O século XXI se destaca pela revolução industrial digital. Possivelmente, a maior mudança observada no dia-a-dia dos cidadãos neste momento notável seja a quantidade de informações disponíveis e a velocidade com que são transmitidas. Todos os dias, recebemos notícias e matérias pelo celular, Facebook, Whatsapp, televisão, jornais, sites, etc. Torna-se crescente a dificuldade em distinguir quais dessas informações são verdadeiras e confiáveis, muitas delas sendo repassadas e viralizadas sem ao menos terem uma fonte confiável.
Há algum tempo, indivíduos e entidades tomaram ciência desse fenômeno e vêm se aproveitando dele em benefício próprio. São as chamadas práticas de desinformação: atividades de disseminação de fatos inverídicos e/ou manipulados, com o objetivo de confundir e influenciar pessoas, caluniar terceiros, difundir ideias, pensamentos, filosofias, preconceitos e opiniões, e até mesmo influenciar resultados eleitorais.
As “fake news”, ou notícias falsas, ganharam forças especialmente nos últimos dois anos em diversos países, como Brasil e Estados Unidos. A divulgação dessas notícias não está limitada a indivíduos com menor escolaridade. Pelo contrário, é comum vermos pessoas graduadas e, supostamente, mais esclarecidas encaminhando links de notícias sensacionalistas ou falsas, após lerem apenas a manchete e sem se importar com a fonte.
E apesar de encontrarmos exemplos aparentemente inofensivos, como artigos sobre os supostos “benefícios da limonada na alcalinização do sangue”, este fenômeno adquire maior gravidade quando envolve a divulgação de teorias da conspiração e alegações falsas sobre temas importantes, como a pandemia, vacinação, governo, protestos raciais, etc.
Notícias manipuladas podem favorecer (financeira ou politicamente) minorias privilegiadas através do controle de massas, o que pode até mesmo enfraquecer a solidez da democracia. O advento de tecnologias de IA que permitem a criação de fotos, áudios e vídeos falsos, mas de grande verossimilhança, poderá piorar esse quadro. Assim, está no âmbito do Poder Judiciário desestimular e combater as práticas de desinformação, protegendo a integridade e a estabilidade nacional.
Se, por um lado, a tecnologia veio justamente ocasionar o surgimento e o escalamento do problema, ela também veio oferecer uma alternativa para o mesmo. A seguir, conheça mais sobre o potencial da blockchain no combate à desinformação digital.
A tecnologia blockchain
Comumente utilizadas para validar transações entre usuários de criptomoedas, como Bitcoin, as redes blockchain constituem sistemas digitais P2P que têm ganhado cada vez mais aplicações. Os usos vão desde inovações em finanças descentralizadas (DeFi) até adaptações para o mercado imobiliário, de seguros, de mídias digitais, artes, NFTs, logística, etc.
Os dados gravados em uma blockchain se tornam somente-leitura e de domínio público: cada nó armazena uma cópia idêntica do registro completo. Um mecanismo de consenso é responsável por mediar a comunicação na rede, assegurando a validade e a não-duplicação/alteração das informações.
Essa tecnologia é considerada, hoje, uma das formas mais seguras de se operar dados digitalmente, além de trazer um potencial praticamente ilimitado em automação e descentralização.
O uso de blockchains em canais de informação
A tecnologia blockchain pode ter no mercado de notícias e informações um papel correspondente ao que possui, por exemplo, no gerenciamento de cadeias de suprimentos.
No ramo logístico, é importante que os produtos tenham sua trajetória inteiramente registrada, desde a produção até sua entrega ao destinatário final. Esse registro deve ser à prova de fraudes e também facilmente consultável a qualquer momento. Poderíamos, então, tratar as notícias e informações como produtos, registrando-as em uma rede blockchain e acompanhando todo o trajeto do conteúdo, de forma 100% transparente.
São três os contextos principais nos quais a aplicação de blockchain é eficaz na prevenção à desinformação:
Verificação de origem
Os canais de publicação podem registrar suas imagens, legendas, autorizações para fotografia, propriedade de direitos autorais e outros. Um exemplo desta aplicação está sendo explorado pelo jornal “The New York Times”, que possibilita que leitores consultem quando, onde e como determinadas matérias foram criadas, bem como quais alterações foram feitas a elas. Outra empresa, a “Truepic”, registra propriedade de fotos e vídeos nas redes Bitcoin e Ethereum.
Identidade e reputação de editoras online
Um sistema blockchain tem a capacidade de verificar a veracidade da relação entre uma informação e quem a publicou, bem como traçar a reputação da editora, com base no histórico de registros. Isso eliminaria a necessidade de confiança do público em determinados meios de comunicação centralizados, como canais de TV ou jornais específicos.
Passaríamos a classificar as fontes de informações através de uma pontuação, com base no histórico de precisão das mesmas e com a confiança de que o sistema blockchain o faz de uma forma factual e imparcial. Da mesma forma, o sistema possibilitaria “separar o joio do trigo” de forma mais clara, evidenciando fontes de desinformação e o trajeto percorrido pelas mesmas.
Incentivo de conteúdo de qualidade
No modelo atual, as plataformas digitais fomentam a produção de conteúdo midiático e sensacionalista que induza ao clique do usuário, à exibição de anúncios e à consequente geração de lucro. Este modelo favorece conteúdos que circulam rapidamente — especialmente os conteúdos “virais” — que causam comoção e geram polêmicas, independente da sua veracidade.
Tal ambiente se tornou ideal àqueles que buscam lucrar através da propagação de desinformação. Contudo, através de um modelo com ranking de confiabilidade por blockchain, como descrito no item acima, conseguiríamos reverter esta situação em 180°. Canais com boas práticas seriam recompensados com mais patrocínio, enquanto meios midiáticos enganosos seriam desincentivados.
Conclusão
A tecnologia blockchain pode oferecer métodos eficazes de combate à desinformação, contudo, o sucesso da empreitada ainda depende de como a comunidade aplicará a tecnologia.
Como a base do funcionamento depende da confiabilidade, é importante que o público possa verificar e concordar com os padrões de validação utilizados na administração da blockchain. Além disso, o volume de informações produzido diariamente no mundo é muito grande, e talvez não seja exequível registrá-lo e validá-lo por inteiro em blockchain.
De qualquer forma, essa tecnologia permanece como um grande auxílio em potencial para o setor. Ela possivelmente se tornará um grande aliado na luta contra a desinformação, associado ao aperfeiçoamento de práticas de regulamentação, educação e conscientização, tanto do público como das esferas administrativas.
Sobre o autor
Fares Alkudmani é formado em Administração pela Universidade Tishreen, na Síria, com MBA pela Edinburgh Business School, da Escócia. Naturalizado Brasileiro. É fundador da empresa Growth.Lat e do projeto Growth Token.