Rússia usou blockchain na eleição que manteve Putin no poder, mas houve transparência?

A documentação sobre a blockchain que registrou votos para Vladimir Putin e seus adversários está fechada para observadores, levantando questões sobre a transparência do processo
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Vladimir Putin (Foto: Shutterstock)

A Rússia realizou suas eleições presidenciais na semana passada com votos parcialmente computados em blockchain, segundo informações do governo. O pleito, que durou três dias (de 15 a 17 de março), teve como resultado a reeleição do atual presidente, Vladimir Putin, com cerca de 90% dos votos.

Em um vídeo divulgado pelo Kremlin e compartilhado pela Folha de S. Paulo na semana passada, é possível ver o presidente Vladimir Putin votando a partir de um computador. Após votar e acenar para a câmera, é mostrada uma mensagem supostamente gerada ao final do processo:

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“Obrigado. Você votou com sucesso! Todos os votos da votação eletrônica remota são transferidos para o blockchain de forma criptografada, anônima e sem referência a um usuário específico”.

O resultado do pleito foi divulgado na segunda-feira (18) no portal de votação eletrônica da Comissão Eleitoral Central da Rússia (CEC). De acordo com a vice-diretora da entidade, Ilya Massukh, em comentários à imprensa russa, “todos os votos foram entregues no blockchain e nenhum deles foi perdido ou comprometido”.

A blockchain usada pelo governo, no entanto, ainda é um tanto misteriosa, de acordo com especialistas.

A CEC é responsável pela supervisão das 29 entidades constituintes da Federação Russa e pela supervisão das eleições e divulgação de resultados. Mas não há informações concretas acerca da blockchain usada nas eleições da Rússia, de acordo com especialistas sobre o tema.

Sabe-se, porém, que um sistema de votação supostamente com registro em blockchain vem sendo testado no país desde 2020. Naquele ano, os votos dos eleitores nas eleições para parlamento nacional das regiões de Kurskaya e Yaroslavskaya passaram por um protocolo na blockchain da Waves, conforme mostra uma publicação do CoinDesk na época.

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Rússia promove blockchain por sigilo no voto

Um artigo de janeiro deste ano da agência de notícias russa RIA, diz que o sigilo do voto no DEG (ДЭГ) — o sistema usado para votação — é assegurado através de procedimento de anonimato. Os registros da votação são imediatamente criptografados e salvos na forma de transações em blockchain.

Para participar o eleitor acessa o portal de votação e passa por procedimentos de autenticação de identidade. Depois de votar, um código é fornecido para consulta em uma plataforma chamada ‘observer.mos.ru’.

Em uma publicação da agência russa no domingo (17), Massukh falou sobre a segurança na votação: “Assim que o voto é enviado, o sistema fornece ao eleitor um recibo contendo os detalhes da transação, incluindo um número exclusivo”.

E a transparência?

Apesar das declarações positivas de Ilya Massukh sobre o sistema de votação na Rússia, especialistas no assunto apontam falta de transparência sobre o sistema usado pelo governo. Isso levanta a questão de se o sistema foi desenvolvido internamente ou adotado de outra fonte.

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Um dos especialistas que defende tais argumentos é Victor Tolstoguzov, chefe do Departamento de Sistemas de Votação Eletrônica da Universidade Bauman, instituição pública em Moscou. À procura de mais detalhes sobre o tema, o Portal do Bitcoin conversou Tolstoguzov.

“A Rússia usa dois sistemas de votação online. Um foi desenvolvido pelo governo de Moscou e é usado em Moscou, e o outro foi desenvolvido pela Rostelecom e é usado em outras regiões além de Moscou. No entanto, a documentação está fechada para observadores e não sabemos se os sistemas utilizam a tecnologia blockchain”, disse Tolstoguzov na quinta-feira (22).

Outro ponto descrito por ele é que na Rússia a blockchain não é distribuída entre usuários independentes, como nos serviços de criptomoedas. “Todas as informações estão concentradas em servidores internos do governo”, ressalta.

Ela ainda comparou a falta de transparência no sistema de votação do governo da Rússia com o código aberto do Bitcoin, ressaltando que “Satoshi Nakamoto criou uma blockchain e permitiu a todos observá-la”.

Tolstoguzov não está sozinho. Em um comentário ao The Washington Post em 2021 — quando Tolstoguzov também ponderou sobre o tema —, Alexander Isavnin, da Internet Protection Society, disse que os observadores nas reuniões nunca receberam os documentos técnicos sobre o sistema.

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Ele disse também que as transações na blockchain foram fechadas a observadores externos, impossibilitando a verificação dos votos.”Nossas dúvidas não foram respondidas e os documentos estavam incompletos”, disse ele na época.

As votações online na Rússia

De acordo com a RIA, a primeira experiência de uso prático de tecnologias da Internet na Rússia foi realizada em outubro de 2008 com 3.200 pessoas, durante as eleições para deputados na cidade de Novomoskovsk, região de Tula.

O sistema atual — DEG, desenvolvido pela estatal Rostelecom, um dos maiores provedores de serviços de Internet da Rússia —, foi usado pela primeira vez em setembro de 2019 em Moscou, nas eleições para deputados de Duma, o congresso russo.

O pleito atendeu a uma lei daquele ano que previa a realização de um experimento sobre organização e implementação de votação eletrônica remota nas eleições. Participaram desse evento 9.810 pessoas.

O sistema foi usado também em junho e setembro de 2020 nas regiões de Níjni Novgorod, Kursk e Yaroslavl, com a participação de mais de 1,2 milhão de pessoas; no ano seguinte, o dobro: mais de 2,5 milhões de eleitores participaram das votações online novamente nas eleições para a Duma em setembro de 2021, que envolveram sete cidades, incluindo Moscou.

O DEG foi testado também nos anos seguintes no decorrer das eleições previstas no país.

Nas eleições presidenciais de 2024, o DEG foi usado apenas nas regiões da Federação Russa onde já foi testado, com exceção à região de Vologda, que recebeu o sistema pela primeira vez.

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O comparecimento foi de 77,4%, segundo a CEC; os eleitores puderam votar pela Internet, presencial, e pessoas com mobilidade reduzida também puderam garantir seu voto em casa com a urna móvel, acompanhada de delegados de partidos, representantes da seção eleitoral, além de agentes de polícia.