Um resumo recém-publicado pela Organização das Nações Unidas (ou ONU) recomenda que países em desenvolvimento tomem ações em relação às criptomoedas, alertando sobre os riscos relacionados à falta de regulamentação da indústria.
No documento intitulado “All that glitters is not gold” — ou “Nem tudo o que reluz é ouro”, como no provérbio —, publicado inicialmente em junho, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (ou UNCTAD, na sigla em inglês) afirmou que as desvantagens apresentadas a essas nações pelas criptomoedas superam os benefícios que podem apresentar às pessoas e instituições financeiras.
O documento até sugere que países em desenvolvimento exijam o registro obrigatório de todas as carteiras de criptomoedas, cobrem impostos sobre transações e proíbam anúncios relacionados a criptomoedas.
“Não é sobre aprovar ou desaprovar [criptomoedas], mas destacar que existem riscos sociais e custos relacionados a criptomoedas”, explicou Penelope Hawkins, economista e diretora sênior de assuntos econômicos na UNCTAD, ao Decrypt. “Essa é uma recomendação que se aplica a qualquer produto especulativo ou financeiro de alto risco onde retornos são incertos.”
Ameaça à estabilidade
A organização intergovernamental alertou que criptomoedas podem ameaçar a estabilidade financeira das nações em desenvolvimento, permitir a atividade financeira ilícita, evitar que autoridades limitem o fluxo de capital e também comprometam a soberania monetária de nações ao substituir moedas nacionais de forma não oficial.
O resumo recomendou que governos “tornassem o uso de criptomoedas menos atrativo” ao implementar imposto sobre transações que utilizam a tecnologia e exigir o registro obrigatório de carteiras digitais e corretoras de criptomoedas. Também apresentou a ideia de banir instituições financeiras de armazenar ativos digitais e evitar que ofereçam serviços cripto a seus clientes.
Países em desenvolvimento devem restringir ou proibir o anúncio de empresas cripto em locais públicos ou em redes sociais, conforme proposto pela conferência, afirmando que é uma “necessidade urgente em termos de proteção a consumidores em países com baixos níveis de educação financeira”, que podem resultar em “prejuízos significativos”, de acordo com o resumo de políticas.
Rohan Grey, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Willamette, trabalhou como consultor sobre moedas digitais para a ONU e disse que a falta de regulamentação para criptomoedas possui um histórico documentado de prejudicar clientes ao permitir que haja fraudes e esquemas.
“O ecossistema não está completamente pronto e maduro”, contou ele ao Decrypt. “Permitir que [a indústria] se promova agressivamente seria como ter um tipo de novo medicamento que ainda não passou pelo processo da FDA [Administração Federal de Alimentos e Medicamentos] e se apresenta como a cura para o câncer.”
A favor dos CBDCs
O último conselho do resumo é para que países criem seus próprios sistemas de pagamento que sirvam como um bem público, da mesma forma que a infraestrutura criada por governos, e explorem a criação de uma moeda digital de banco central (ou CBDC).
CBDCs são uma forma digitizada de moeda fiduciária emitida por autoridades monetárias públicas. Embora algumas CBDCs funcionem da mesma forma que criptomoedas, são emitidas por governos e seu valor é mantido por eles. Alguns países desenvolvidos já implementaram suas CBDCs, como as Bahamas, que chama sua versão de “sand dollar”.
“Você não precisa se preocupar que o dinheiro não terá valor com as CBDCs da mesma forma que você se preocupa com stablecoins”, disse Grey. “US$ 1 emitido pelo governo sempre pode ser resgatado por US$ 1 emitido pelo governo.”
Embora ele acredite que CBDCs apresentam riscos em termos de supervisão e censura, ele afirma que as mesmas preocupações se aplicam a stablecoins e que o potencial de inadimplência as transforma em ativos menos favoráveis que buscam por paridade a moedas fiduciárias quando comparadas.
O relatório também faz referência às iniciativas da China em implementar uma CBDC e a menciona como um dos nove países em desenvolvimento que baniram totalmente as criptomoedas. Essa lista também inclui Argélia, Bangladesh, Egito, Iraque, Marrocos, Nepal, Qatar e Tunísia.
Adoção acelerada
Um dos motivos que fizeram a UNCTAD publicar essas recomendações foi a crescente adesão de criptomoedas ao redor do mundo, que afirmou ter acelerado por conta da pandemia.
A facilidade com que transferências internacionais podem ser feitas atraiu as pessoas para a tecnologia, de acordo com o resumo, bem como a noção de que poderia ajudar a proteger a poupança de famílias durante épocas de depreciação monetária e crescente inflação.
“Não existe uma resposta política e universal”, de acordo com a conferência, mas ainda assim insistiu que países tomassem uma abordagem voltada para o futuro para implementar regulamentações. “Fazer pouco ou agir tarde demais resultará em custos mais elevados no futuro.”
A ONU possui um histórico de usar ativos digitais para promover diferentes iniciativas. Este ano, as Nações Unidas apresentaram uma coleção de tokens não fungíveis (ou NFTs) chamadas “Boss Beauty Role Models” como parte do Dia Internacional da Mulher, celebrado pela organização desde 1975.
Em 2021, a ONU apoiou uma competição chamada DigitalArt4Climate, em que participantes criaram NFTs com o tema “mudança climática”. A obra do vencedor foi exibida na Conferência sobre Mudança Climática, que aconteceu na Escócia.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) anunciou o lançamento de uma série de NFTs na rede Ethereum para celebrar a história de 75 anos da agência e arrecadar dinheiro para a iniciativa Giga, que ajuda a financiar conexões de internet para escolas ao redor do mundo.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.