Após trabalhar com criptomoedas em Singapura e Nova York pela Ripple, empresa que emite a XRP, Henrique Teixeira desembarca agora no Brasil para comandar a operação da Ripio em um momento de competição crescente pelo mercado latino-americano.
Em uma entrevista ao Portal do Bitcoin, Teixeira contou como largou uma das maiores empresas de transferências bancárias transfronteiriças e entrou para o mercado cripto há cerca de quatro anos.
O executivo contou suas experiências em Singapura e EUA, e detalhou um pouco das estratégias do Grupo para tornar a Ripio líder do setor na América Latina e uma possível IPO no futuro.
Confira a entrevista completa:
A Ripio levou nove meses para anunciar um novo country manager. Por que levou tanto tempo e por que você decidiu voltar ao Brasil?
É um mercado que não é fácil de encontrar pessoas que já tenham trabalhado com isso por alguns anos e já tenham experiência. O que acaba acontecendo é que pessoas que acabam assumindo as operações ou não têm experiência ou têm pouca experiência no assunto.
Do ponto de vista do grupo Ripio, acredito que tenha demorado um tempo para eles encontrarem um country manager por dois motivos: primeiro que tem uma escassez de profissionais com experiência no mercado; e segundo porque a Ripio estava passando por um processo de fusão com a BitcoinTrade. Esse processo de fusão, expansão dos times e busca por alguém que pudesse ter alguma experiência no mercado brasileiro e internacional, eu acho que demorou mais tempo que o previsto.
Sobre a segunda parte da sua pergunta, eu já vinha buscando eventualmente uma oportunidade para voltar para o mercado da América Latina. Eu via dos EUA que a região era a próxima bola da vez.
A Coinbase também procurando um country manager no Brasil; a Bitso chegou com uma rodada de investimento grande; recentemente a Ripio também se capitalizou; o Mercado Bitcoin também se capitalizou com o investimento do Softbank. Neste cenário, tem espaço pra todo mundo?
Brasil e América Latina são muito incipientes ainda na questão de criptoativos, comparado com outros mercados mais maduros do mundo. Existe sim muita oportunidade ainda para se crescer e grandes empresas se consolidarem e terem uma fatia de market share no mercado.
A gente pega exemplos de outras indústrias relativamente próximas à nossa, dos bancos digitais e players do mercado financeiro, que tiveram muito êxito nos últimos anos, brigando com gigantes que já estavam no mercado há décadas e conseguiram crescer e criar uma base de clientes.
Isso vai acontecer também no mercado de ativos digitais. Obviamente, do outro lado da moeda, players menores eventualmente podem sofrer mais com esse movimento e haver migração de market share para os players maiores com mais recurso e poder econômico para crescer mais rapidamente.
Pode haver sim uma consolidação no mercado brasileiro e na América Latina onde os players menores acabam sendo engolidos pelos maiores ou deixam de operar por não fazer mais sentido continuar brigando com os grandes. Aqueles que têm investimento e estrutura, que têm uma estratégia expansionista, eu acho que vai efetivamente ter bastante sucesso. Isso falando do Brasil. Quando a gente vai para outros países a competição é bem menor. Então existe bastante espaço para se conquistar.
A Ripio, por exemplo, é o maior player na Argentina; a Bitso, do México. Então ainda tem em vários países uma concentração e por isso essa necessidade de expandir fronteiras e investir em outros países da América Latina para se consolidar como uma das principais exchanges.
A marca BitcoinTrade era muito forte, mas tenho a impressão que ela encolheu. O que aconteceu?
Eu estou na empresa há um mês. Então eu não tenho o histórico anterior. Mas o que a gente vem fazendo recentemente é lançamento de produtos, listagem de novas moedas. Existe também um trabalho muito interessante em educação e participação em eventos — no Rio Cripto Day, que aconteceu no último sábado, a BitcoinTrade era a única digital exchange lá presente com estande interagindo com usuários.
