Já tivemos a oportunidade de analisar, em nosso artigo anterior, os conceitos, as características e controvérsias jurídicas envolvendo os NFTs. Apesar de terem sido inicialmente concebidos para outras finalidades e outros mercados, os NFTs podem ter sua aplicação ainda mais difundida pela sua combinação com outra tecnologia que possui grande potencial disruptivo: a impressão 3D.
Em síntese, a impressão 3D, também conhecida como fabricação aditiva, viabiliza a produção de bens diversos pela deposição sucessiva de camadas de matéria-prima com base em determinados métodos, de modo que o bem desejado é “impresso” (fabricado) em três dimensões.
Originariamente projetada para aplicação no âmbito da prototipagem rápida, a expiração de uma importante patente do setor e o advento das novas tecnologias (compartilhamento de arquivos digitais, etc.) permitiram o rápido desenvolvimento da tecnologia e sua expansão para outros setores.
A tecnologia está incluída na pauta da política de desenvolvimento de diversos países, o que, inclusive, é evidenciado pelo discurso do ex-presidente dos EUA, Barack Obama, realizado em fevereiro de 2013, onde foi destacada a importância da tecnologia diante do seu potencial de revolucionar a maneira pela qual os bens são produzidos.
A impressão 3D, portanto, altera os paradigmas de produção atualmente existentes, permite a produção em massa de bens personalizados, viabiliza o aumento da eficiência (redução de custos de produção, estoque, etc.) e simplifica cadeias econômicas (a alteração da rede de fornecedores).
Qual seria, então, a intersecção entre NFTs e a tecnologia da impressão 3D? Trata-se do elemento de fundamental importância para impressão de bens em três dimensões: o arquivo digital imprimível, também chamado de blueprint.
Blueprint
Em resumo, o blueprint contém a representação tridimensional do bem que se pretende imprimir. É a partir do blueprint que a impressora 3D desafia os limites entre realidade e virtualidade, na medida em que a tecnologia permite a materialização de qualquer tipo de bem a partir de um bem intangível.
Embora, em sua “forma”, possa ser comparado a um documento eletrônico no formato “.pdf”, trata-se de arquivo digital que contém não só uma imagem, mas, também, todas as instruções e coordenadas necessárias para que a impressora 3D realize a sequência de movimentos para a impressão do objeto a que se refere o blueprint.
Assim, pela legislação brasileira, o blueprint não é considerado um software. Trata-se de um arquivo digital protegido pela legislação de direitos autorais que pode ser comercializado por diversas formas, inclusive aquelas adotadas para a comercialização de programas de computador (licença de uso, licença de comercialização, etc.).
O blueprint pode ser elaborado mediante a utilização de softwares de modelagem tridimensional (como AutoCAD) ou, ainda, pelo escaneamento do objeto tangível. E, para além de sua elaboração, atualmente diversos blueprints podem ser facilmente obtidos em sites de compartilhamento, como o Thingiverse. Basta obter um blueprint para que qualquer pessoa com acesso a uma impressora 3D possa produzir um bem.
O blueprint pode ser encontrado em diversos formatos, sendo mais comum a utilização da extensão “.STL” (arquivo rede de superfície/surface-mesh file, formado por diversos pequenos triângulos), apesar de suas limitações técnicas. Para que seja impresso, esse arquivo é convertido para o formato passível de utilização em determinada impressora 3D, conhecido como arquivo “código G”.
Feitas tais considerações, é possível reconhecer que um NFT é um veículo adequado para conferir acesso a determinado blueprint ou, ainda, licenciar determinados direitos (direito de uso, direito de comercialização, “direito à impressão” por determinado número de vezes) subjacentes ao blueprint.
NFT garante autoria do Blueprint
O NFT seria instrumento para resolver problemas relacionados à autoria do blueprint, na medida em que a tecnologia permite assegurar a identificação da pessoa responsável pela sua elaboração (proof of ownership), a forma de remuneração (inclusive no que tange ao direito de sequência) e as condições segundo as quais o objeto pode ser licitamente impresso (o que poderia favorecer o desenvolvimento de um mercado secundário de NFTs de blueprints).
Além disso, tratando-se de um NFT, as transações estariam registradas na blockchain, o que garantiria segurança às operações envolvendo determinado blueprint.
A utilização de um NFT, nesse aspecto, é de suma importância, já que blueprints não podem ser diretamente registrados diretamente na blockchain. Isso porque alguns blueprints consomem grande quantidade de armazenamento, ao passo que a blockchain não foi desenvolvida para lidar com dados pesados. O NFT, portanto, não conteria o blueprint em si considerado, mas, sim, o endereço de onde está armazenado o blueprint (URL ou IPFS).
As breves considerações acima permitem concluir pela inconsistência da argumentação de que um NFT não possuiria “utilidade” por ser algo “virtual”. A tecnologia inerente aos NFTs possui aplicações infinitas, sendo certo que poderá assumir protagonismo para o desenvolvimento e popularização da impressão 3D.
Fixadas as premissas técnicas necessárias à compreensão do fenômeno, em nosso próximo artigo, trataremos dos efeitos tributários das operações com blueprints, NFTs e impressão 3D.
Sobre os autores
Daniel de Paiva Gomes é professor de Direito e doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP. É autor do livro ‘Bitcoin: a Tributação de Criptomoedas’, publicado pela Thomson Reuters Revista dos Tribunais.
Eduardo de Paiva Gomes é mestre em Direito Tributário, professor de cursos de pós-graduação e Conselheiro Suplente do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo.