Acusado de comandar um golpe milionário em diversos países, o brasileiro Gutemberg dos Santos, preso no Panamá pela polícia dos EUA, esteve envolvido com pirâmide financeira há pelo menos oito anos. Agora este histórico de práticas ilegais vai pesar no seu futuro que estará nas mãos da Justiça americana.
No caso ‘Airbit Club’, Gutemberg já ‘ganhou’ seu status de líder do golpe com criptomoedas, juntamente com o sócio Pablo Renato Rodriguez, possível mentor do brasileiro. A história, contudo, mostra que ambos ‘fizeram escola’ com outras fraudes.
Conforme as investigações da reportagem, foram encontrada pelo menos duas: Vizinova e WCM777. Apesar da tentativa de líderes, A WCM não vingou no Brasil. A Airbit Club sim. Inclusive o site ainda continua no ar, sem denúncias nos órgãos oficiais sobre susposta pirâmide financeira.
Reclamações no site Reclame Aqui mostram que empresa parou de dar suporte há tempos e há bastante registro sobre falta pagamento.
Apesar de haver vários processos na Justiça, não se sabe a proporção em termos financeiros tomada pelo negócio no Brasil. Nos Estados Unidos, o golpe foi na ordem de US$ 20 milhões (R$ 100 milhões).
“Empresário”, “empreendedor”, “coach”, ultimamente nas redes sociais, o pernambucano de Recife — criado em São Paulo — vinha se apresentando como ‘palestrante motivacional’.
Uma de suas bandeiras é “preparar jovens empreendedores”. Sua formação, contudo, não é sabida, mas tem um irmão doutor. Sabe-se, porém, que suas atividades sempre foram ligadas ao setor de tecnologia. Há artigo dele sobre contratos inteligentes via blockchain e entrevista no YouTube.
Em sua página na internet, Gutemberg é apresentado como “empresário de sucesso”, que desde cedo, aos 11 anos, começou a desenvolver habilidades empreendedoras. Um brand voice publicado em um site famoso conta conta que ele cresceu em uma família de militares e que por isso promovia a “’disciplina como um modo de vida”.
No ano passado, houve quem o colocasse dentre as personalidades mais influentes no mercado de criptomoedas e blockchain. O site responsável pelo ‘Top 100’ não está disponível, mas há registro no Twitter sobre tal façanha.
Pirâmide financeira
Uma empresa chamada WCM777 pode ter sido a primeira pirâmide financeira abraçada por Gutemberg. Supostamente na condição de líder, o negócio pode ter servido de escola para as posteriores Vizinova e Airbit Club.
Conforme vídeo publicado no Youtube, datado de 31 de agosto de 2013, o brasileiro já fazia o mesmo discurso usado nos mais recentes casos de pirâmides.
“É uma empresa que está vindo pra ficar. É uma empresa do futuro e do presente que você tem uma chance única de ajudar muita gente aí no Brasil”.
E deu tempo do esquema deslanchar, pois stop order da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) só chegou em março de 2014. De acordo com a reguladora, a WCM777 se passava por uma empresa de marketing multinível vendendo serviços de computação em nuvem de terceiros.
Segundo o documento, o negócio que tinha escritórios em Hong Kong e Califórnia era controlado por “Phil” Ming Xu, morador da cidade de Temple City, naquele estado americano. Phil e seus líderes levantaram mais de US$ 65 milhões com a promessa de dobrar o capital dos investidores em poucos meses.
O esquema era o mesmo da Airbit, conversão de dinheiro em pontos que seriam aplicados em IPOs de empresas de alta tecnologia que a WCM777 ajudaria a lançar. No entanto, diz o documento, em vez de incubar empresas, o dinheiro era usado para manter o esquema de pirâmide, pagar despesas próprias e comprar bens.
“Eles também gastaram o dinheiro dos investidores na compra de campos de golfe e outras propriedades com sede nos Estados Unidos, entre outras despesas não autorizadas”, disse a SEC na época.
O órgão pediu então à Justiça dos EUA o congelamento de ativos e a nomeação de um administrador judicial para resguardar os fundos até o julgamento do caso.
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Segunda pirâmide financeira: Vizinova
Depois da investida da SEC, Gutemberg e Rodriguez criaram a Vizanova, em meados de 201. Por meio do negócio, eles ofereciam planos de investimentos com rendimentos estratosféricos. Assim como na WCM e posteriormente na Airbit, o modelo consistia na venda de pontos que poderiam ser usados em um e-commerce.
No entanto, eram poucos os produtos oferecidos na plataforma. Os que haviam, eram apenas para legitimar o ‘empreendimento’. O verdadeiro incentivo aos afiliados era de aumentar a rede para obter mais bonificação.
No plano de carreira oferecido na Vizinova, quem vendesse 50 pacotes ganha um tablet e 1.000 pacotes um Rolex. 50.000 pacotes vendidos dava o ‘direito’ de se tornar diretor e receber uma casa no valor de US$ 1 milhão
Após a intervenção da SEC em 2017, o advogado Scott Hughes — também preso pela força tarefa americana — ajudou Rodriguez e Gutemberg a lavar dinheiro e a remover informações negativas da Internet. A dupla foi então condenada a devolver mais de US$ 1 milhão.
Airbit Club no mundo
Há registros de que a Airbit foi além das Américas. Itália, onde teve até stop order do regulador italiano, Consob; Dubai, e em países asiáticos como Filipinas. No continente sul-americano então, o negócio estava por tudo quanto é canto.
Em plena expansão em 2017, a equipe de Gutemberg começou a ocupar escritórios no Brasil e nos países vizinhos. O de São Paulo, por exemplo, funcionou próxima à capital, no Green Office Jaguaré, conforme coquetel de inauguração publicado no Youtube. Àquela altura, no México, a Airbit Club dizia ser a patrocinadora oficial da turnê de Robert Kiyosaki, autor do best seller “Pai Rico, Pai Pobre”.
E o grupo não parava de ocupar palcos em diversos países com eventos para chamar mais pessoas. Em pelo menos dois eventos, esteve o ex-jogador e capitão da Seleção Brasileira de futebol, Cafu, como garoto-propaganda.
Airbit Club nos EUA
Como aconteceu no Brasil, a Airbit Club deixou de pagar muitos clientes nos EUA. Segundo a promotoria americana, uma vítima disse que teve sua conta encerrada e os fundos perdidos.
Ao reclamar na plataforma, avisaram-na que havia sido feita uma “execução da reserva de sustentabilidade financeira”, por motivos motivos econômicos devido à crise do coronavírus.
Sobre a plataforma da Airbit Club, a promotoria americana descreveu:
“Embora as vítimas vissem ‘lucros’ se acumularem em suas contas online, os números eram falsos: de fato, nenhuma mineração ou negociação de bitcoins em nome das vítimas ocorreu. Em vez disso, eles enriqueceram”.
Outro trecho diz o seguinte:
“Os fundos arrecadados, porém, não foram invertidos. “Em vez disso, eles enriqueceram comprando carros, joias, casas luxuosas, financiando mais eventos para recrutar mais vítimas”, diz um trecho do relatório do tribunal de Nova York.
Até o fechamento do texto o DoJ não havia publicado nenhuma atualização sobre o caso.