“Inflação vai ceder nos EUA no final do ano que vem”, diz economista-chefe da Rico

Rachel Borges de Sá, chefe de economia Rico, analisa previsões de que inflação nos EUA será duradoura
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Rachel Borges de Sá, chefe de economia da Rico (Foto: Divulgação)

Deu no New York Times: os investidores em títulos do governo dos Estados Unidos passaram a acreditar que a inflação será permanente e não temporária, como inicialmente pensavam.

Um dos medidores chave para detectar como pensam os investidores é a taxa chamada de “break even”. No final de outubro ela bateu em 3%, o que significa que esse grupo entende que a inflação nos EUA será de 3% ao ano nos próximos cinco anos.

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Para o leitor brasileiro isso soaria como boa notícia. Mas para os Estados Unidos isso significa uma alta de preços muito maior do que em qualquer período da década que antecedeu a pandemia do covid-19.

“As expectativas dos investidores em títulos são importantes porque, historicamente, o Federal Reserve — responsável ​​por administrar a inflação — observa os sinais do mercado de títulos ao decidir quando aumentar as taxas de juros”, explica o jornal em sua reportagem.

Para entender melhor as origens e rumos da inflação americana, brasileira e global, o Portal do Bitcoin conversou com Rachel Borges de Sá, chefe de economia da Rico, empresa do grupo XP.

Rachel afirma que o grupo está em um meio-termo: não acha que a inflação nos Estados Unidos será tão longa, mas entende que só irá retornar ao padrão que o mercado está acostumado do meio para o final do ano que vem.

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A economista explicou como a pandemia afetou as cadeias de produção e o motivo do boom das commodities não estar ajudando na valorização do real — é sempre bom lembrar que o Brasil é um do grandes produtores de minério e grãos do mundo.

Sobre as criptomoedas como proteção da inflação, a chefe da Rico ressaltou um bom ponto: a força dos criptoativos cresce quando os governos emitem dinheiro; porém a expectativa geral é de redução de estímulos, tornando o dinheiro e outros ativos mais escassos e, em tese, reduzindo o poder do bitcoin como reserva de valor.

Leia abaixo a entrevista completa:

As criptomoedas são um bom meio de se proteger contra a inflação?
De onde vem a ideia de que o criptoativo te protegeria da inflação? Do fato de que ele é finito. Não é como fiat currency, que é emitida sem lastro.  Se a gente pensar do ponto vista do que se está imaginando como próximos passos da economia global, haverá uma redução de estímulos. Em tese, quanto mais moeda está sendo jogada na economia, mais os criptoativos se valorizam, porque eles têm um lastro. Mas o movimento é o contrário, de redução dos estímulos.  

Não temos recomendação de criptoativos porque a gente não faz análise de cada um desses criptoativos. O que dizemos é que pode ser um ativo interessante, ainda mais agora que investidores institucionais estão entrando. Mas a gente sempre ressalta que deve ser uma pequena parte do portfólio. Se o investidor quiser, aconselhamos que seja menos de 5% do portfólio e apenas se ele tiver um perfil mais arrojado, porque tem muita volatilidade.

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O que está pressionando a inflação nos Estados Unidos e no resto do mundo?
Estamos passando por um período pandêmico no qual muita coisa ficou fechada por muito tempo. Então a demanda se manteve, mas a oferta foi reduzida. Por um fator totalmente inédito, as fábricas ficaram fechadas, a exploração de minérios parou, os portos pararam. Tudo parou por um tempo e conforme isso foi voltando, não foi uma volta igual. Alguns países já voltaram, outros estão com política de tolerância zero como a China — lá um caso de Covid faz com que tudo seja fechado, o porto, a cidade — e isso prejudica muito as cadeias de valor e faz com que os preços subam.

