Ao longo do mês de junho, uma das notícias que mais tem circulado no meio financeiro e de tecnologia digital é a do lançamento de uma plataforma blockchain russa para processamento de pagamentos internacionais. O nome dessa nova blockchain é CELL.
Segundo muitos relatos, essa blockchain estaria sendo visada pela Rússia como uma alternativa ao sistema de pagamentos internacional SWIFT. Mas muitos críticos não estão tão confiantes de que isso vá realmente acontecer.
A seguir, veremos o que se sabe sobre a CELL, como ela funcionará e quais serão as possíveis consequências de seu lançamento.
O que é a CELL, e como funcionará
A CELL é uma blockchain desenvolvida na Rússia pelo grupo ROSTEC, que a intitula como “plataforma blockchain industrial CELL”. O ROSTEC é uma agência governamental militar russa, cuja função é justamente o desenvolvimento de tecnologias estratégicas. Mais especificamente, a encarregada pelo projeto CELL é a subdivisão “Novosibirsk Institute of Software Systems” (NICS). A apresentação inicial da CELL ocorreu na primeira semana de junho, em uma conferência em Nizhny Novgorod.
Não foram divulgados muitos detalhes sobre o funcionamento e as características da CELL. O que se sabe deriva principalmente do que foi exposto no próprio site da plataforma. Segundo a página, a blockchain CELL utiliza o algoritmo de validação por prova de autoridade (PoA), algo que é bastante comum em blockchains centralizadas por governos federais. A própria Rede Blockchain Brasil, em desenvolvimento no nosso país, também adota um algoritmo desse tipo.
Na validação por prova de autoridade, apenas um grupo seleto de nós na rede tem permissão para validar operações. O algoritmo é muito mais robusto, rápido e eficiente do que o utilizado por blockchains descentralizadas conhecidas, como Ethereum (Prova de Participação) e Bitcoin (Prova de Trabalho), tornando o preço das transações muito menor. Os dados divulgados pelo ROSTEC são de que a CELL será capaz de processar 100.000 transações por segundo, e essa velocidade poderá ser até duas vezes maior no futuro.
Por outro lado, por maior que seja o número de nós integrando uma rede blockchain desse tipo, ela ainda não é verdadeiramente descentralizada. A prova de autoridade tem como base um grau mínimo de centralização do sistema, colocando poder de voto e veto normalmente nas mãos dos nós participantes com status de fundadores e controladores. Em outras palavras, o nível de segurança e confiabilidade de uma blockchain governamental como essa depende da confiança no próprio governo que a sustenta, no caso, o da Rússia.
Conforme o NICS, a plataforma CELL integrará um sistema digital para realização de pagamentos nas moedas nacionais de todos os países que escolherem se integrar a ela. Uma grande propaganda foi feita acerca da capacidade da CELL de, a longo prazo, substituir a plataforma SWIFT com níveis de eficiência e segurança similares. A SWIFT é a plataforma mais usada atualmente para transações financeiras internacionais. A CELL também possibilitará a criação de carteiras individuais para que os usuários armazenem suas criptomoedas.
Contexto por trás do lançamento da CELL
Desde os acontecimentos na Ucrânia, a Rússia tem sido alvo de inúmeras sanções vindas dos Estados Unidos e da União Europeia. Uma das mais significativas foi o banimento da Rússia da Plataforma SWIFT, na tentativa de isolar e travar as fortunas dos grandes bilionários e das empresas russas, colocando-os em conflito direto com o governo Putin.
Dessa forma, o ROSTEC fala abertamente sobre as intenções por trás do lançamento da CELL. O governo russo tem direcionado uma boa parte de seus investimentos e atenção no desenvolvimento de tecnologias relacionadas a blockchain e criptomoedas, de forma a contornar os problemas das sanções ocidentais e do embargo ao SWIFT.
A Rússia também mudou radicalmente sua posição acerca da regulamentação de criptomoedas. Apesar de originalmente propor, no final de 2021, um banimento cripto completo, o desfecho geopolítico deste ano fez o governo reconsiderar. Algumas semanas antes do anúncio da CELL, o governo russo já anunciava, também, estar considerando a adoção de criptomoedas como meio de pagamento internacional oficial.
A CELL está sendo especialmente pensada para alcançar grandes empresas – nacionais e internacionais – que têm fortes vínculos com a Rússia, bem como os governos e autoridades de outros países, bancos e instituições financeiras que mantêm laços e relações de comércio com Moscou.
A CELL vai substituir o SWIFT?
Em teoria, uma blockchain como a CELL teria toda a estrutura e a capacidade técnica de funcionamento adequada para substituir o SWIFT, confirmando-se a propaganda divulgada pelo NICS. As operações financeiras seriam realizadas com velocidade e segurança e, por se tratar de uma blockchain, não haveria possibilidade de banimentos e sanções vindas de lugar algum.
Burlar Washington dependeria de uma adoção da CELL por parte dos indivíduos, empresas, instituições e/ou governos do ocidente e do mundo, em grande escala, alicerçada em uma alta confiança na autoridade que controla e fiscaliza essa blockchain. Contudo, o governo Putin não é um dos mais populares no momento, nem mesmo dentro de seu próprio país. Se essa adoção realmente ocorrerá, só o futuro dirá.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. Atua como Business Development Manager Brasil na Kucoin.