenvolvida e oferecida pelo próprio Bacen, a plataforma PIX, que englobará todas as instituições interessadas na prestação desse serviço (instituições de pagamento e bancos, entre outros) e estará disponível aos usuários a partir de novembro de 2020.
Considerando essas características, o Bacen emitiu a Circular nº 3.985/20, que dispõe sobre as modalidades e os critérios de participação no arranjo de pagamentos instantâneos e no SPI, bem como sobre os critérios de acesso direto ao Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT), detalhados mais abaixo.
Principais conceitos
Além do conceito de pagamento instantâneo abordado acima, a Circular nº 3.985/20 estabeleceu uma série de conceitos-base com relação ao regramento do SPI. Entre eles, destacam-se:
- Arranjo de pagamentos instantâneos: é o novo arranjo instituído para disciplinar a prestação de serviços de pagamento relacionados a transações de pagamentos instantâneos;
- Conta pagamentos instantâneos – conta PI: é a conta a ser mantida no Bacen pelos participantes (bancos e instituições de pagamento) para fins de liquidação no âmbito do SPI;
- Conta transacional: é a conta mantida por um usuário final (cliente) em um prestador de serviços de pagamento (como um banco ou uma instituição de pagamento) e utilizada para fazer ou receber um pagamento instantâneo. Pode ser uma conta de depósito à vista, uma conta de depósito de poupança ou uma conta de pagamento pré-paga; e
- Sistema de Pagamentos Instantâneos – SPI: é a infraestrutura centralizada de liquidação de pagamentos instantâneos onde ocorrerão as movimentações entre participantes titulares de conta PI.
Modalidades de participação – arranjo de pagamentos instantâneos
Segundo o disposto na Circular nº 3.985/20, o arranjo de pagamentos instantâneos admite duas modalidades de participação:
- prestador de serviço de pagamento que mantém conta transacional: banco ou instituição de pagamento que oferta uma conta transacional para o usuário final, inclusive as instituições de pagamento não sujeitas à autorização de funcionamento pelo Bacen; e
- ente governamental: órgão da administração direta que participa do arranjo de pagamentos instantâneos exclusivamente para efetuar ou receber pagamentos próprios.
Obrigatoriedade de participação – arranjo de pagamentos instantâneos
A participação no arranjo de pagamentos instantâneos é obrigatória para instituições financeiras e instituições de pagamento autorizadas a funcionar pelo Bacen com mais de 500 mil contas de clientes ativas – consideradas as contas de depósito à vista, de depósito de poupança e de pagamento pré-pagas.
Conforme a exposição de motivos da Circular nº 3.985/20, a participação obrigatória de instituições de maior porte e que tenham foco e atuação no varejo (ofertando contas transacionais a seus clientes) foi proposital. Dessa forma, mitiga-se o risco de não adesão de instituições relevantes para esse mercado e o de criação de vários arranjos de pagamento fechados,[5] o que representaria ineficiências e custos desnecessários, contrariando o real propósito da atuação do Bacen.
Com a adoção desse critério, o Bacen conseguiu incorporar obrigatoriamente ao novo sistema um conjunto de instituições que agrega mais de 90% do total de contas ativas nas modalidades já mencionadas.
Modalidades de participação – SPI
O SPI admite as seguintes modalidades de participação:
- direta: caracteriza-se pela conexão direta da instituição participante ao SPI e pela titularidade de conta PI; e
- indireta:[6] a instituição participante não tem conexão direta ao SPI nem uma conta PI, e sua participação ocorre por intermédio de um participante direto do SPI, responsável por registrar o participante indireto no sistema e por atuar como liquidante no SPI para pagamentos instantâneos a ele relacionados.
As modalidades foram estabelecidas em harmonia com o item 5 do Comunicado nº 32.927, de 21 de dezembro de 2018, que divulgou os requisitos fundamentais para o ecossistema do SPI. Segundo esse item, o ecossistema deve ter uma estrutura flexível e aberta de participação, a fim de fomentar o mercado e o surgimento de novos serviços. Por essa razão, o Bacen permitiu a participação tanto na forma direta quanto na forma indireta.[7]
Obrigatoriedade de participação – SPI
A participação no SPI é obrigatória para os participantes do arranjo de pagamentos instantâneos, para fins da liquidação de que trata a Circular nº 3.985/20,[8] e opcional para as câmaras e os prestadores de serviços de compensação e de liquidação, exclusivamente para fins de liquidação de operações privadas de fornecimento de liquidez realizada entre os participantes do SPI no âmbito da infraestrutura.
Resta agora aguardar a implementação e os desdobramentos do novo sistema, bem como os benefícios e os impactos regulatórios de sua utilização. Mais uma vez, o Bacen demonstra proatividade, incentivo à inovação e interesse no crescimento e desenvolvimento do mercado. Ganham as instituições, com a estruturação de um mercado competitivo e rentável, e os usuários, com a possibilidade de usar um sistema mais ágil, simples e menos custoso.
Para mais informação sobre o SPI, acesse: www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/pagamentosinstantaneos.
*Texto publicado originalmente pelo site Inteligêngia Jurídica, da Machado Meyer Advogados
Sobre os autores
Pedro Augusto Oliveira Campos Cunha e Thais de Gobbi são advogados especializados nas áreas bancária, de seguros e serviços financeiros da Machado Meyer Advogados
[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/spb
[2] A função foi lançada como opção à transferência na modalidade DOC – Documento de Crédito.
[3] Quando uma transferência é realizada, os recursos transferidos são depositados na conta do usuário recebedor em tempo real (no máximo em 10 segundos contados do ato da transferência).
[4] Inciso VI do Artigo 2º da Circular nº 3.985/20.
[5] Nos termos da Circular Bacen nº3.682/13, considera-se arranjo de pagamento fechado aquele em que a gestão de moeda eletrônica ou, cumulativamente, a gestão de conta, a emissão e o credenciamento de instrumento de pagamento são realizados: (a) por apenas uma instituição de pagamento ou instituição financeira, cuja pessoa jurídica é a mesma do instituidor do arranjo; (b) por instituição de pagamento ou instituição financeira controladora do instituidor do arranjo ou por este controlada; ou c) por instituição de pagamento ou por instituição financeira que possuir o mesmo controlador do instituidor do arranjo.
[6] É vedada: (i) a participação na modalidade indireta aos bancos comerciais, aos bancos múltiplos com carteira comercial, às caixas econômicas e às câmaras e prestadores de serviços de compensação e de liquidação; e (ii) a participação na modalidade direta às instituições de pagamento que não possuem autorização para funcionamento concedida pelo Bacen.
[7] Voto 32/2020–BCB, de 12 de fevereiro de 2020 – Exposição de Motivos da Circular nº 3.985/20.
[8] Segundo a Circular nº 3.895/20, as transações de pagamentos instantâneos envolvendo diferentes instituições participantes do arranjo devem ser liquidadas por meio do SPI sempre que envolverem transferência entre contas PI de diferentes participantes diretos do SPI. Ainda, caso diferentes participantes do arranjo utilizem o serviço de liquidação de um mesmo participante direto do SPI, a liquidação das transações de pagamentos instantâneos entre esses diferentes participantes deverá ser realizada nos sistemas do próprio participante direto, sem a utilização do SPI.