Desde que a corretora Binance trocou de parceiro bancário no Brasil no final de junho, passando a utilizar os serviços da Latam Gateway, clientes enfrentam problemas na hora de sacar dinheiro da plataforma. Já nesta semana, desde terça-feira (26), grupos de usuários passaram a ser obrigados a preencher uma espécie de “declaração de riqueza” para conseguirem sacar seus fundos.
Esses clientes – muitos dos quais atuam na intermediação direta de criptomoedas com outros investidores ou movimentam grandes valores na corretora – relatam ter recebido um formulário, após terem as contas bloqueadas por uma suposta questão de segurança.
Nesse arquivo, a corretora pede dados sobre a vida financeira dos usuários. Entre as informações que eles devem fornecer está o valor da renda anual, qual vínculo empregatício possuem e para qual empresa trabalham, bem como o endereço do local de trabalho.
No formulário, a Binance ainda quer detalhes sobre as reservas do cliente e pede que ele descreva o seu patrimônio líquido total, ou seja, o valor de todos os ativos que possui como riqueza. Mais do que isso, exige explicações de como o usuário foi capaz de acumular tal patrimônio ao longo do tempo.
A exchange também pergunta qual é a fonte dos fundos usados para transacionar na plataforma: se ele vem do salário, investimentos, ou de lucros em jogos de azar, por exemplo.
Em seguida, pede que o usuário forneça documentos que provem a origem do dinheiro que alega ter. Se o usuário é assalariado, por exemplo, deve anexar a folha de pagamento dos últimos 3 meses, ou fornecer extratos bancários que comprovem o recebimento de salário.
Caso o usuário seja trader, deve mandar capturas de tela como evidência de suas negociações bem-sucedidas. Já se o cliente é dono de um negócio, deve enviar documentos auditados das contas da empresa, ou declaração de dividendos.
Para concluir o formulário, o usuário precisa concordar em notificar a Binance imediatamente sobre qualquer modificação em qualquer uma das informações fornecidas.
Dinheiro travado na Binance
Enquanto o cliente da Binance não fornece todas as informações descritas acima, ele continua com o saque bloqueado e o dinheiro preso na plataforma.
Essa é a atual situação de Doni Nicacio, cliente há três anos da Binance no modelo P2P e que usa a plataforma principalmente para converter criptomoedas de sua empresa Zubron Intermediação de Negócios.
No caso de Nicasio, primeiro ele teve o saque restringido na corretora e uma mensagem de que sua conta poderia “estar em risco” passou a aparecer na plataforma. Em seguida, recebeu por e-mail o formulário de declaração de riqueza para preencher.
Além disso, a Binance também lhe enviou uma lista de transações feitas na plataforma pedindo que ele explicasse qual era o motivo de ter feito tais movimentações e qual era a sua relação com a contraparte de negociação.
“Simplesmente do nada eles perguntam ‘de onde você tirou esse dinheiro?’, é absurdo. Eu estou com eles há três anos e só agora vem me pedir isso”, diz Nicasio.
“Se eles acompanharem as minhas movimentações ao longo do tempo, vão ver que é algo exponencial e não um dinheiro que apareceu do nada. Eles jogam algo automatizado para todo mundo, restringem a sua conta e pedem que você mande coisas absurdas”, completa.
A reportagem do Portal do Bitcoin checou os e-mails que Nicasio recebeu e confirmou que estes partiram da Binance.
No comunicado, a corretora deu um prazo de uma semana para que ele preenchesse o formulário e explicasse a origem das transações de janeiro — um prazo que ele argumenta não ser suficiente.
“Eu já respondi o formulário e agora estou tentando analisar todas as transações, mas isso é algo bem complexo e trabalhoso. Enquanto isso, já estou há mais de uma semana com a conta congelada com US$ 23 mil lá dentro, sem que a minha empresa possa operar parte do saldo preso na corretora”, lamenta.
O cliente relata ainda que a verificação no seu caso é ainda mais complicada: segundo ele, algumas transações nas quais a Binance quer mais informações aparecem com datas que não correspondem ao seu histórico na plataforma. “Têm alguns erros bem grotescos que eles colocaram lá e que não sabem nem por que estão pedindo”.
Sobre suas movimentações na Binance, ele explica que não recebe ou manda real para a conta. As transações que faz geralmente é a conversão e envio de criptomoedas que movimenta como P2P. “Quando eu compro bitcoin e quero converter para USDT para enviar para meu cliente, por exemplo, o provedor que eu utilizava pela liquidez era a Binance”.
Por que a Binance está bloqueando saques
Na opinião do cliente afetado, a Binance pode estar tentando chegar à origem de criptomoedas de origens ilícitas que podem ter circulado dentro da comunidade P2P.
Vale lembrar que estopim para a crise entre a Binance e suas antigas parceiras Capitual e Acesso foi exatamente o desentendimento sobre regulações do Banco Central, que emitiu uma determinação para que as companhias adotassem procedimentos para a coleta e registros de informações cadastrais individuais sobre os clientes. Esse cadastro deveria incluir dados sobre nacionalidade, local de nascimento, endereço, valor da renda mensal, patrimônio e profissão dos clientes.
A empresa se posicionou contra tais exigências e deu início à uma guerra judicial pelo destino de quase R$ 500 milhões, além de trocar de parceiros – atualmente, ela usa os serviços da Latam Gateway e do Banco BS2, além de ter mantido um sistema paralelo de pagamento para algumas operações.
A reportagem do Portal do Bitcoin procurou a Binance para buscar mais detalhes sobre o bloqueio dos saques, mas a corretora não respondeu de forma direta aos questionamentos. Disse, no entanto, que “trabalha em constante parceria com reguladores, legisladores, governos e autoridades de aplicação da lei para garantir um ambiente seguro para todos os usuários, o que inclui o permanente aprimoramento e desenvolvimento de processos e ferramentas”.