A inflação de custos, que é uma inflação mais ligada aos preços do produtor, está muito pressionada. Então quando olhamos para commodities: petróleo está muito alto, gás natural está muito alto. Tudo que é insumo, e isso vai além das commodities: plásticos, borracha, vidro. Estamos com problema muito grande nas cadeias de suprimento globais e isso faz com que o preço suba a haja até escassez desses itens. Então esse é o principal freio que a gente vê na cadeia econômica no momento.

Além da pandemia, o que vem influenciando na alta da inflação global?
É a tempestade perfeita: tem movimentos geopolíticos e movimentos naturais. A falta de chuva em países que dependem de energia vinda de hidrelétricas faz com que aumente a demanda pelo gás natural. E aí tem uma questão entre Rússia e União Europeia, no qual a Rússia está dificultando a exportação de gás. A Europa teve um outono muito frio. Um monte de coisa em cima da outra. Tem a OPEP que falou que não vai aumentar a oferta de petróleo mesmo com a demanda subindo muito. Tudo isso faz pressionar a inflação.

Como os Bancos Centrais reagiram às dificuldades vindas com a pandemia?
Os juros ficaram muito baixos por muito tempo para estimular a economia, por conta da pandemia. No mundo todo, quando a pandemia chegou, os bancos centrais começaram a baixar os juros e usar outras ferramentas monetárias, como ir ao mercado e comprar títulos. Não só da dívida do tesouro, mas também ativos e até derivativos. Porque se o Banco Central está aumentando seu balanço, ele está tirando esse ativo de circulação e injetando indiretamente dinheiro na economia. Isso é para incentivar a economia para além da política de manejo dos juros baixos.

Tivemos então uma política monetária muito expansionista. Até no Brasil tivemos juros reais, que são os juros menos inflação, super baixos. Agora nos Estados Unidos se está discutindo que o Banco Central vai começar a reduzir os estímulos. Você tem uma economia que já se recuperou em grande parte do que caiu na pandemia.

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Os pacotes trilionários que presidente americano Joe Biden pretende implementar podem afetar a inflação do Estados Unidos?
Tem ótimos economistas opinando dos dois lados. Alguns economistas acham que o pacote de infraestrutura e da família americana não são inflacionários por si só, porque é um gasto que você tem ao longo de dez anos, que aumenta a produtividade, que isso não necessariamente vai ter uma pressão inflacionária. Mas é lógico que quanto mais dinheiro na economia, você tem uma expectativa maior de os preços subirem no futuro.

Qual a visão de vocês sobre se a tendência de alta na inflação dos Estados Unidos é passageira ou permanente?
Na nossa visão é o meio-termo. Achamos que muito do que está acontecendo na inflação americana é temporário. Quando você olha por exemplo o preço de carros usados, o setor de serviços, como hotelaria, passagem de avião, muita gente quer retomar as atividades e, por isso, essas pressões vão continuar por um tempo.

O que está sendo mais duradouro do que o esperado: essa questão da cadeia de suprimento. Principalmente por conta da volta não uniforme dos países a normalidade. E também não tinha como calcular o impacto das fábricas paradas, isso nunca tinha acontecido na história.

Mas a gente acha que essa pressão deve ceder ao longo do ano que vem e que o Banco Central americano vai reduzir a conta de ativos que ele possui. E a discussão agora é quando ele vai começar a subir os juros.

Mas a gente não acha que a inflação nos Estados Unidos vai seguir muito acima da meta ao longo do ano que vem. Lógico, no acumulado de 12 meses isso ainda segue alto. Mas achamos que isso deve começar a ceder ali do meio para o final do ano que vem.

A alta do preço das commodities não deveria ser benéfica para o Brasil e ajudar a melhorar o câmbio?
A nossa exportação está indo muito bem, se você olha os balanços. Mas do ponto de vista do câmbio, está sendo neutro. Pela quantidade de dinheiro que está entrando, o real deveria estar mais valorizado, mas o dólar é um ativo financeiro, então ele também reflete os riscos que são principalmente fiscais e políticos. O investidor quer precificar, ele precifica na moeda.