Emma-Jane MacKinnon-Lee corre a toda velocidade em uma rua no bairro North Beach, em São Francisco, como se estivesse prestes a perder um voo.
Cabelos rosas e laranjas esvoaçam atrás de um uniforme todo preto conforme vira uma esquina, sube uma ladeira e entra em uma casa vitoriana.
Esse caminho é comum para MacKinnon-Lee, 23, CEO da Digitalax, uma startup que visa criar o primeiro “sistema operacional de moda para a Web 3”.
MacKinnon-Lee e sua equipe de seis pessoas desenvolvem mercados, plataformas, infraestrutura, programas de divulgação, ferramentas para designers de moda digital – tudo o que possa ajudar a instaurar o mercado de moeda Web 3 é jogo limpo.
Isso explica por que MacKinnon-Lee está sempre correndo.
“Durmo em uma cadeira 24 horas por dia. Eu não durmo horizontalmente (não estou nem brincando) desde… junho?”, confessou. “Hoje, dormi das 6h às 7h e só isso. Talvez eu durma das 2h às 3h hoje à noite. Eu realmente adoro.”
MacKinnon-Lee está no centro de uma indústria que mal existia há um ano, começou a crescer absurdamente nos últimos dez meses e, há três semanas, praticamente explodiu com a notícia impressionante de que a coleção de moda em tokens não fungíveis (ou NFTs, na sigla em inglês) da Dolce & Gabbana (D&G), a primeira desse tipo, foi vendida por quase US$ 5,7 milhões.
O leilão da D&G ofereceu um vislumbre do potencial da moda em se tornar o próximo foco do enorme mercado de NFTs que, no terceiro trimestre, gerou US$ 10,7 bilhões em volume negociado.
No entanto, a moda, diferente de outras categorias populares de NFT como arte ou cards de negociação, não é apenas colecionada, e sim vestida.
Essa utilidade é fundamental para o potencial surpreendente da moda digital em dominar não apenas o mercado de NFTs, mas sim se tornar um alicerce para o metaverso ainda nascente.
Conforme todo mundo, desde o Facebook (agora Meta) à Sotheby, corre para ganhar dinheiro em um mundo on-line completamente imersivo, poucas indústrias irão ganhar mais nesse fronte digital do que a da moda.
O mercado para vestuário e cosméticos internos e puramente virtuais já está avaliado em US$ 40 bilhões.
Conforme o metaverso começa a se expandir, muitos preveem que o valor de mercado da moda digital pode se aproximar ou até chegar aos US$ 2 trilhões da indústria de moda física.
A batalha fashion pelo metaverso
O controle do metaverso está em disputa.
Meta está gastando zelosamente para se estabelecer como o rei de um metaverso centralizado, onde atividades e transações acontecem dentro das muralhas de enormes reinos virtuais; outros visam o metaverso como uma utopia descentralizada, onde jogadores percorrem livremente por diversas plataformas, levando itens digitais e dados valiosos consigo.
“É uma era feudal”, pregou Yat Siu, cofundador da Animoca Brands, empresa-mãe por trás de jogos do metaverso, como Axie Infinity e The Sandbox, em uma participação recente ao 3D Tech Festival 2021.
“Estamos constantemente abrindo mão de nossos recursos mais valiosos [dados pessoais] a plataformas. O resultado é o enriquecimento dessas plataformas. Mas isso está mudando. Estamos indo de Norte a Sul do mundo, afirmando que você deve ter controle de sua própria propriedade. Não trabalhe para o senhorio. Trabalhe para si mesmo. Essa [descentralização do metaverso] é uma revolução. Uma revolução sem derramamento de sangue.”
A recente entrada triunfal da D&G nesse mundo é um ótimo indicador de que a guerra começou. A iniciativa do ícone de alta costura é um forte argumento de que as maiores marcas da moda irão reter sua influência nessa nova era.
MacKinnon-Lee espera que isso não aconteça.
A imensa quantidade de textos que publica quase diariamente no blog da Digitalax e a revista mensal sobre o metaverso DIGIFIZZY é repleta de referências à “democratização” e “anarquia”.
Grande parte do número estonteante de projetos da empresa são focados na propagação da moda digital às pessoas (por exemplo, modelos econômicos cooperativos que permitem que designers independentes colaborem em obras e compartilhem sua governança e direitos autorais).
MacKinnon-Lee é australiana. Estudou engenharia aeroespacial na Universidade de Sydney antes de largar o curso para trabalhar em um fundo de criptomoedas especializado em fazer hedging contra cisnes negros: apostando em severas flutuações de mercado causadas por eventos extremamente raros e imprevisíveis.
Em seguida, deu início à Digitalax.
Essa trajetória não é acidental: MacKinnon-Lee aposta que a indústria da moda está prestes a passar por uma mudança sísmica, graças ao metaverso.
É uma mudança que pode colocar trilhões de dólares em jogo. Ela está fazendo de tudo para tornar essa possibilidade em realidade.
“Estamos desenvolvendo uma indústria da moda em princípios nativos e descentralizados para dar autonomia a designers, criadores, colecionadores e portadores em vez de a moda ser extrativista e exploradora, em que apenas poucas marcas estão no topo, obtendo a maior fatia”, explica.
O começo da nova era da moda digital
Então o que é exatamente “moda digital”?
O termo, assim como tudo no metaverso, ainda está se solidificando. Até agora, se refere a qualquer peça de vestimenta criada, em parte ou completamente, em âmbito digital.
Isso pode significar vestuários físicos com contrapartes digitais, filtros de realidade aumentada que ampliam de aparência em fotos ou vídeos ao vivo ou guarda-roupas completamente digitais para avatares em jogos on-line e metaversos.
