A Prova das Reservas (proof of reserves, PoR) se tornou o assunto do momento no mercado de criptomoedas após o colapso da FTX fazer com que investidores começassem a exigir que as exchanges forneçam “atestados” de suas participações em criptoativos.
Mas o que são exatamente essas provas de reservas e por que elas são importantes?
Uma prova de reservas refere-se a um método de verificação de que uma plataforma de negociação ou empresa de criptomoedas realmente tem lastro 1:1 em todos os ativos digitais que detém sob custódia em nome de seus clientes.
As empresas frequentemente recorrem a uma organização externa para conduzir esse tipo de verificação. Elas publicam os resultados, com algumas ressalvas (que serão discutidas abaixo) para ajudar os investidores a entender o estado das finanças de uma exchange centralizada e se ela tem fundos suficientes para corresponder aos depósitos dos clientes.
Desde que a tendência surgiu, diversos tipos de atestados foram executados, com alguns apresentando mais confiança em uma empresa do que outros.
Prova de Reservas baseada em Árvores de Merkle
Uma maneira de executar um atestado é por meio de um protocolo PoR que usa uma prova baseada em Árvores de Merkle (Merkle Tree) para integrar grandes quantidades de dados em um único hash e verificar a integridade desse conjunto de dados.
Utilizando provas criptográficas, o protocolo PoR verifica a validade dos saldos e transações dos usuários. Com isso, as exchanges cripto podem publicar atestados PoR baseados em Árvores de Merkle em intervalos regulares, inclusive semanalmente, mensalmente ou trimestralmente, como se fossem registros em forma de “fotografias”. Como alternativa, as empresas podem fornecer atestados em tempo real disponíveis em seus sites.
Embora essas “fotografias” possam ser suficientes para provar a solvência de uma empresa de criptoativos em um determinado momento, os atestados em tempo real são considerados superiores ao verificar as reservas de uma exchange, pois permitem que qualquer pessoa a qualquer momento garanta que os fundos estejam de fato nessa exchange.
Protocolo de prova de reservas da Chainlink
A ChainLink Labs, a empresa por trás da popular rede descentralizada de oráculos, está oferecendo a sua própria versão de um sistema de prova de reservas, que segundo eles, é “desenvolvido para ajudar projetos em Web2 e Web3 a comprovar reservas de ativos por meio de verificação automatizada”.
Lançado em 2020 tendo como primeiro caso de uso a stablecoin TrueUSD, o sistema conecta os nós Chainlink à API de uma exchange, seus endereços das reservas (como se fossem o cofre principal), bem como um contrato inteligente de prova de reserva que pode ser consultado por qualquer outra conta na rede para determinar se as reservas de criptoativos da exchange são iguais aos seus passivos.
Seu sistema agnóstico de blockchain fornece dados sobre quanto é depositado, emprestado e apostado em um determinado protocolo a qualquer momento.
As exchanges também podem utilizar o sistema da Chainlink para fornecer proteção quanto às garantias de que não podem emitir mais tokens do que os bens armazenados em reservas.
Quais exchanges têm prova de reservas?
Algumas exchanges e plataformas de empréstimo de criptomoedas, incluindo a Kraken, a Nexo, a BitMEX, e a Gate.io, se movimentaram para lançar sua prova de reservas antes da implosão da FTX.
Após os eventos de novembro de 2022, no entanto, outras plataformas de negociação também trabalharam para ter suas próprias provas de reservas, que, dependendo da exchange, variavam em pequenos detalhes.
Isso incluiu a Binance, a maior exchange cripto do mundo em volume de negociação, que lançou um sistema baseado em Árvores de Merkle para Bitcoin e Ethereum, com a OKX, Crypto.com, e a ByBit adotando uma abordagem semelhante.
A Coinbase, por outro lado, disse que, como é uma empresa de capital aberto, já comprova suas reservas via auditoria da SEC.
