*Texto atualizado às 18h40 para incluir a resposta da Binance e do banco Capitual sobre o fim da parceria entre as duas empresas.
A corretora Binance suspendeu os saques e depósitos em real na sua plataforma nesta sexta-feira (17). De acordo com imagens divulgadas por clientes da exchange, o suporte da empresa afirma que os serviços teriam sido bloqueados devido à atualização de políticas criadas pelo Banco Central (BC) do Brasil – mas não explica quais seriam essas novas medidas.
“Nosso canal de depósitos e saques de BRL via PIX e TED estão com uma instabilidade devido à atualização de Políticas instauradas pelo BACEN – Banco Central do Brasil. Os depósitos e os saques por este meio estão bloqueados, mas não se preocupe ainda pode usar outros métodos para sacar e depositar”, diz a mensagem da corretora.
Na mensagem, a Binance estabeleceu um prazo de até 72 horas para retomar os serviços. Enquanto isso, o suporte recomenda que usuários comprem criptomoedas via P2P.
Apesar do prazo informado, pode ser que a volta de saque e depósito em real na Binance leve mais tempo para voltar ao normal. Isso porque a Binance cortou suas relações com o banco Capitual, que até então era o responsável por processar os saques e depósitos para a corretora no Brasil.
A Binance confirmou essa mudança inesperada em nota enviada ao Portal do Bitcoin nesta sexta-feira, que diz:
“A Binance vai substituir a Capitual por um provedor de pagamentos local com extensa experiência, que será anunciado em breve. A exchange destaca que vai promover uma transição suave nas próximas semanas e que está tomando todas as medidas necessárias, incluindo legais relacionadas à Capitual, para assegurar que os usuários não sejam afetados negativamente pela mudança”.
Após a nota da Binance, o banco Capitual se posicionou sobre o assunto afirmando que estava apenas seguindo as obrigações impostas por reguladores.
“O Capitual pauta sua atuação pelo cumprimento da legislação e requisições dos órgãos reguladores e está comprometido com as medidas de combate à lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilícitas no mercado de criptomoedas. Desta forma, entende que as exigências de órgãos regulatórios, como o Banco Central, são mandatórias para sua operação e de seus parceiros comerciais”, diz um trecho da nota.
Binance vs Capitual
A paralisação dos saques em real na Binance e, como resultado, o fim das relações da corretora com a Capitual, está relacionada com atualizações nas regras do Banco Central do Brasil sobre o processo de “Conheça Seu Cliente” (KYC, na sigla em inglês).
O BC estabeleceu a quinta-feira (16) como prazo limite para que exchanges de criptomoedas estabelecessem “contas individualizadas” aos clientes, por questões de segurança e KYC. Para cumprir com as obrigações do BC, o Capitual afirma ter dado suporte as empresas parceiras com operação no Brasil, desenvolvendo todo o sistema solicitado pelo BC e disponibilizando-o para exchanges parceiras.
Kucoin e Huobi, por exemplo, agiram dentro do prazo e implantaram as mudanças. A Binance, por outro lado, não teria sido capaz de atender a mudança dentro do tempo estabelecido, segundo o Capitual.
Em nota à reportagem, o banco Capitual explicou como agiu para atender a nova política do BC:
“Atendendo a uma solicitação do Banco Central, o Capitual trabalhou nos últimos dois meses em uma adequação de sua plataforma tecnológica para reforçar controles e maior segurança nas operações envolvendo criptomoedas […] As exchanges parceiras KuCoin e Huobi adequaram seus sistemas às modificações ocorridas na plataforma do Capitual e os serviços prestados a seus usuários em transações com reais acontecem regularmente. No caso da Binance, o Capitual aguarda informações sobre esta adequação”.
Na quinta-feira, a corretora Kucoin afirmou em nota que “o Banco Central do Brasil exigiu a atualização da verificação de identidade dos usuários para o uso dos serviços de pagamento em BRL. O objetivo desta atualização é garantir que os pagamentos dos usuários sejam seguros e estejam em conformidade com as regulações. Os usuários serão redirecionados para a página da Capitual para completar a verificação de identidade”.
“Paciência”
A reportagem do Portal do Bitcoin confirmou que o envio e retirada de real não está disponível na Binance na tarde desta sexta. O suporte da companhia mostrou a seguinte mensagem:
“Infelizmente, comunicamos que os Saques e os Depósitos de Reais (BRL) estão passando por uma manutenção. Esse problema afetou também outros usuários como você. Lamentamos muito essa situação e pedimos sua paciência e compreensão”.
A equipe da Binance no Brasil foi procurada pela reportagem para mais esclarecimentos, porém não entrou em detalhes sobre quando os serviços voltaram ao normal ou a causa do problema.
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Com base em relatos nas redes sociais, o problema parecia afetar saques e depósitos na plataforma desde a madrugada desta sexta-feira. “Será que a Binance travou os depósitos após a meia-noite? Tentei agora pouco e estava indisponível”, tuitou o usuário @jr_hp7 às 00:38.
