Moedas digitais emitidas por bancos centrais (ou CBDCs, na sigla em inglês) são exatamente o que o nome sugere: são versões digitais da moeda fiduciária de um país.
Mas como se diferenciam do dinheiro que está em uma conta bancária digital, sendo usada para fazer transações digitais com cartões de débito?
Por que governos querem ter CBDCs? Quais países já lançaram seus projetos de CBDC?
O que é uma CBDC?
CBDCs são versões digitais da moeda corrente de uma nação.
São similares a stablecoins, que são criptomoedas lastreadas e de proporção 1:1 com uma moeda fiduciária específica.
Mas stablecoins, como Tether (USDT), são gerenciadas por entidades privadas que possuem dinheiro emitido por um banco central ou equivalentes monetários. Armazenam esses ativos para que suas stablecoins possam refletir o valor exato de moedas fiduciárias.
O Fundo Monetário Internacional (ou FMI) considera CBDCs como uma nova forma de dinheiro que tem forma digital, emitida pelo banco central de um país e deve atuar como uma moeda legal.
Bancos centrais literalmente imprimem dólares americanos ou libras, então as cédulas físicas em suas carteiras não atendem o critério de “forma digital”.
E o dinheiro que você movimenta digitalmente em seu banco é, na verdade, uma série de depósitos eletrônicos lastreados pelo ativo de bancos comerciais; 97% do dinheiro armazenado por empresas e cidadãos britânicos são depósitos bancários comerciais.
O bitcoin (BTC), a maior criptomoeda do mundo, se encaixa em dois dos critérios mencionados acima: é digital e, agora, é uma moeda corrente em El Salvador. Mas o bitcoin não tem nada a ver com o “CB” de “banco central” da sigla. Não é emitida pelo Banco Central de El Salvador.
Mesmo se o banco minerar bitcoin em massa, isso não conta como “emissão monetária”, conforme esclarecido por um ex-conselheiro da Receita Federal dos EUA (ou IRS) em entrevista ao Decrypt em junho.
Como funciona uma CBDC?
Às vezes, os Estados que desenvolvem uma CBDC consideram o blockchain como a tecnologia de alicerce para suas moedas, mas o banco central mantém autoridade sobre os registros. Em contraste, criptomoedas são descentralizadas, sem autoridade central.
Existem muitas formas diferentes que CBDCs possam ser praticamente implementadas pelos países. Mas se esses projetos vierem à tona, CBDCs terão de funcionar em carteiras móveis parecidas com Apple Pay ou Google Wallet.
Nas Bahamas, que lançaram uma CBDC em outubro de 2020, o banco central emite “sand dollars” assim como o dólar bahamense. Também mantém um registro de todos os sand dollars em circulação.
Em parceria com fornecedores privados, um banco central mantém uma infraestrutura de “conheça seu cliente” (ou KYC) em que cidadãos precisam completar etapas para criar uma carteira móvel.
Sand dollars facilitam pagamentos eletrônicos de ponto a ponto sem um intermediário com uma conta bancária, que é a principal ideia por trás de projetos de CBDC: escaneie o código de barras em seu celular para realizar um pagamento em uma loja e enviar dinheiro para outra carteira móvel.
Por que governos querem uma CBDC?
O Banco de Compensações Internacionais (ou BIS) citam três motivos para o recente auge das CBDCs em seu relatório anual: a atenção em torno do bitcoin e outras criptomoedas, o debate sobre stablecoins e a entrada das “Big Techs” nas finanças.
Preocupações sobre a intromissão das grandes empresas de tecnologia nas finanças, como a stablecoin Diem do Facebook, também surgiram no Banco Central Europeu (ou BCE).
Em um relatório publicado em junho de 2021, o BCE disse que governos evitem apresentar CBDCs ameaçam seus sistemas financeiras e autonomia monetária de “gigantes [empresas] estrangeiras de tecnologia de possivelmente oferecerem moedas artificiais no futuro”.
Mas existem muitos outros motivos.
CBDCs também podem acelerar o reembolso de dinheiro em épocas de crise, conforme relatado em uma pesquisa de maio de 2019 pelo Instituto e Faculdade de Atuários.
Em um relatório de julho de 2021, o FMI disse que CBDCs podem promover a inclusão financeira, pois cidadãos não precisariam de uma conta bancária para pagar com CBDCs.
É algo importante em países como a Indonésia, em que 1/3 da população não tem acesso às finanças tradicionais e que provavelmente não tem acesso à internet móvel.
