“A África definirá o futuro (especialmente o futuro do Bitcoin)”, tuitou Jack Dorsey, CEO do Twitter e do provedor de pagamentos Square, ao final de uma viagem na conclusão de uma viagem cheia de emoções pelo continente no ano passado.
Dorsey, um entusiasta do Bitcoin, concluiu que as nações africanas têm as condições ideais para o desenvolvimento das criptomoedas: moedas locais fracas, que tornam mais difícil obter dólares que são necessários para o comércio global; transferências de dinheiro complexas e caras e – talvez o mais importante – uma população entusiasmada, jovem, com grande contato com a tecnologia e cada vez mais buscando por soluções.
Em nenhum lugar da África isso é mais forte do que na Nigéria, que lidera os volumes de transações em criptomoedas na África nas modalidades de pessoa para pessoa (P2P) Paxful e LocalBitcoins. A nação da África Ocidental (com idade média de 18 anos) é um centro de tecnologia; está sempre no topo dos rankings de buscas por Bitcoin no Google e, de acordo com uma pesquisa, tem a maior porcentagem de usuários de criptomoeda do mundo.
Tudo isso evidencia que a aposta original do criador do Bitcoin, Satoshi Nakamoto, de usar o Bitcoin como forma de pagamento na Nigéria, segue prosperando.
Na Nigéria, o Bitcoin é “uma necessidade, em oposição a um luxo ou um ativo da moda que você pode usar”, disse Akin Sawyerr, um investidor de criptomoedas e construtor de ecossistema dos EUA, que faz parte da equipe de operações do protocolo de risco Barnbridge. “Para muitas pessoas, é basicamente uma opção de salvação para manter seus negócios funcionando.”
Bitcoin por necessidade
Sawyerr, que foi criado na Nigéria, explicou que a África Subsaariana é o lugar mais caro para fazer movimentações de dinheiro. Atualmente, a queda do preço do petróleo do país — resultado direto da pandemia do coronavírus — gerou conflitos econômicos e levou a duas desvalorizações do Naira nigeriano. Em novembro de 2020, o país entrou oficialmente em recessão pela segunda vez em cinco anos.
“O enfraquecimento da Naira, moeda da Nigéria, bem como a escassez de dólares americanos, estão forçando as empresas a mudar para o Bitcoin como meio de liquidar pagamentos para transações internacionais”, confirmou à Decrypt Amos Samson, gerente do serviço de remessas Sirocco Pay na Nigéria.
As empresas nigerianas precisam de dólares para comprar novos suprimentos e encomendar equipamentos essenciais do exterior – mas as fontes formais de obtenção de moeda estrangeira, como bancos, não estão conseguindo atender a essa demanda, explicou ele.
A situação é tão terrível que, de acordo com o principal jornal financeiro da Nigéria, o BusinessDay, alguns dos Bureaux De Change (BDCs) do país — destinos populares para câmbio de moeda estrangeira — tentaram educar seus clientes sobre o uso de Bitcoin, porque eles não estão conseguindo atender à alta demanda por dólares. Os esforços que eles fizeram agora estão gerando frutos, com muitas empresas mudando para Bitcoin a fim de atender o comércio internacional.
Ao mesmo tempo, serviços focados em criptomoedas – bolsas como Binance e mercados P2P como Paxful – têm intervindo para preencher esse mercado. No segundo trimestre de 2020, os volumes semanais de negociação de Bitcoin P2P da Nigéria dobraram de US$ 8 milhões para US$ 16 milhões, de acordo com a Arcane Research. E nos primeiros nove meses de 2020, os novos registros na Paxful mais que dobraram em comparação com o mesmo período do ano passado.
“Com a desvalorização e a recessão causando a depreciação da Naira, as pessoas e até as empresas estão buscando proteger seus recursos financeiros usando uma boa ferramenta de investimento”, disse Nena Nwachukwu, gerente regional da Paxful na Nigéria, à Decrypt.
Ela acrescentou que a alta recente do Bitcoin, que chegou a US$ 19.000 esta semana, certamente atraiu a atenção das pessoas. “Agora recebo muitas perguntas de familiares e amigos sobre o Bitcoin, que anteriormente não tinham interesse em criptomoedas”, disse ela.
A evolução da adoção do Bitcoin na Nigéria
A Paxful agora conta com 600.000 usuários nigerianos e, de acordo com Nwachukwu, a maneira como as pessoas estão usando Bitcoin também mudou positivamente. Casos de uso comum são transferências transfronteiriças, remessas entrando na Nigéria de pessoas que deixaram o país (estas responsáveis por impressionantes US$ 23,6 bilhões em 2018) e pagamento de taxas escolares, fornecedores e freelancers, disse ela. Mas agora o Bitcoin também é usado como uma segunda fonte de renda, uma ferramenta de hedge, e até mesmo financiou um protesto de direitos humanos, depois que os bancos suspenderam as contas dos organizadores.
Os relatórios também sugerem que um número cada vez maior de comerciantes está usando Bitcoin para pagar seus fornecedores. Os fornecedores chineses, em especial, estão animados para fazer negócios em Bitcoin por causa da velocidade e conveniência garantidas. Isso também significa que as empresas nigerianas não precisam mais comprar dólares usando Naira ou pagar taxas para empresas de transferência de dinheiro.
Nwachukwu aponta que o interesse em criptomoedas cresceu mais rápido entre os millennials. A população jovem e empreendedora da Nigéria contribuiu para o seu sucesso como o principal destino de investimento em startups da África em 2018.