Ao longo do dia, mais relatos parecidos começaram a surgir no Twitter. “Algum problema para depositar FIAT BRL na corretora? Não consigo enviar dinheiro para minha conta da Binance pelo Brasil”, questionou o usuário @Marciosdutra, que mais tarde disse ter notado o mesmo problema na Kucoin. Porém, o Capitual confirmou que nesta última corretora as operações seguem normais.
Problemas anteriores
Na última segunda-feira, a Binance já havia interrompido os saques de Bitcoin (BTC) na sua plataforma de negociação em meio a um crash do mercado de criptomoedas.
No Twitter, a Binance explicou que a pausa nos saques de bitcoin foi necessária devido a uma “transação travada na cadeia”. “Nossa equipe está trabalhando em uma solução e fornecerá mais atualizações em breve”, afirmou a corretora.
Os saques foram interrompidos às 08h43 e ficaram suspensos por quase quatro horas, voltando ao normal às 12h30.
O problema de backlog, que já atingiu a corretora em outros momentos críticos, geralmente é causado quando há um aumento na demanda de saques que não conseguem ser processados a tempo, causando uma fila de pedidos acumulados. Não parece ser o mesmo caso desta sexta-feira, no entanto.
Consolidação no Brasil
A corretora está consolidando sua presença no Brasil, com a vinda do CEO Changapeng “CZ” Zhao para um tour com players do mercado e reguladores. Desde então, a corretora já fez uma série de movimentos de contratação, trazendo executivos de empresas de tecnologia para compor o seu quadro decisório no país.
Uma das definições foi de quem seria a “cara” da companhia no Brasil. O escolhido foi Daniel Mangabeira Dantas, que ocupa o cargo de diretor de Relações Institucionais para América Latina. Ele já deu entrevistas e participou de eventos como executivo da operação em território nacional.
Mangabeira passou quase sete anos nesse mesmo cargo, só que na Uber. Depois, entre julho e novembro do ano passado, entrou para o mundo cripto como Relações Institucionais da Bitso, corretora mexicana que começou uma operação no Brasil em 2021.
Além de Mangabeira, a Binance contratou Carolina Matos para seu alto escalão. A executiva foi head de Comunicações e Marketing no Twitter em passagem que durou pouco mais de quatro anos. Depois ocupou a chefia de Comunicações da Airbnb no Brasil, em passagem de 2 anos e sete meses. Agora é diretora de Relações Públicas na empresa de Changpeng CZ Zhao.
Controvérsia
Nem tudo são flores na situação da empresa no Brasil, entretanto. No final de maio, reportagem do Portal do Bitcoin mostrou uma situação controversa envolvendo a corretora.
Ao contrário do que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) havia dito em esclarecimento solicitado pelo Senado Federal, a Binance não encerrou o acesso da plataforma Binance Futures para clientes brasileiros. A corretora retirou o serviço em português brasileiro, mas os canais de atendimento orientam os usuários a mudarem o idioma para obter o acesso aos investimentos.
A Binance Futures é a plataforma para negociação de derivativos da corretora. Em julho do ano passado, a autarquia havia emitido um stop order e proibido esse tipo de operação no país sob ameaça de multa. Esse tipo de produto financeiro é considerado pela CVM como valor mobiliário e, portanto, deve ter autorização da CVM para ser vendido no Brasil.
A reportagem do Portal do Bitcoin fez o teste no serviço da exchange utilizando RG, CPF e endereço do Brasil. Após ter a conta aprovada, bastou mudar a linguagem do site para Português de Portugal e então foi possível operar normalmente na Binance Futures.
Advogado e ex-analista de Mercado de Capitais na CVM, Isac Costa entende que a prática da Binance viola frontalmente o que foi estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários na stop order. “Na minha opinião, a oferta em Português de Portugal para clientes com domicílio no Brasil é uma violação flagrante do ofício de alerta”, diz Costa.
Sem sede brasileira
O BC do Brasil já anunciou que pretende apresentar um projeto de lei para regular a atuação de corretoras no mercado de criptomoedas. Um dos pontos desse projeto deve ser a exigência de que as empresa tenham sede no Brasil, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Hoje, corretoras estrangeiras como a Binance não tem sede no Brasil. A exchange tem um novo CNPJ no Brasil desde o dia 4 de fevereiro deste ano. O documento mostra que a empresa se apresenta como domiciliada no exterior — especificamente em Dublin, capital da Irlanda.
Trata-se do segundo CNPJ relacionado à empresa. Em abril, com esse mesmo registro, a Binance entrou com sócia da B Fintech — uma empresa fundada no Brasil que tinha como sócio o CEO da exchange, Changpeng “CZ” Zhao. Conforme os documentos, ele agora se retirou da sociedade.