Argentina, Grécia e Brasil: o que aconteceu com países que deram calote na dívida pública?
Foto: Shutterstock

Um país declara moratória quando não consegue pagar suas dívidas. Formalizando menos, podemos afirmar que um país dá “calote” em sua dívida, seja ela externa ou interna. Mas quais as consequências de não pagar a dívida? Afinal, para quê o país emite dívidas e paga juros por isso? O que é dívida externa e interna?

Este assunto está em alta desde que o Covid-19 virou pandemia e trouxe grandes consequências negativas para a economia mundial. Muitos países terão aumento de endividamento e se essa dívida aumentar muito, alguns países poderão declarar moratória, o que é pouco usual no cotidiano, mas que volta e meia acontece.

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Antes de analisarmos a consequência de se dar calote na dívida, precisamos entender a estrutura deste endividamento, o motivo dele existir e por quê o endividamento está subindo tão rápido em muitos países.

A dívida pública

São muitas perguntas que serão respondidas nesse texto. Mas o que precisamos de pronto saber é que o governo pode pegar dinheiro emprestado para financiar programas sociais ou cobrir défices nas contas públicas (quando ele gasta mais que arrecada).

Portanto, o governo pode emitir títulos de dívida que são comprados por investidores, que por sua vez recebem juros pagos pelo governo, geralmente na taxa básica de juros (Selic). A lógica do juros é simples: você emprestaria seu dinheiro se não fosse ganhar nada em troca? Por isso, estes juros servem para atrair investidores que querem rentabilizar.

Os juros também refletem o risco de um país. Quando excessivamente alto, ele pode estar refletindo que o risco de calote é mais elevado e, por isso, uma recompensa maior se torna necessária para compensar este alto risco.

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Operação de Carry Trade, pegar dinheiro emprestado em um país e emprestar para outro com juros mais alto.

Dívida externa vs Dívida Interna

O governo faz essas captações principalmente através de títulos públicos como Tesouro Direto, que constitui dívida interna, aquela que é expressada na moeda corrente do país. A vantagem deste endividamento é que o governo fica livre do risco cambial, isto é, a variação da taxa de câmbio não aumenta ou diminui a dívida.

Por outro, fica exposto ao risco de juros. Se o risco do país estiver muito elevado, o governo deverá ter um maior gasto pagando juros de dívida. Esta é uma desvantagem de se emitir dívida interna.

Contudo, nem toda dívida é interna. Os governos podem pedir empréstimos pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) pagando juros menores, mas com o montante do endividamento indexado à variação do dólar. A vantagem é a possibilidade de pagar uma taxa de juros fixa e menor do que se for feito pelo endividamento interno.

O FMI é uma entidade que visa regular o sistema financeiro mundial e que atua diretamente no seu funcionamento. Essa organização foi criada pela ONU após o fim da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de auxiliar na estabilidade econômica dos países.

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No entanto, emitir dívida externa tem a grande desvantagem de ficar exposto ao câmbio. Se um país tem sua dívida indexada em dólares e, por algum motivo, a cotação da moeda norte-americana explode, a dívida também sofreria uma variação positiva.

O que acontece quando um país dá calote na dívida pública?

Um país declara moratória quando gasta mais do que arrecada em impostos. E, por isso, precisa ficar recorrendo ao endividamento para poder fechar suas contas. Este risco de calote é medido por diversas agências de rating, que contabilizam e criam um ranqueamento de títulos de maior para menor risco.

As classificações de risco (rating) da S&P, vão de AAA (melhor) até D (pior), além de classificação positiva, negativas e neutras para cada qualificação

Risco por país, primeiro trimestre 2020 (Fonte: Marsh)

Se o governo começa a se descontrolar e obter déficits cada vez maiores, a situação fiscal do país começa a desandar e o risco de calote aumenta. Muitas vezes, para compensar, muitos governos aumentam os juros para obter mais investimentos (aumenta o risco de gastar mais com juros) ou simplesmente imprime mais dinheiro (aumenta risco de inflação).

No entanto, quando ele perde margem de manobra, muitas vezes a saída pode ser anunciar um calote na dívida, o que geralmente não cai nada bem no mercado financeiro.

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As consequências de se declarar moratória podem ser gravíssimas para um país no campo econômico. Para começar, há uma grande perda de credibilidade deste país. E hoje, principalmente na era em que o poder de compra da moeda de um país depende da confiança, a perda de credibilidade gera consequências avassaladoras como:

  1. Aumento desenfreado da inflação;
  2. Perda do poder de compra da moeda;
  3. Desvalorização do câmbio;
  4. Exclusão de tratados de comércio internacional;
  5. Dificuldade do país para obter crédito;
  6. Na maioria dos casos, perda do padrão de vida da população.