Vejo tua perspectiva um pouco diferente da minha. Eu vejo que a gente tem feito muitas ações, de estar mais próximos da nossa comunidade e clientes do que eventualmente outros players. Acho que são momentos também.
Em termos de números, não houve quebra de volume, ao contrário, expandiu. E também o número de usuários a gente já está num patamar bem diferente do ano passado. Estou falando especificamente do Bitcointrade. Se juntar as duas (exchanges) obviamente é maior ainda. Mas especificamente, a marca BitcoinTrade a gente considera hoje um produto do dentro do Grupo Ripio para o trade profissional, como a Ripio Wallet.
A Ripio comprou a BitcoinTrade para fincar o pé no Brasil, mirando uma estratégia de abertura de capital nos Estados Unidos?
Não. O IPO, se vier a acontecer, vai ser um movimento natural, mas não é o objetivo do nosso CEO. Não é algo que a gente mira, que tem que acontecer. A gente quer sim crescer e conquistar uma base de usuários nos próximos anos — entre 8 e 10 milhões — e nos consolidar como o principal player da América Latina para criptoativos, tanto na parte de wallet quanto digital exchange.
Em Singapura, por exemplo, os criptoativos já fazem parte da sociedade. O quão atrasado o Brasil ainda está em relação à Ásia?
O que facilita bastante é quando tem um suporte ou regulação, que não fica numa zona cinzenta. Por exemplo, em Singapura, o Monetary Authority of Singapore (MAS), que é banco central, eles criaram todo um ambiente de sandbox para pilotos, fizeram todo um trabalho prévio de incentivar as fintechs e empresas a inovar em um ambiente sem medo.
No Brasil, vejo o Bacen no programa Lift também, fazendo bastante abertura para empresas poderem apresentar os seus projetos. Eu acho que a gente está indo num caminho muito positivo, porém numa velocidade eventualmente mais lenta que em outras economias, como Singapura, Japão e Suíça. O CBDC é um dos exemplos. O Brasil vem há bastante tempo insistindo nisso e vai muito possivelmente ser um dos primeiros países a anunciar que tem sua própria moeda digital do banco central.
A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) se tornou a pedra no sapato da Ripple. Como a ação da SEC foi recebida pela empresa?
A gente já vinha conversando com a SEC há muitos anos e obviamente foi uma surpresa, quando o órgão veio a questionar se o XRP era uma security (valor mobiliário) e não uma ativo digital, com já havia sido classificado o Bitcoin e o Ethereum. A empresa foi buscando se defender no mercado americano. Vários outros países já têm essa claridade, que confirma que o XRP não é uma security, mas infelizmente nos EUA essa disputa ainda acontece e não teve um desfecho.
A Ripple vai sair vencedora ou vai entrar obviamente em um acordo com a SEC. Dificilmente vai perder. Isso porque todos os elementos, como diálogos, provas de como o XRP é similar ao Ethereum e outros ativos digitais já foram apresentados para a Justiça. Vai ser muito prejudicial à indústria como um todo se eventualmente a SEC vier a confirmar que o XRP é um valor mobiliário.
Voltando ao tema ‘Ásia’. Em 2017, o mercado via a China como ameaça ou agente de bonança?
Sempre olhei a China como uma oportunidade. Obviamente que as questões políticas à parte e interesses do governo agora já ficaram mais claras com o yuan digital e tentando proibir os ativos digitais de certa forma, eu vejo um mercado de muita oportunidade. Essa tentativa de criar obstáculos não vai ter muito sucesso no médio-longo prazo.
Sobre o Projeto de Lei sobre a regulação das criptomoedas a Ripio tem um posicionamento já?
Eu vejo o PL com bons olhos e acredito que isso vai ajudar a desenvolver o mercado e eventualmente vai ajudar a haver também uma consolidação onde os players mais sérios e mais seguros acabam se tornando instituições regulamentadas e aquelas casas menores, sem infraestrutura, que não se adequarem às regras, acabam deixando de existir.
*Colaboraram Wagner Riggs e Fernando Martines