“Quando comecei isso, falei com meus primos que têm 11 anos de idade e eles disseram: ‘É claro que isso faz sentido para nós’”, relembra Daniella Loftus, membro da Red DAO, o grupo cripto que liderou o leilão da D&G com US$ 1,9 milhão em aquisições, estremecendo o mundo da moda.
“Mas todo o restante diz: ‘Não faço ideia do que você está falando’. Meus primos, é claro, compram skins no Fortnite. E se você não tivesse a skin correta no Fortnite, você seria arrasado no parquinho.”
Haverá três bilhões de jogadores até 2022, de acordo com um estudo feito pela Newzoo. Loftus afirma: “As pessoas vão precisar vestir algo”.
Membros da Red DAO consideram que seu papel no setor da moda digital está bastante interligado com a promoção da utilidade de NFTs vestíveis.
“Não estamos aqui apenas para comprar um monte de NFTs e deixá-los parados”, explicou Megan Kasper, outro membro da Red DAO.
Recentemente, Kaspar provavelmente se tornou a primeira pessoa a utilizar moda digital ao vivo na televisão.
Ao aparecer no Yahoo Finance, usava uma coroa de berilo, brincos dourados e um colar roxo que parecia um exoesqueleto alienígena. Todos foram feitos pela varejista de moda digital DRESSX.
O leilão da D&G atraiu atenção e capital inéditos à moda virtual. No entanto, se marcas tradicionais, como D&G, conseguirem sua fatia da torta digital, em breve terão de escolher um lado na guerra pelo metaverso.
Talvez não seja surpreendente que seus interesses possam se alinhar mais com disruptores descentralizados, como Digitalax, do que com gigantes, como Meta.
“Não vou querer comprar sapatos da Gucci em todas as plataformas”, explicou Kaspar. “Você vai querer comprar um par e conseguir movimentá-lo por aí e vendê-lo”.
O ponto crítico da interoperabilidade
Kaspar está falando sobre interoperabilidade, um dos pontos principais de tensão no debate sobre o metaverso.
A Casa dos Lannisters na Web 3, como Meta, vão preferir que bens virtuais não possam ser movimentados tranquilamente entre plataformas. Para essas empresas, a interoperabilidade significaria um menor controle sobre vendedores e produtos.
Por outro lado, defensores da descentralização acreditam que a capacidade de levar seus itens com você, para onde quer que você vá, deve ser um dos principais direitos de um metaverso democratizado.
Peças de moda digital são alguns dos primeiros produtos que atiçam essa questão e, atualmente, não podem ser movimentadas livremente.
Os itens do leilão da D&G só estavam disponíveis a seus ganhadores em uma única plataforma de jogo da preferência do ganhador.
Isso não é o ideal para quem deseja passear pelo metaverso com um caro bem digital de luxo; você vai querer que sua bolsa digital da Gucci vá com você da Brentwood virtual para a WeHo virtual.
Assim, a entrada de marcas tradicionais, como a D&G, pode acelerar a pressão para desenvolvedores indispostos a derrubar suas paredes.
“Em 2021, estamos bem mais próximos a esse ponto crítico do que no ano passado”, afirma Sebastien Borget, cofundador do jogo no metaverso The Sandbox.
“Nos últimos dez meses, vimos uma aceleração no número de marcas, marcas físicas, que aceitaram a entrar para um metaverso baseado em NFTs. Na próxima década, eu serei otimista de que isso já terá acontecido. Empresas que não aderirem vão passar por uma grande queda ou declínio.”
Talvez o maior desafio, nesse sentido, seja técnico. Atualmente, nenhum formato de arquivo permite que a mesma roupa percorra todas as grandes plataformas, existindo perfeitamente no pixelado Minecraft e nas paisagens vívidas e tridimensionais do Fortnite.
Qualquer mágica que permitiu que o Pernalonga passasse por cada tipo de pintura que está exposta no Museu do Louvre, esse é o cálice sagrado para o metaverso. Está na mente de todas as pessoas envolvidas na moda digital.
“Se você puder desenvolver um unicode para a moda digital, será literalmente a invenção mais brilhante”, afirmou Loftus. A voz dela praticamente falha ao falar das hipóteses. “Isso precisa acontecer.”
A grande arma
MacKinnon-Lee está tentando desenvolvê-la. A grande arma. Sua equipe na Digitalax está próxima de criar um formato de arquivo 3D e interoperável chamado de DASH, afirmando que permitirá que peças de moda digital naveguem livremente por todas as plataformas de jogos.
Em outubro, Digitalax lançou DASH DAO, uma organização autônoma descentralizada (DAO) que visa apoiar e incentivar o lançamento do programa.
Atualmente, a DAO está ajustando o programa e ainda não forneceu um cronograma de lançamento.
Quando for lançado, a escolha de aceitar ou resistir à interoperabilidade será inevitável. Provavelmente, a moda será o terreno (sem dúvidas, o mais atraente) onde será travada a batalha fundamental pelo destino do metaverso.
E se, no momento da verdade, certas empresas resistirem à onda da descentralização? “Não haverá futuro para essas pessoas”, prevê MacKinnon-Lee.
Batia o pé, mas para ao discutir sobre a guerra pelo metaverso: “[As principais empresas] estão tão enganadas ao pensar que as coisas não mudam. Não sentem a mudança tectônica sobre elas. Há doze meses, se você me perguntasse, eu teria dito que talvez daqui a cinco anos mas, agora, vendo o que aconteceu com o mercado… De jeito nenhum. Será no ano que vem. Está chegando bem mais rápido do que podíamos imaginar.”
Os olhos de MacKinnon-Lee brilham quando fala sobre desbancar os aristocratas da Web 2.0, da moda. Sua voz se acalma. “Será a maior arbitragem da História, literalmente. Quando as pessoas se derem conta, já será tarde demais.”
*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.