Quais países já deram calote?

Recentemente, não faltam exemplos de países que já declararam moratória: Brasil (1987), Argentina (2001), Rússia (1998), Equador (2008) e Grécia (2015). Todos estes países viram suas economias sofrerem consequências gravíssimas posteriormente.

Brasil

Até mesmo o Brasil já deu calote na dívida pública externa (FMI). Em fevereiro de 1987, o presidente José Sarney pronunciou-se na rádio e na TV e anunciou que iria suspender, de forma unilateral e por um período indeterminado, o pagamento dos juros da dívida externa brasileira, não falando em nenhum momento a palavra “moratória”.

Como consequência, houve uma grande fuga de reservas cambiais da economia. E o Brasil, que já convivia com a hiperinflação desde o começo dos anos 80, precisou congelar preços e câmbio. A economia brasileira conviveu com a inflação galopante, juros elevados e câmbio desvalorizado até a criação do Plano Real (em 1994), que praticamente “dolarizou” a moeda brasileira.

Grécia

Foi o primeiro país desenvolvido a declarar moratória ao FMI. Primeiro não cumpriu pagamento de €1,5 bilhão e pouco tempo depois de €456 milhões. A Grécia viveu uma situação dramática entre 2014 e 2015: desemprego em alta, crise econômica e muitas pessoas proibidas de resgatarem seu dinheiro dos bancos.

Dívida-PIB da Grécia em %

Fonte: TradingView

Equador

O Equador resolveu fazer uma “auditoria” em sua dívida pública e decidiu não pagar mais 40% do seu montante devido por considerar essa parte da dívida como “ilegal, imoral e corrupta”. O valor correspondia a 19% do seu PIB, equivalente a US$ 9,9 milhões de dólares. O país viu seu Rating Internacional cair de B- para CCC-.

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Como a dívida ainda estava sob controle, a situação econômica do Equador não apresentou piora significativa após declaração de moratória. Hoje o país deve 49,4% do PIB. Na época do calote devia 16,4%.

Rússia

A crise na Rússia desencadeou uma crise sistêmica nos países emergentes, incluindo o Brasil. O colapso da União Soviética foi um dos maiores agravantes de uma crise que a Rússia já vivia desde o final dos anos 80. Os russos encaravam altas taxas de desemprego, inflação e endividamento nos anos 90.

No entanto, a situação piorou ainda mais no final nos anos 90. Em 1998, a Rússia declarou uma moratória de 90 dias, desvalorização cambial e da dívida nacional. No dia 17 de agosto, o rublo, moeda russa, colapsou com a moratória. No mesmo ano o PIB russo encolheu 4,9% e a inflação daquele ano atingiu 84%.

Argentina

Estava em recessão há três anos, não conseguiu controlar a dívida, interrompeu o pagamento e declarou a maior moratória da história, no valor de US$ 100 bilhões e depois pagou apenas 30% do montante devido.

Desde então, a Argentina nunca mais conseguiu se recuperar e vem passando anos após anos entre crises econômicas, polarização entre direita vs esquerda e calotes.

Desde o calote na dívida pública, a população argentina vem sofrendo com alta inflação, desemprego, piora nos indicadores sociais e moeda praticamente colapsada. Hoje o país é apenas uma sombra do que era no começo do Século XX, quando tinha uma economia mais desenvolvida do que muitos países Europeus.

Fundo do poço

Antes de dar calote na dívida pública, o país já vem sofrendo com graves problemas econômicos, sendo o calote a última alternativa. Por isso, a moratória é o último ‘salto no escuro’ que um país dá para tentar encontrar alguma solução. As consequências são gravíssimas e a economia demora para se recuperar, outras nunca se recuperam.

Por isso, o preferível é que um país nunca deixe suas contas públicas chegarem a tal descontrole que leva à moratória. Hoje, com a evolução dos mercados financeiros, a preocupação com o risco é maior e a resposta a ele é ainda mais rápida. Com isso, cresceu a preocupação em relação ao risco de endividamento.

Nos anos 2000, após a estabilização da economia com o Plano Real, o Brasil fez o dever de casa e consertou seu orçamento, arrecadando mais do que gasta. No entanto, a partir de 2010, o orçamento começou a piorar e o risco do país chegou ao pico em 2016.

Hoje, o risco de calote na dívida é maior do que em 2008, mas comparado com o cenário que vivemos em 1987, o de calote se torna bem pequeno. No entanto, se você investe em Tesouro Direto, é bom diversificar em diferentes ativos: ações, ouro, moedas fortes e imóveis. Isso diminui o seu risco de levar um calote e perder grande parte do dinheiro.

*Texto escrito por Lucas Bassotto e publicado originalmente pelo site Investificar.