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Fan Yifei, vice-presidente do banco central chinês, afirmou, em abril de 2020, que uma CBDC irá reduzir usos ilícitos de dinheiro, já que o dinheiro físico é anônimo e também pode ser facilmente falsificado.
MasterCard, que processa pagamentos eletrônicos, estima que o custo da gestão do dinheiro físico seja de 1,5% do PIB de um país. Então países podem poupar muito mais (se não completamente) ao recorrerem ao digital.
Quais países estão trabalhando em uma CBDC?
Existem 87 países, incluindo autoridades monetárias como a União Europeia, que estão estudando CBDCs de uma forma ou de outra. Representam mais de 90% do PIB global.
Nove deles (10%) lançaram CBDCs até hoje: Bahamas, São Cristóvão e Neves, Nigéria, Antígua e Barbuda, Monserrate, Dominica, Santa Lúcia, Granada e São Vicente e Granadinas.
A maioria deles (43%) estão na fase de “pesquisa”. Bancos centrais estão tentando entender qual é o atrativo dessas moedas e se realmente querem lançá-las. Isso inclui os Estados Unidos, que sempre foram discretos em sua análise de um dólar digital.
Governos também não têm pressa para estudar as consequências de segurança das CBDCs.
17% dos países estão na fase de “desenvolvimento”, quando as coisas estão mais sérias conforme desenvolvem provas de conceito e realizam estudos.
Em abril de 2021, o Banco do Japão lançou a primeira fase de um estudo de viabilidade para seu iene digital, que será feito por um ano antes de outros estudos. Enquanto isso, a Coreia do Sul está com força total e, em breve, sua CBDC vai passar para a fase de testes-piloto.
16% dos países estão na fase de testes-piloto: desenvolveram uma CBDC que está sendo testada no mundo real.
A CBDC da China, o yuan digital, é o piloto mais famoso no momento. Foi usado em mais de 70 milhões de transações, totalizando 34,5 bilhões de yuans (ou US$ 5 bilhões) até o fim de junho de 2021.
O país distribuiu gratuitamente milhões de yuans digitais a cidadãos como parte de sua iniciativa para testar a tecnologia (e criar uma agitação em torno dela).
E-krona, da Suécia, também está na fase de testes-piloto, mas existe bem menos burburinho em torno dela.
Camboja também está testando sua CBDC desde julho de 2021 e qualquer pessoa que tenha um número de telefone local pode participar, disse o criador da plataforma blockchain do projeto de CBDC ao Decrypt.
Outra CBDC em fase de pilotos é a e-hryvnia da Ucrânia, com testes de CBDCs no mundo real oficialmente começou em agosto de 2021.
Em janeiro de 2021, o banco central do país assinou um acordo com a Stellar Development Foundation (ou SDF), a organização por trás da criptomoeda Stellar (XLM), mas não disse se sua CBDC será emitida no blockchain Stellar.
O futuro das CBDCs
Mais países irão lançar CBDCs a médio prazo, com a China liderando o bando.
A China promete apresentar seu yuan digital durante as Olimpíadas de Inverno de Pequim de 2022.
No entanto, alguns senadores americanos pediram por uma proibição para atletas americanos não “recebam ou usem o yuan digital” durante o torneio, com receio de que possa ser usado para supervisionar os visitantes da China “em uma escala sem precedentes”.
É provável que essas preocupações sobre a privacidade só aumentem. Parte dos defensores de CBDCs apontam que as moedas digitais como uma solução de privacidade.
Em junho de 2021, Fabio Panetta, membro do comitê do BCE, argumentou que um euro digital seria mais privado do que stablecoins emitidas de forma privada porque “não temos interesse comercial em armazenar, gerenciar ou monetizar dados de usuários”.
Porém, outros levaram preocupações sobre as consequências de privacidade de CBDCs por apresentarem uma oportunidade para que Estados fiquem de olho por fluxos monetários a nível macro e, problematicamente, a nível individual.
Mu Changchun, diretor do Instituto de Pesquisa de Criptomoedas do Banco do Povo da China, já garantiu que o yuan digital terá “anonimidade limitada”, em que pequenos pagamentos serão ligados aos números de telefone de usuários e maiores pagamentos vão exigir mais dados de KYC.
Nos EUA, legisladores conservadores argumentaram que o yuan digital da China deve ser usado para “expandir iniciativas nacionais de supervisão” ou até mesmo “impor disciplina partidária”.
O deputado Tom Emmer notou que uma CBDC só seria benéfica se fosse “aberta, apermissionada e privada”.
*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.