Uma das áreas de pesquisa mais interessantes em relação ao Bitcoin envolve a análise de dados a partir do que acontece na blockchain. Chamada por muitos de análise “on-chain”, essa linha de investigação busca criar métricas derivadas a partir da atividade real de transações registradas. O objetivo é avaliar se o preço do criptoativo negociado no mercado secundário está acima, abaixo ou em linha com os fundamentos da rede.
Neste artigo, gostaria de abordar um indicador que se relaciona na maior parte do tempo com os movimentos de preço do Bitcoin: o número de endereços ativos na rede.
Mas, antes de mais nada, precisamos entender o que são endereços de Bitcoin.
Um endereço é uma espécie de caixa que armazena UTXOs (do inglês, unspent transaction outputs). Por sua vez, UTXOs são, metaforicamente, como as cédulas de papel moeda que você carrega no bolso.
Dessa forma, um endereço de Bitcoin que contenha, por exemplo, um total de 0.5 BTC pode estar constituído de cinco diferentes UTXOs de 0.1 BTC cada ou qualquer outra combinação.
Analogamente, seria como se você tivesse R$ 50 no bolso, podendo ser 5 notas de R$ 10, 10 notas de R$ 5 etc. A partir do momento que você envia um desses UTXOs para outro endereço, essa transação fica registrada dentro do seu endereço e, consequentemente, na blockchain.
Portanto, um endereço pode ser entendido, ao mesmo tempo, como um agregador dos UTXOs que você possui e um livro de registro das transações enviadas e recebidas a partir daquele endereço.
Consequentemente, é intuitivo perceber que um endereço passa a ser considerado ativo quando ocorre algum envio/recebimento de um ou mais UTXOs.
Alguns sites que compilam dados provenientes da blockchain do Bitcoin, como a Bit Info Charts e a Coinmetrics, possuem formas diferentes de calcular o número de endereços ativos. Não vou entrar no mérito sobre quem está certa ou errada, pois isso é uma discussão bastante técnica. Ainda não há muita literatura sobre o tema e, de certa forma, esse debate é irrelevante para a análise macro que proponho aqui.
Por uma questão de gosto pessoal, vou utilizar neste artigo os dados da Bit Info Charts, que define a métrica como “o número de endereços únicos “de” e “para” usados por dia.
Antes de olharmos os gráficos, é preciso ressaltar que o número de endereços ativos não corresponde à quantidade de usuários da rede, isso porque um único usuário pode ser dono de incontáveis endereços.
Vamos analisar alguns gráficos:
A imagem acima mostra o preço do Bitcoin (linha contínua) comparado ao número de endereços ativos (linha tracejada) desde janeiro de 2017 até março de 2020 com uma média móvel de 7 dias para suavizar os dados. Percebam que os movimentos de alta e baixa dos dois gráficos se correlacionam na maior parte do período.
Atentem especialmente para o mês de dezembro de 2017, quando o preço do Bitcoin chegou a ser negociado a quase US$ 20 mil por unidade. Naquele momento, o número de endereços ativos também acompanhou a trajetória e atingiu o pico histórico, em torno de 1 milhão de endereços ativos.
Agora, vamos dar um zoom e olhar o comportamento durante o período de baixa do mercado em 2018.
Podemos perceber que, especialmente, no segundo semestre, quando o preço do Bitcoin ficou lateralizado por bastante tempo em torno dos US$ 6 mil, o número de endereços ativos também ficou estável, em torno dos 500 mil.
Curiosamente, quando o preço despencou no final do ano para a casa dos US$ 3 mil, o total de endereços ativos diários manteve-se por volta da casa dos 500 mil, que mostrou ser uma espécie de patamar mínimo de utilização da rede ao longo dos últimos anos.
Esse fato pode nos levar a crer que a cotação de US$ 3 mil estava abaixo do real valor da rede. Em 2019, o mercado percebeu isso e o preço do Bitcoin voltou a subir. Agora, vamos dar um zoom e olhar o que ocorreu ao longo do ano de 2019:
Novamente, vemos que no pico de preço do ano de 2019, no mês de junho, quando o Bitcoin chegou a ser negociado em torno de US$ 12 mil, os gráficos se encontraram novamente.
O curioso, entretanto, é que o número de endereços ativos não chegou sequer a dobrar, ao atingir a casa dos 800 mil, enquanto que o preço praticamente quadruplicou.
O que provavelmente aconteceu nessa situação? Não havia atividade suficiente na rede para manter o preço. Consequentemente, alguns meses depois a cotação voltou para algo em torno de US$ 7 mil por unidade.
Em 2020, a história se repete:
Quando o preço ultrapassa os US$ 10 mil e o número de endereços ativos chega a casa dos 650 mil, o que acontece depois? Correção para a casa dos US$ 8 mil.
Vale ainda observar o que ocorreu durante os dias de agravamento da crise do Corona Vírus pelo mundo.
No dia 12 de março, quando o Bitcoin chegou a se desvalorizar cerca de 50%, podemos perceber um aumento significativo de 650 mil endereços ativos na rede para cerca de 780 mil endereços ativos. Esse crescimento reflete a grande quantidade de pessoas que enviou Bitcoin para exchanges e mesas de negociação para liquidá-lo.
Podemos ainda analisar essa conjuntura de maneira mais macro. O analista Benjamin Cowen publicou um vídeo no Youtube no qual ele mostra a plotagem dos dois gráficos (preço x endereços ativos) em escala logarítmica.
É interessante notar que, historicamente, o número total de endereços ativos diários na rede vem acompanhando o crescimento da ordem de magnitude do preço do bitcoin.
O gráfico mostra que quando o Bitcoin valia menos de US$ 1, o número de endereços ativos diário era de cerca de 1000.
Quando ele passou a valer US$ 10, passamos a ter 10 mil endereços ativos. Quando chegou a US$ 100, os endereços ativos pularam para 100 mil.
Depois, quando o preço bateu US$ 1000, passamos a ter cerca de 500 mil endereços ativos. Quando o preço passou dos US$ 10 mil, chegamos a 1 milhão de endereços ativos.
Conclusão
Parece razoável pensar que para chegarmos ao nível de US$ 100 mil, teremos que ter uma quantidade muito grande de endereços ativos na rede, ou seja, precisaremos de muitas pessoas usando Bitcoin.
Portanto, enquanto o Bitcoin não se tornar algo mais popular e seguro para o usuário, dificilmente atingiremos patamares de preço exorbitantes.
Além disso, depois de olhar esses gráficos, a pergunta que fica é: quem sobe ou desce primeiro? O preço? ou endereços ativos? Ou seja, quem é a causa e quem é a consequência? O preço sobe porque o número de endereços sobe ou o preço cai porque a atividade na rede não se justifica?
Não é possível chegar a uma conclusão clara com base nos dados disponíveis. Precisaríamos talvez construir um modelo que nos dissesse a cada 10 minutos, ou seja, a cada novo bloco de Bitcoin, como está a atividade na rede.
Apenas com os dados diários compilados (estes que mostramos nos gráficos) fica difícil fazer alguma afirmação mais assertiva em relação ao comportamento de curtíssimo prazo deste indicador.
Entretanto, do ponto de vista macro é indiscutível a correlação entre o preço do Bitcoin e o número e endereços ativos na rede.
Sobre o autor
Allex Ferreira é fotógrafo e negocia Bitcoin no mercado P2P desde 2011. Na China, esteve à frente de grandes operações de mineração de Bitcoin. Também escreve no blog Barão do Bitcoin, apelido pelo qual é conhecido na comunidade brasileira.