O fenômeno inflacionário, apesar de parecer distante e ser uma luta “ganha”, após o relativo sucesso do Plano Real de 1994, ainda é um dos assuntos de maior divergência entre os economistas. Enquanto alguns definem que ela está relacionada ao aumento da oferta de moeda na economia, isto é, a impressão desenfreada de papel moeda, outros não veem a impressão de moeda como uma causa para ela.
Dentre as teorias sobre inflação cujos autores não acreditam que imprimir moeda gera inflação — a que ganhou notoriedade nos últimos anos é a denominada TMM (Teoria Monetária Moderna), a qual define que nenhum país que emite a própria moeda pode ficar insolvente — , pois existem recursos ociosos e os impostos não são uma forma de arrecadação do governo, mas sim uma maneira de reduzir atividade econômica.
Em contrapartida à TMM, existe a constatação realizada por Richard Cantillon, o qual definiu que o aumento da oferta de moeda irá criar inflação de forma desigual, isto é, ela tende a beneficiar aqueles que se encontram mais perto da injeção monetária.
Entretanto, mesmo com todas as divergências e a inclinação a TMM por parte dos bancos centrais, o que a maioria concorda, é que níveis elevados de inflação são causa da destruição de economias, levando a índices elevados de pobreza e desigualdade (imposto sobre os mais pobres), além de deixar feridas em muitas gerações.
Em resumo, a parte mais visível da inflação está ligada ao aniquilamento do poder de compra da moeda, ou seja, o dinheiro em circulação passa a valer cada vez menos e é aqui que o investidor deve ficar atento.
Portfólio
O cenário inflacionário, culminou, na década de 80, na hiperinflação, que se estendeu até a criação do plano real no Brasil e, deixou como consequências, o imediatismo ou, mais especificamente, a visão de curto prazo, uma vez que o dinheiro perdia valor muito rápido o que gerava uma baixa inclinação a poupar (incentivo ao consumo).
Contudo, o fenômeno inflacionário impacta não só as aplicações financeiras, aqui entendidas como títulos de renda fixa e renda variável, mas também projetos de expansão de empresas (maquinários), início de novos empreendimentos, entre outros.
Abordando mais especificamente os investimentos, ganhar da inflação tem que ser a premissa básica e, até mesmo, a mais relevante dentro da montagem de um portfólio.
Para entender melhor a importância de o investidor ganhar da inflação, recorro a uma passagem da História romana sobre as batalhas entre gladiadores e levanto o seguinte questionamento: quem se sagrava vencedor em todos os duelos já representados em livros e filmes? O mais forte, mais rápido, mais inteligente? Não, o vencedor é sempre aquele que sobrevive a toda matança à sua volta!
Dessa forma, permanecer vivo, para nós investidores, está relacionado a manter o poder de compra da moeda, uma vez que investir nada mais é do que reduzir consumo presente para, no futuro, manter o nível de consumo ou até mesmo aumentá-lo.
Isso só será possível se os seus investimentos minimamente reporem a inflação no período em que o dinheiro está alocado, por isso, muito mais do que ter rentabilidades extraordinárias, é necessário perceber se essa rentabilidade está repondo ou até mesmo ganhando da inflação.
Rentabilidade
Assim, sempre que for comparar a rentabilidade de seus investimentos retire a componente do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) — indo até o site do IBGE é possível pegar o histórico da inflação — depois disso é só dividir o seu retorno pela inflação do período, conforme se segue:
Rentabilidade real = [(1 + rentabilidade nominal) / (1 + inflação)] – 1
Para exemplificar a conta acima, pense em uma carteira conservadora que apresenta rendimento atrelado ao DI, (juros pagos por bancos quando fazem empréstimos entre si). No mês de outubro o valor do DI ficou em 0,49% e a inflação, medida pelo IPCA foi de 1,25% para o mesmo período, assim:
Rentabilidade real = [(1 +0,49%) / (1 + 1,25%)] – 1 = -0,751%
Ou seja, hoje quem tem carteiras ligadas ao DI (CDB, LCI e LCA) está perdendo seu poder de compra e, mesmo pensando em um retorno anual de 9,25% (estimativa para a Selic de 2021) como a inflação está acima de 10% nos últimos doze meses, a rentabilidade será negativa e o poder de compra será corroído.
Mas a pergunta que fica após toda a explanação sobre a inflação, suas causas, consequências e o cálculo da rentabilidade real é como obter retornos acima do IPCA, para que seja possível manter, minimamente, o poder de compra ao longo do tempo?
Primeiro, é importante entender que um portfólio deve apresentar diversificação, não só entre ativos, mas entre países, ou seja, alocar em moedas fortes como o dólar e o euro, ter renda fixa atrelada à inflação, ações nacionais e estrangeiras e, o que considero o “pulo do gato”, ter criptomoedas no portfólio.
Bitcoin contra inflação
A tese das criptomoedas, pensando mais no Bitcoin e em toda a sua essência como um ativo deflacionário, visto que tem sua emissão limitada a 21 milhões, ao contrário da moeda fiduciária que sofre com a inflação causada pelas políticas monetárias feitas pelo governo, como ocorreu e, ocorre até hoje com as grandes economias com seus bancos centrais injetando moeda de forma desenfreada, é a grande saída para se defender e “se manter vivo”.
Dessa maneira, possuir ativos descentralizados, mesmo que uma pequena parte do portfólio, já é realidade para muitas empresas, como Tesla e o Mercado Livre, e até mesmo o próprio CEO da Apple, Tim Cook, que falou que possui criptos em seu portfólio.
Portanto, o bitcoin — não o ouro ou ações — tem se mostrado o ativo contra a inflação e que guarda características impensáveis nas moedas fiduciárias.
Sobre o autor
Gabriel Matos é especialista em investimentos CEA certificado pela Anbima, apaixonado por opções e tecnologia, opera no mercado de derivativos desde 2017.