Usualmente, um contrato inteligente pode ser entendido como a definição de uma regra de negócio a partir de código computacional. Isso significa dizer que questões inerentes a um contrato, no sentido amplo do termo, no caso dos smart contracts passam a ser definidas e validadas de forma parcial ou inteiramente automática.
Um contrato de natureza financeira simples, por exemplo, poderia definir que um dado valor total de 10 mil reais fosse reservado e pago a alguém em 5 parcelas mensais de 2 mil reais cada.
No sistema tradicional, poderíamos falar de um papel contendo a assinatura das duas ou mais partes envolvidas, a fim de sinalizar que estão todas elas de acordo com o que foi escrito acima. Notadamente, o texto deve conter as regras e condições que orientam como, quando, por quem e para quem o dinheiro deveria ser periodicamente enviado.
Em um smart contract, desde as etapas de envio e recebimento do montante inicial até a assinatura das partes deliberando que os pagamentos fossem feitos nos termos definidos tudo seria feito de forma inteiramente digital.
De posse de um par de chaves criptográficas é possível não apenas assinar transações estáticas de Bitcoins que são endereçadas à carteira de destino num dos próximos blocos gerados pela rede, como também definir regras menos óbvias e mais complexas para a movimentação de determinados fundos.
De modo semelhante ao que qualquer aplicativo de carteira de criptomoedas faz, trata-se de utilizar uma chave secreta (privada) para que se torne possível interagir com trechos de códigos armazenados em uma blockchain.
Logo, diante do consenso descentralizado que se pode obter com a tecnologia, assim como o Bitcoin é uma espécie de “dinheiro sem bancos (centrais ou comerciais)”, o que se pode obter a partir de smart contracts são acordos sem a necessidade de um juiz, câmara de arbitragem ou qualquer outra intermediário para que regras sejam efetivamente cumpridas.
Todo esse revolucionário movimento começou com a emergência do Bitcoin em 2009. Através dele, é possível fazer transações diretas de valores e até mesmo criar nativamente algumas formas mais simples de contratos inteligentes.
Um exemplo disso são as carteiras multiassinatura, que permitem, dentre outras coisas, substituir o que no sistema financeiro tradicional seriam contas conjuntas, nas quais o dinheiro só pode ser movimentado mediante autorização de um número m de um total n de pessoas (como 3 dentre 5 diretores de uma empresa, por exemplo).
Entretanto, se a blockchain permite o estabelecimento de consenso não apenas em protocolos financeiros descentralizados como o Bitcoin, sendo viável sua utilização em um sem número de outros casos de uso não-financeiros, assim também o é para os contratos inteligentes.
Plataformas como a Ethereum (sendo que na verdade hoje já há um par de outras) são focadas exatamente nisso: dispor de uma rede descentralizada que tome a imutabilidade e a segurança da tecnologia blockchain para fins generalizados, permitindo a qualquer um construir uma aplicação distribuída.
Até o momento, dentre essas aplicações lançadas ao longo dos últimos 3 anos, observa-se uma evolução em complexidade no que vem sendo criado e vislumbrado. O que antes se limitava a alguns contratos inteligentes com os quais se pode interagir para comprar tokens de um dado projeto, vem se tornando um número maior de contratos inteligentes, os quais em certos casos podem até mesmo conversar entre si.
É justamente essa noção evolutiva em que sistemas baseados em transações numa blockchain vão se tornando maiores e mais complexos o que nos permite chegar ao conceito de DAO: decentralized autonomous organization, ou organização autônoma descentralizada, em português.
De meras transações passamos a transações com um maior grau de programabilidade. Da programabilidade em transações passamos à programabilidade de regras gerais na forma de contratos inteligentes, pequenos trechos de código que automatizam decisões por parte de quem se submete a eles a partir de assinaturas digitais.
Assim, o ápice dessa evolução consiste na soma de múltiplos contratos inteligentes capazes de conversar entre si, o que constitui precisamente uma organização autônoma descentralizada (DAO). Ou seja, uma empresa capaz de oferecer um serviço de forma inteiramente digital e autônoma, sem a intervenção de seres humanos em etapas cruciais ao provimento do negócio. Basta que se programe a aplicação, implemente-a em uma rede aberta como a Ethereum e, dali em diante, tudo será feito conforme o planejado, sem necessidade de mediação ou coisa parecida.
Infelizmente, o mais conhecido projeto de organização desse formato já criado é também o mais infame. Trata-se do TheDAO, lançado na rede Ethereum em meados de 2016 para ser um fundo de investimentos em projetos promissores controlado de forma inteiramente autônoma, sem uma sede, uma diretoria ou coisa parecida.
Pouco tempo depois de captar mais de 150 milhões na forma de um ICO, os quais alimentariam os investimentos do fundo autônomo, o principal contrato que governava a aplicação perdeu cerca de um terço dos fundos em virtude de um ataque hacker. Em boa medida devido a isso, e da necessidade de se rever as práticas que culminaram no bug explorado, o projeto acabou descontinuado.
Apenas de ter sido o mais visível, o TheDAO não foi o único. Outros projetos de organizações autônomas baseada na Ethereum também falharam em suas ambições iniciais. Alguns buscavam criar sistemas de compartilhamento de viagens, estilo Uber, os quais operariam de forma totalmente independente, sem a necessidade de uma empresa centralizada gerindo a infraestrutura, o sistema de reputação dos motoristas, etc. Entretanto, em diferentes momentos, acabaram esbarrando em limitações das tecnologias disponíveis até então, as quais inviabilizaram por vezes partes imprescindíveis desses projetos.
Com base em todo esse aprendizado acumulado, pode-se dizer que o conceito e a implementação de DAOs estão passando por um momento de renascimento. A própria emergência de bem-sucedida das chamadas exchanges descentralizadas é sinal disso, já que nelas se pode pode trocar tokens e criptomoedas entre si sem a necessidade de uma infraestrutura centralizadas dos sites tradicionais que prestam esse serviço.
A principal vantagem é evitar erros humanos, pontos centrais de ataque e, claro, a capacidade de oferecer taxas mais competitivas. Além disso, com os próprios avanços das blockchains em si, deve ser cada vez mais ampla a possibilidade de se realizar atomic swaps, trocas diretas entre um ativo digital nativo de uma blockchain e outro em outras redes (como trocar Litecoin por Bitcoin de forma direta e automática, por exemplo).
De olho nessas lacunas, buscando preenchê-las, e no potencial renovado que a implementação de DAOs passou a ter novamente, há projetos inteiros sendo lançados exclusivamente com esse foco. O principal deles hoje é o DAOstack, voltado a oferecer um “stack” completo, em termos de tecnologia e de incentivos econômicos/sociais, que torne possível e eficiente a colaboração em massa.
Trocando em miúdos, o projeto está criando um protocolo inteiramente adaptativo, modular e escalável que permitirá a qualquer um criar aplicações descentralizadas de forma muito mais simples. Alguns dos exemplos gerais do que a plataforma permitirá se construir e operacionalizar de forma integralmente descentralizada são mecanismos para curadoria, propriedade, colaboração e votação.
Em breve, publicaremos um artigo inteiro explicando em detalhes o funcionamento e o potencial do DAOstack e de projetos similares, fique de olho!