Mas a maioria dos jovens está desempregada ou subempregada, e muitas vezes sem conta bancária. Mesmo aqueles que têm a sorte de se qualificar para uma conta bancária, são prejudicados por limites de gastos que podem ser excessivamente baixos ou descobrem que seus endereços de IP nigerianos foram colocados na lista negra, disse Sawyerr. Bitcoin e stablecoins, que são atrelados ao dólar e fáceis de sacar, salvaram essas pessoas, acrescentou.
No verão passado, os nigerianos baixaram mais carteiras bitcoin.com do que qualquer outra nação, e a MetaMask Mobile, uma carteira para produtos baseados em Ethereum, também está se mostrando popular. A Nigéria é o terceiro maior mercado da MetaMask, depois dos Estados Unidos e da Índia, disse Jacob Cantele, que chefia as operações da MetaMask, à Decrypt.
Como o Bitcoin ganhou legitimidade na Nigéria
Muitos nigerianos têm evitado fazer negócios online nos últimos anos devido à grande quantidade de esquemas sócio-financeiros, de enriquecimento rápido e Ponzi, como MMM, Twinkas e outros, de acordo com Luka Anthony, gerente internacional da startup chinesa de serviços financeiros GetBit. Os golpes mancharam a imagem das criptomoedas no país, argumentou ele – mas os eventos recentes deram ao Bitcoin um pouco mais de credibilidade.
No último mês de outubro, relatos de brutalidade policial geraram protestos em massa, depois que o esquadrão especial anti-roubo (SARS) da Nigéria, que é muito odiado, supostamente matou um menino.
A unidade policial é acusada de extorsão, tortura e assassinato. Muitos dos alvos são jovens do sexo masculino que trabalham na indústria de tecnologia. Yele Bademosi, CEO do Bundle, aplicativo de pagamentos apoiado pela Binance, recentemente compartilhou sobre o seu próprio encontro assustador com a SARS.
Em outubro, quando a hashtag #ENDSARS viralizou, o Bundle, assim como outras startups e organizações nigerianas, arrecadou dinheiro para os protestos descentralizados que estavam se espalhando por todo o país. Mas alguns grupos de ativistas locais, como a Coalizão Feminista, tiveram suas contas bancárias congeladas. Em desespero, eles se apoiaram no Bitcoin. Chegaram as doações e Jack Dorsey até promoveu a causa no Twitter. No final das contas, o grupo acabou arrecadando mais de US$ 150.000 em Bitcoin – mais de 40% de seus recursos totais.
“Muitas pessoas foram apresentadas à utilidade da criptomoeda e do Bitcoin pela primeira vez durante o #ENDSARS”, disse Bademosi, falando no podcast Breakdown recentemente. “Eles estavam aprendendo,‘O que é Bitcoin; como faço para comprar e enviar Bitcoin, o que é um endereço’… isso tornou o Bitcoin ainda mais popular. ”
“Verdades foram retratadas durante o fim [do] movimento SARS”, disse Anthony. “As pessoas também viram que a maioria dos jovens é paga por meio do Bitcoin – em negócios online como freelancers. Muitos vídeos foram feitos mostrando que nem todos os jovens fazem parte de negócios fraudulentos, mas que provavelmente trabalham duro para ganhar dinheiro online ou trabalhando com empresas no exterior.”
O bitcoin decolou pela primeira vez na Nigéria em 2014, mas é muito mais popular agora, disse ele. Marcas líderes, anunciantes e influenciadores estão aproveitando a tendência do Bitcoin em ascendência e, este ano, a Nigéria ganhou seu primeiro caixa eletrônico de criptomoedas.
O futuro do Bitcoin na Nigéria
A situação difícil da Naira, as consequências da pandemia e a eficácia do Bitcoin se combinaram para trazer a criptomoeda para o primeiro plano na Nigéria. Mas o que isso significa para o futuro?
Não foi uma surpresa saber que a adoção discreta do Bitcoin pelos nigerianos não tenha escapado da atenção das autoridades financeiras. A Comissão de Valores Mobiliários do país decidiu recentemente que todas as criptomoedas são consideradas títulos mobiliários.
E há sinais de que mais regulamentação está por vir. A publicação de um projeto de estrutura para uma Estratégia Nacional de Adoção de Blockchain, em outubro, trouxe a esperança de que tal movimento pudesse revitalizar a economia.
“A Nigéria tem mais chances de crescer ao se reformular e adotar o blockchain”, disse Anthony. “Temos muitos recursos [naturais], e se o governo puder integrar o blockchain por meio do petróleo da Nigéria, seria mais fácil apoiar [a] Naira e também trazer mais adoção em massa”.
A estrutura inclui uma grande supervisão regulatória. Mas observadores, como Sawyerr, acreditam que regulamentações restritivas não fazem sentido no clima econômico atual e que é improvável que as novas regras ganhem força devido à falta de recursos.
Banir o Bitcoin significaria destruir negócios e crescimento econômico, porque não há moeda estrangeira suficiente para atender à demanda do país, ele disse: “Realmente não faz sentido para eles dificultar o mercado quando, no caso da Nigéria, o Bitcoin está resolvendo um problema real para as pessoas.”
Os volumes de negociações comerciais em criptomoedas da África são muito pequenos, meros 2% dos volumes globais, mas o surgimento de Bitcoin e outras criptomoedas criam um valor de mudança de vida aqui, em comparação com outras regiões, disse Sawyerr.
“Não quero subestimar a gradiosidade disso”, acrescentou. “As pessoas podem operar negócios que antes não podiam; o Bitcoin permitiu que os jovens tivessem algum nível de soberania e independência e lhes permitiu criar valor — serem pagos por isso desta forma — isso é gigante.”
*Traduzido e editado com autorização da Decrypt.co