Entrevista: “No IR 2023, vão aparecer criptomoedas de quem nunca declarou”, diz supervisor do Imposto de Renda

O supervisor nacional do Imposto de Renda contou ao Portal do Bitcoin como a Receita Federal vai usar dados da IN 1888 para agilizar a declaração de criptomoedas
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José Carlos Fernandes da Fonseca, supervisor nacional do Programa do Imposto de Renda. (Foto: Divulgação/RF)

Tudo vai mudar no Imposto de Renda de 2023 para quem tem criptomoedas. Neste ano, a Receita Federal vai trazer os dados da Instrução Normativa RBF Nº 1888/19 pré-preenchidos — o que vem provocando uma série de dúvidas no mercado.

Para entender melhor as mudanças, o Portal do Bitcoin conversou com um dos principais nomes do órgão: o supervisor nacional do Programa do Imposto de Renda, José Carlos Fernandes da Fonseca.

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“Foi uma evolução natural incluir as criptomoedas na pré-preenchida”, disse Fonseca na conversa que contou também com a presença da contadora especializada em criptoativos Ana Paula Rabello e do auditor fiscal da Receita Federal Gelson Machado Guarconi.

O supervisor também fez um alerta para brasileiros que usam corretoras no exterior: “A Receita tem o poder de fiscalizar uma declaração por cinco anos e, daqui cinco anos, pode ter informações que hoje não possui”.

Confira abaixo a entrevista completa:

Portal do Bitcoin: Por que a Receita decidiu fazer essa mudança e incluir a IN 1888 pré-preenchida neste ano?

José Carlos Fernandes da Fonseca: A expansão do programa não está se aplicando exclusivamente ao mercado de criptomoedas. Neste ano também serão recuperadas informações de imóveis adquiridos, de contas bancárias e fundos de investimento. O que queremos é fornecer aos cidadãos as informações mais mastigadas possíveis.  

Desde 2014, a Receita Federal vem tentando montar essa declaração pré-preenchida. O cenário mudou em 2021, com a expansão da plataforma do GovBR e a maior troca de informações. Em 2020, 360 mil pessoas fizeram declaração usando a pré-preenchida. Em 2022, esse número chegou a quase 3 milhões. Então foi uma evolução natural incluir as criptomoedas.

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Não é uma medida do tipo “vou jogar uma isca para pescar o contribuinte”. Se temos as informações, é melhor passar e ele usa se quiser. Vamos colocar no momento do preenchimento da declaração os bitcoins que ele tem. Mas se não quiser que a informação esteja lá, basta excluir. Você usa e modifica o que quiser. Se você achar que está tudo certo, ótimo. Se estiver errado, é sua obrigação corrigir. E se estiver faltando alguma coisa, você tem que incluir. 

O que a Receita ganha com isso é a conformidade da declaração. O fato do contribuinte não precisar digitar CNPJ, número da conta e saldo, diminui sua chance de erro. Quem utilizar a pré-preenchida, portanto, vai correr um risco menor de cair na malha fina por acidente.

Quais dados serão puxados da IN 1888 no pré-preenchimento do Imposto de Renda 2023? 

Será da seguinte maneira: um contribuinte que possui criptomoedas vai fazer a declaração dele. Se ele usa uma exchange nacional que informa operações na IN 1888, vai aparecer no preenchimento do contribuinte um novo registro no quadro de bens, mesmo que ele nunca tenha declarado criptoativos antes.

Além de seus automóveis, imóveis e contas bancárias, vai aparecer lá um registro novo de criptoativo. O que estará preenchido vai ser o código do bem (o grupo em que está o criptoativo) e a descrição. Na descrição virá as informações que a exchange repassou à Receita Federal. Por exemplo, que esse contribuinte tem 250 unidades do token X.

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O campo seguinte que deverá ser preenchido, que são os valores desses bens em 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, estará em branco. Quem tem o dever de dizer qual é o custo médio daquele ativo é o cidadão. Em resumo, vem os saldos em criptomoedas informados pelas exchanges nacionais no dia 31 de dezembro, sem o valor de aquisição.

Um exemplo similar é a compra de imóvel. Digamos que ano passado você comprou um apartamento. Na declaração deste ano, nos bens que você tem, vai aparecer um imóvel novo e os dados na descrição: um apartamento situado na rua X, comprado de fulano X, na data X, registrado no cartório X. O campo de valor estará em branco, porque apesar de eu saber que o imóvel está registrado por R$ 1 milhão, o que tem que ser declarado é o valor que foi efetivamente pago.  