Em 25 de novembro, a exchange cripto baseada em São Francisco, no entanto, apontou que a contabilidade on-chain é o futuro e que está explorando várias novas maneiras de provar suas reservas usando mais métodos nativos das tecnologias cripto.
Parte desse esforço de exploração vem com o seu recém-lançado programa de subsídios para desenvolvedores, no valor de US$ 500 mil. Esses subsídios destinam-se a apoiar indivíduos ou equipes “que estão avançando no desenvolvimento de métodos seguros de contabilidade on-chain, técnicas de preservação da privacidade relacionadas com a prova de ativos ou passivos (incluindo a aplicação de prova ou protocolo de conhecimento zero) e/ou tecnologias diretamente relacionadas”.
Quais são as preocupações?
Embora as provas de reservas sejam claramente um passo na direção certa, ajudando teoricamente a garantir que os fundos dos clientes estejam seguros e provando criptograficamente que a empresa tem liquidez suficiente, elas também podem transmitir aos usuários uma falsa sensação de segurança.
A razão para isso é que, ao simplesmente fornecer essa “fotografia” dos registros financeiros, as exchanges fornecem uma visão geral dos ativos mantidos nos endereços associados à plataforma; no entanto, elas — com poucas exceções — não divulgam os passivos da empresa aos clientes, o que significa que os utilizadores são obrigados a confiar no atestado do auditor sobre os ativos em questão.
Isso pode eventualmente conduzir o mercado a um cenário em que uma exchange utiliza a sua prova de reservas para parecer transparente sem revelar o seu verdadeiro risco de solvência.
Isto é o que o CEO da Kraken, Jesse Powel, recentemente destacou, dizendo que os atestados devem ter três componentes: uma soma dos passivos do cliente (o auditor deve excluir saldos negativos); uma prova criptográfica verificável pelo usuário de que cada conta foi incluída na soma; e assinaturas provando que o custodiante tem o controle das carteiras.
Powell criticou especialmente o atestado de novembro da Binance, descrevendo-o como “ignorância ou deturpação intencional” e dizendo que “a demonstração dos ativos é inútil sem passivos”.
Mais controvérsia em torno da Binance
A Binance se mobilizou para dissipar as preocupações sobre o seu estado financeiro, preparando o braço sul-africano da empresa internacional de auditoria, impostos e consultoria, a Mazars, para produzir um relatório adicional de provas de reservas.
Lançado no início de dezembro, o documento informava que, no momento da avaliação, a Binance controlava ativos internos em escopo acima de 100% de seu passivo total da plataforma.
No entanto, o relatório gerou mais controvérsia, com especialistas enfatizando que o relatório Mazars significa pouco sem qualquer informação sobre a qualidade dos controles internos da Binance, como seus sistemas para manter registros financeiros precisos.
Além disso, como foi destacado em um recente artigo do WSJ, o relatório Mazars era, de fato, uma carta de cinco páginas e não um relatório de auditoria adequado. Ele não abordou, por exemplo, a eficácia dos controles internos de relatórios financeiros da Binance, enfatizando que a Mazars “não expressou uma opinião ou uma conclusão de garantia”, o que significa que não estava atestando os números.
A Mazars disse que realizou seu trabalho utilizando “procedimentos previamente acordados” solicitados pela Binance e que a Mazars não fez “nenhuma representação a respeito da adequação” dos procedimentos.
Além disso, os números na carta afirmam essencialmente que o Bitcoin da Binance tem apenas 97% de garantia, com um porta-voz da Binance explicando que “a ‘diferença’ dos 3% deve-se ao BTC emprestado a clientes, através dos programas de margem ou empréstimo, que podem ter usado tokens fora do escopo do relatório como garantia.”
Pouco depois, a Mazars, que executou atestados semelhantes para Crypto.com e Kucoin, anunciou que iria suspender qualquer projeto com empresas de criptoativos futuramente e tirou a “auditoria” das reservas da Binance do ar.
*Traduzido por Gustavo Martins com autorização do Decrypt.
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