“Comprei um curso de day trade e fui enganado. Posso pedir meu dinheiro de volta?”

Principais problemas dos cursos são: demora na entrega, falta de suporte e má qualidade das mídias
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Imagem: Shutterstock

Com a chegada de milhares de novos CPFs à bolsa de valores, se tornou febre no Brasil a modalidade do day trade. Com o movimento, surgiram também diversos cursos prometendo ganhos certeiros com técnicas fáceis, que só funcionam nas promessas feitas via Youtube ou Instagram.

Diante disso, em caso de arrependimento, o que um consumidor que se sentiu enganado e quer seu dinheiro de volta pode fazer? O Portal do Bitcoin conversou com especialistas em direito do consumidor para orientar sobre o arrependimento da compra.

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O advogado Igor Marchetti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), explica que pela lei dentro do prazo de sete dias, o consumidor pode cancelar a compra e pedir o dinheiro de volta:

“A empresa não tem escolha em devolver ou não a quantia do consumidor, não podendo inclusive cobrar quaisquer taxas ou multas”.

Após o prazo, explicou, a pessoa poderá fazer o cancelamento, mas ficará sujeita às cláusulas contratuais de rescisão. Neste caso, pode ser cobrada uma multa de não pode passar de 10% das parcelas que estão para vencer.

Marchetti disse que caso a empresa se recuse a cancelar, o consumidor poderá realizar reclamação para o Procon, a fim de que medidas administrativas sejam tomadas (inclusive eventualmente suspensão da atividade e impossibilidade de ofertar o curso), e realizar uma notificação para a devolução dos valores.

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Em caso de inércia do fornecedor, completou, poderá ainda ingressar com ação exigindo o dinheiro de volta com correção monetária e juros a contar do pedido de cancelamento realizado pelo consumidor.    

Posso processar o vendedor?

De acordo com vários relatos públicos, o arrependimento de ter adquirido um certo tipo curso ocorre também por outros fatores, como a demora na entrega, falta de suporte e má qualidade das mídias.

Por isso, muitos consumidores pedem o dinheiro de volta, mas sem sucesso. Logo, os vendedores podem sofrer processo, segundo o advogado Filipe Porto, sócio do escritório Pereira, Porto e Penedo Advogados Associados.

Como todo consumidor, disse, a pessoa tem que ser diligente na pesquisa desses serviços — de quem ela está contratando; quem é essa pessoa que está oferecendo o curso, qual o histórico dela”.

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Porto, que é especialista em Processo Civil, disse que tal demanda é um dos problemas que muita gente enfrentou na pandemia com a tecnologia.

Seja qual for o curso — de day trade ou de coach financeiro — há uma relação de consumo pelos serviços que as pessoas estão contratando, explicou. E num momento com esse, de pandemia que o país enfrenta, essas ofertas chamam a atenção.

“É fácil dizer: ‘fiz economia’; ‘tenho pós-graduação’; ‘aplico na bolsa’; ‘com certeza vou te dar um excelente background’”, explicou, acrescentando:

“Se mesmo assim a pessoa contrata o serviço e ele é mau executado, se houve falha na divulgação da publicidade, na informação quanto aos riscos do negócio, há sim uma chance de entrar no juizado especial cível, na vara comum cível, para pleitear o que perdeu”.

Não gostei do curso de day trade e quero cancelar

Segundo o juiz Fábio Calheiros do Nascimento, que atua no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em regra, gostar ou não gostar do produto ou serviço contratado não dá direito de extinguir o contrato.

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“A pessoa é livre para decidir com quem contratar, como contratar e quando contratar, mas uma vez contratado, deve cumprir o que foi avençado”, disse.

Sobre os cursos, explicou que “por se tratar de produto oferecido no mercado, visando lucro, a relação é de consumo, por isso incide o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“Isto é relevante porque o artigo 49 do CDC dispõe que o consumidor pode desistir da contratação em 7 dias, a contar da assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento, como é o caso em tela: contratos firmados de casa, em razão da pandemia”, explicou.

O magistrado destacou a Lei 14.010/2020, criada em caráter emergencial pelo governo federal diante da pandemia do coronavírus. Conforme explicou, a lei afastou a aplicação do supracitado artigo 49 do CDC em algumas hipóteses.

“Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”. 

Relação de consumo é relação jurídica civil 

De acordo com Calheiros, diferentemente da desistência, contudo, são os casos de resilição e resolução do contrato, que são espécies de extinção de um contrato previstas no Código Civil.

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“Quando se contrata, pode-se estabelecer o direito de qualquer das partes de extinguir unilateralmente o contrato, o que é a resilição (um dos meios de extinção do contrato, através de acordo entre as partes). Somente se isso está previsto no contrato é que o contratante pode manifestar a intenção de extingui-lo, e aí se o faz porque não gostou do curso ou por outro motivo, isso não importa”.

Outro ponto, segundo Calheiros, em caso de o cliente acusar a empresa de descumprimento, ele terá que provar.

“A resolução, por sua vez, é a forma de extinção do contrato que decorre do inadimplemento, isto é, do descumprimento. Caso o contratante entenda que o fornecedor do curso não cumpriu a obrigação contratada, tem direito de extinguir o contrato e obter o dinheiro de volta. Mas, claro, a prova de que houve descumprimento, a rigor, é do cliente contratante”, concluiu.

Onda de cursos day trade

Com a chegada da pandemia de coronavírus, que ocasionou o isolamento social, houve um aumento na procura por renda extra na internet. Os traders mais antigos começaram então a ofertar diversos cursos, porém muitas vezes sem suporte adequado para uma demanda de milhares de alunos.

A ‘moda’ se espalhou e foi parar em grandes plataformas de vendas, como OLX e Mercado Livre. Devido a isso, uma onda gigantesca de reclamações começou a aparecer nas redes sociais e, em maioria, no Reclame Aqui, site que mede a reputação de empresas junto aos clientes.

Muitas das queixas são por conta da não devolução do valor pago pelos cursos, devido ao arrependimento da compra, mesmo dentro do prazo estabelecido por lei.