A Receita Federal não obriga que contribuintes com menos de R$ 5 mil em uma criptomoeda a declare no Imposto de Renda. No entanto, se houver dados ligados a esses contribuintes na IN 1888, eles também serão puxados na pré-preenchida?

Sim, porque não tem como a Receita Federal saber quanto foi pago por esses ativos. O contribuinte nessa situação pode decidir o que fazer. Pode excluir esses dados da declaração se quiser ou não, fica a seu critério.

Se o investidor de criptoativo não está obrigado a declarar conforme a regulamentação, ele não precisa informar nada. Uma vez estando obrigado, ele precisa declarar e informar os bens. Quais bens? Aqueles que ultrapassam os limites legais. No caso de cripto, investimentos acima de R$ 5 mil.  

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As exchanges fazem declarações de operações dos clientes todo mês para a Receita Federal, com base nas obrigações da IN 1888. Os dados puxados na pré-preenchida estarão discriminados por mês ou serão os dados combinados do ano?

O que será trazido no preenchimento do Imposto de Renda será o saldo do contribuinte no final do ano, sua posição em 31 de dezembro. Nós vamos pegar essa quantidade informada de criptoativos que ele tem e colocar no Imposto de Renda para ele. Vamos pegar as últimas bases de dados dos CPFs, somar, tabular e preparar as pré-preenchidas. Sem o valor mas com a descrição.  

Os dados de anos anteriores que constam na base da IN 1888 também serão trazidos na pré-preenchida do Imposto de Renda 2023?

Não, serão apenas os dados de 2022. Dos anos anteriores não estamos puxando nada. Provavelmente no ano que vem será a mesma coisa porque ainda estamos pensando em uma forma de atualizar as quantidades de ativos do contribuinte de um ano para o outro.

A IN 1888 vai ser usada no cruzamento de dados declarados no Imposto de Renda de alguma forma automatizada, como acontece na Bolsa de Valores?

A forma de trazer os dados do contribuinte na pré-preenchida não se confunde com os processos que já temos de fiscalização. As informações nós já temos e são usadas nos processos de fiscalização para identificar os sonegadores.

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Se o contribuinte não quer declarar um criptoativo que seja necessário ser declarado, ele está assumindo a responsabilidade por sua escolha. A partir deste ano, estamos mostrando para ele as informações que temos. Por exemplo, esse contribuinte tem 5 BTC. Ele tem a liberdade de, na hora da declaração, alterar o dado e informar que tem só 2 BTC. 

O processo de cruzamento do que ele declarou com o que está na nossa base de dados, já existe hoje, independente de dados serem puxados na pré-preenchida.

Eu ressalto ser importante que o contribuinte declare não apenas o que é puxado na pré-preenchida, mas o que ele tem de fato. Pode ser que uma exchange não tenha mandado a informação e mande depois.

O contribuinte também pode pensar, ‘eu tenho cripto em exchanges internacionais e vou ficar quieto’, mas um dia a Receita Federal pode descobrir isso e ele vai ter que se explicar. 

Exchanges estrangeiras usadas por um grande número de brasileiros não declaram as operações com criptoativos na IN 1888. Isso é uma preocupação da Receita Federal? 

Em termos de fiscalização, isso deve ter um acompanhamento, um grupo trabalhando no sentido de analisar essa situação de não declaração. 

Existe a situação de contribuinte que não declara pensando que a Receita não tem esse controle hoje. Só que vale lembrar que a Receita tem o poder de fiscalizar aquela declaração por cinco anos e, daqui cinco anos, pode ter informações que hoje não possui.

Digamos que um contribuinte não declare seus criptoativos no Imposto de Renda porque usa uma exchange internacional que não apresenta dados para a Receita Federal. Vamos dizer que de alguma forma a nossa fiscalização consiga essas informações depois, daqui três anos, e esse contribuinte já recebeu dinheiro de restituição. 

O que vai acontecer com esse contribuinte? Ele vai receber uma cartinha da Receita Federal cobrando multa com juros. Então, eu sempre aconselho todo mundo, declara que você recebeu, o que você pagou e o que você tem. Se o seu dinheiro é lícito, por que você vai esconder? Agora, se o seu dinheiro é ilícito, arranje um jeito de regularizar isso perante a Receita Federal.

Quem está sonegando tem que temer a Receita Federal, mas cidadão comum que comprou seu bitcoin e que está investindo no mercado, não precisa ter medo. 

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