Bolhas no mercado de bitcoins: uma abordagem comportamental

Estudo busca encontrar padrões no comportamento dos preços do ativos digital
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O tema de moedas privadas e descentralizadas tomou força especialmente na última década com o surgimento e popularização das criptomoedas (impulsionadas pela principal delas, é claro, o Bitcoin). No entanto, a ideia de moedas descentralizadas já era discutida há muito mais tempo.

O economista Friedrich Hayek, ganhador do prêmio Nobel em 1974, ainda nos anos 70 propôs em ‘The Denationalisation of Money’ um sistema monetário de moedas privadas competindo entre si, em contraposição à moeda fiduciária estatal emitida de forma centralizada por bancos centrais.

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No entanto, na ideia de Hayek se baseava em bancos privados regulando a emissão de suas moedas com o objetivo de mantê-las estáveis. O reflexo real que essas ideias tiveram mais tarde, através das criptomoedas, foi algo totalmente diferente.

Em parte influenciados por Hayek, o movimento ‘criptoanarquista’ dos anos 80 deu origem às ideias que eventualmente se transformariam no ecossistema Bitcoin.

É claro, há uma diferença grande entre o sistema proposto por Hayek e o que de fato se materializou e se popularizou através do Bitcoin: a ausência de um emissor central, com a emissão total de unidades monetárias fixas e uma taxa de emissão exógena.

Este fato gera uma dinâmica própria para o mercado de bitcoins e pode ser um dos fatores por trás de sua alta volatilidade.

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Bolhas do bitcoin

Um interesse surgiu em desenvolver modelos para compreender melhor essa dinâmica de preços; em especial, alguns economistas se concentraram em tentar explicar os diversos períodos de crescimento explosivo de preços e subsequente colapso (as bolhas) nesse mercado.

Um dos exemplos mais frequentemente apontados desse tipo de episódio foi o colapso de preços após o colapso da exchange Mt. Gox. Desde então, outros episódios se repetiram no histórico de preços, como a ascensão recorde dos preços durante o ano de 2017 e a subsequente queda abrupta ao final do ano.

Em 2015, Cheung, Roca e Su utilizaram uma metodologia econométrica nova (PSY, uma generalização de um teste de raiz-unitária), desenvolvida por Peter C. B. Phillips, um dos economistas mais influentes do mundo, para datar os períodos de bolha no histórico dos preços da Mt. Gox.

Nesse trabalho, eles encontraram essencialmente três bolhas principais: a primeira entre abril e julho de 2011, com seu colapso atribuído a um episódio de hackeamento da Mt. Gox; a segunda entre janeiro e abril de 2013, atribuída à suspensão das negociações da exchange no período; a terceira, e maior, foi datada de novembro de 2013 a fevereiro de 2014, com seu colapso atribuído à suspensão de retiradas e subsequente fechamento da corretora.

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Portanto, aparentemente houve uma correspondência entre os resultados empíricos e eventos históricos negativos associados ao Bitcoin em cada um desses momentos de colapso.

Datação em tempo real

Em um trabalho de 2019 eu, entre outras coisas, repeti a análise acima, expandindo-a com a série de preços até meados de 2018. O objetivo foi investigar a ascensão meteórica de preços durante o ano de 2017, quando a bitcoin atingiu seus recordes de preços até então, e a eventual queda subsequente.

Além de identificar períodos de bolha semelhantes dos de Cheung, Roca e Su, eu datei, utilizando a metodologia PSY, a maior bolha até então, iniciada em 28/04/2017 e ativa até o fim da série (09/04/2018).

A vantagem desse procedimento é que permite a datação em tempo real de bolhas; isto é, ele pode identificar, através de uma série de critérios e inferências estatísticas, se atualmente a série de preços se encontra em um período de bolha ou não.

Conforme o tempo passa e novos dados são gerados, o modelo pode ser alimentado com esses dados novos e a janela de tempo da bolha pode ser estendida (caso o crescimento dos preços permaneça suficientemente alto) ou não (caso haja um colapso). Ele provê, portanto, uma ferramenta poderosa tanto para pesquisadores quanto para investidores tentando medir o momento atual da criptomoeda.

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Mas quais são as explicações teóricas para esses fenômenos? Quais são as características próprias do mercado de bitcoins que permitem, ou favorecem, o surgimento de períodos explosivos de preços? Tentar identificar períodos de crescimento explosivo de preços é uma coisa; encontrar uma explicação para o fenômeno sistemático das bolhas é algo diferente. Esta provavelmente é a pergunta mais difícil de se responder, e certamente se encontrarão diferentes respostas quando a pergunta é analisada sob diferentes prismas.

Lei de Metcalfe

Uma das explicações, proposta por Sornette e coautores, vem da Lei de Metcalfe. Esta “lei” (que deve ser encarada mais como uma aproximação, ou “regra de bolso”), proposta pelo inventor do Ethernet, Robert Metcalfe, afirma que o valor de uma rede é proporcional ao quadrado do número de usuários. 

A motivação para isso se relaciona ao número de conexões totais entre os nós de uma rede, que é da ordem do quadrado de n. Assumindo conexão parcial em sua modelagem do Bitcoin, Sornette e os autores tentam prever a capitalização de mercado do bitcoin com um modelo baseado na Lei de Metcalfe.

Uma hipótese direta, diante dessa interpretação, vem da relação entre o número de usuários e o valor fundamental da rede. Aumentos repentinos nos preços atraem novos usuários, que projetam para o futuro os altos retornos observados recentemente; o aumento na base de usuários aumenta o valor fundamental da rede.

Por outro lado, durante um período de bolha, à medida que os investidores atualizam suas expectativas (subjetivas) e passam a perceber os preços atuais como relativamente altos, esperando uma correção em direção ao preços mais baixos que refletiriam melhor os fundamentos, aumentam os incentivos para que estes liquidem suas posições.

O efeito, analogamente, é de queda do valor fundamental da rede, que estimula a saída de outros usuários.

Sem consenso claro para explicar bolhas

Essa interpretação poderia explicar os movimentos explosivos nos preços, mas não é de forma alguma a única. Outra explicação, por exemplo, é que a presença de HODLers (indivíduos com horizontes de tempo muito longos, com uma filosofia de buy-and-hold) geraria choques positivos sobre a demanda, tornando mais difícil que investidores corrigissem preços distoantes dos fundamentos.

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Em suma, embora haja esforços para explicar teoricamente a presença de bolhas no mercado de bitcoins, em particular, e de criptomoedas em geral, não existe um consenso claro sobre o tema.

Uma das grandes dificuldades é que existem muitas formas de analisar o mercado e o ecossistema Bitcoin, seja sob a perspectiva de usuários interagindo em uma rede, da estrutura de incentivos no processo de mineração ou da perspectiva de finanças (e economia comportamental) para sua precificação.

Essa interdisciplinaridade, por outro lado, pode ser uma oportunidade de aplicar métodos de diferentes áreas para estudar o mercado e contribuir, em última análise, para o aprimoramento do Bitcoin.

Mais uma vez, o mercado de bitcoins gera o incentivo, através da possibilidade de altos retornos, para estimular e recompensar os investidores mais capazes de compreender o funcionamento do mercado e da dinâmica de preços.

Sobre o autor

Bernardo Lembi Ramalho Maciel, mestrando em Economia na FGV-EESP, foi vencedor do XXVI Prêmio CORECON de Monografias em Economia no Distrito Federal com a dissertação “Bolhas no mercado de bitcoins: uma abordagem comportamental”