Um dos líderes da Trust Investing — empresa de investimentos em criptomoedas que há oito meses dá calote em seus clientes — teve um pedido para deixar o Brasil negado pela Justiça após intervenção do Ministério Público. Em sua decisão, o juiz aponta suspeitas de que a viagem poderia servir para atividades em conexão com máfias localizadas na Espanha.
Fabiano Lorite de Lima, um dos fundadores da empresa, está proibido de deixar o Brasil sem autorização judicial após ter seu passaporte confiscado em agosto do ano passado, quando foi preso em flagrante na região de Dourados (MS), junto a Cláudio Barbosa, outro fundador da empresa, e uma terceira pessoa.
Eles portavam o equivalente a R$ 500 mil em esmeraldas de origem e destino desconhecido e uma nota fiscal com informações fraudulentas, segundo a Polícia Rodoviária Federal. O trio foi solto logo no dia posterior à prisão, mas a liberdade provisória veio acompanhada de medidas cautelares, entre elas a obrigação de entregar passaportes para a Polícia Federal.
Em dezembro de 2021, Lorite tentou, sem sucesso, conseguir de volta seu passaporte para fazer uma suposta viagem de negócios para a Espanha. O pedido foi negado em duas instâncias após intervenção do Ministério Público, que levantou suspeitas sobre as operações dos líderes da Trust Investing.
Viagem sob suspeita
Um dos motivos da intervenção do MP foi o motivo pelo qual Lorite dizia querer viajar para a Espanha: participar por uma semana de uma reunião de negócios do ramo de “elaboração de vinhos”, bebidas que teriam como consumidores finais moradores de Toledo, no país europeu.
O juiz responsável por julgar o pedido, Bruno Cezar da Cunha Teixeira, seguiu a recomendação do MP e negou a devolução do passaporte para Lorite. Na justificativa pelo indeferimento, o juiz argumentou que Fabiano não apresentou prova de imprescindibilidade de sua presença nas reuniões presenciais que aconteceriam na Espanha, nas quais ele poderia participar virtualmente.
A cidade de destino de Fabiano foi um dos fatores que levantou suspeita. Embora a sede de uma suposta empresa mantida por ele fosse em Toledo, suas reuniões aconteceriam em Albolote (Granada), região que, segundo o magistrado, é bastante próxima a Marbella, uma área menos visada dentro de Andaluzia, o “coração operativo das principais máfias e grupos da macrocriminalidade internacional em solo espanhol, a Costa do Sol”.
O juiz também viu inconsistências no negócio que Lorite alegou manter na Espanha: “A atividade principal declarada é claramente destoante do espaço próprio da “elaboração de vinhos”, também afirmada (mas como secundária), pois se trata de setor fortemente regulado na Espanha”. O juiz aponta então que “não há qualquer evidência de que tal empresa sequer exista no mundo fenomênico, para além da mera contratualização apresentada”.
Além disso, Fabiano também não provou ter qualquer tipo de habilidade para tratar de temas relacionados à produção de vinhos, muito menos alguma que tornasse indispensável sua presença nas reuniões.
Também causou estranheza do juiz a falta de comprovação que a empresa de Lorite de fato produzisse vinho, dada a extensa regulação que o setor possui na Espanha. Os “estranhos esforços financeiros” para levar Fabiano para a Espanha também chamou atenção, uma vez que o capital da empresa não passava de três mil euros (R$ 16,8 mil).
Esse conjunto de discrepâncias, somadas à situação igualmente suspeita na qual Fabiano foi preso em flagrante em primeiro momento, fortaleceu ainda mais a decisão de manter confiscado o passaporte do empresário.
“Os elementos dão indicativos sérios de que se trata de atividade (criminosa) de importante porte, pelo relevante volume de pedras preciosas que foram encontradas em flagrante na região de Dourados/MS, fatos em tudo incompatíveis com a empresa e sua(s) declarada(s) atividade(s), somenos na singeleza desta avaliação”, explica o juiz na sua decisão.
Para deixar claro que Fabiano não deveria deixar o Brasil, o juíz mais uma vez traça o panorama de sua prisão:
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“Viajavam dois veículos equipados com rádios transceptores; foi apreendida grande quantidade de pedras preciosas com nota fiscal inválida; e, segundo o requerente, o seu destino seria a cidade de Amambai/MS, localizada na região de fronteira ou próxima, conhecida rota de tráfico de drogas, armas e contrabando”.
O Portal do Bitcoin tentou entrar em contato com Fabiano Lorite, mas sua defesa jurídica se negou a responder as perguntas da reportagem e afirmou que não fará declarações sobre o assunto.
Habeas Corpus negado
Depois de ter o seu pedido negado, Fabiano Lorite voltou à Justiça em janeiro deste ano para tentar reverter — em vão — a decisão com um habeas corpus analisado pelo desembargador federal Fausto de Sanctis.
No seu segundo pedido, a defesa de Fabiano alega que a apreensão do seu passaporte configura “constrangimento ilegal”, uma vez que ainda não foi concluido o inquérito policial.
Porém o desembargador não deu razão à alegação do empresário, destacando a importância de haver “garantia da aplicação da lei penal, dada a possibilidade concreta de que o requerente possa se evadir do país, sendo tais medidas não apenas proporcionais, mas estritamente necessárias”.
A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, analisou o caso em uma sessão de julgamento do dia 12 de maio em Campo Grande (MS) e tomou a decisão, por unanimidade, de negar o habeas corpus de Fabiano Lorite.
Prisão em flagrante
No momento da prisão de agosto, os líderes da Trust Investing não foram capazes de comprovar a origem das pedras preciosas que portavam, bem como a concessão de lavra ou guia de utilização emitida pela Agência Nacional de Mineração (AMN). A nota também não apresentava a base de cálculo de tributo, apenas o valor total de R$ 508,9 mil referentes ao suposto valor das esmeraldas.
Outras suspeitas apontadas pela Justiça são o fato de que o flagrante aconteceu a 100 quilômetros da fronteira com o Paraguai e que, nos carros, foram encontrados rádios transceptores sem autorização da Anatel, o que pode gerar suspeitas de contrabando. Também contribuiu para a prisão em flagrante a suspeita de terem cometido o crime de usurpação de minério da União Federal e falsidade ideológica.
Embora os líderes da Trust Investing estejam livres atualmente esperando julgamento, o Ministério Público Federal lutou para que eles fossem detidos em prisão preventiva quando foram pegos em agosto.
O Ministério Público justificou o pedido de prisão preventiva com base na possível formação de organização criminosa e na prática de crimes contra a economia popular — no âmbito deste último crime está a formação de pirâmide financeira, golpe do qual muitos investidores acusam a Trust Investing de ter aplicado.
O envolvimento no mercado cripto, especialmente transações com bitcoin citadas no processo e que levantaram suspeitas de irregularidades pelo MP, foram direcionadas contra Fabiano Lorite.
No entanto, a prisão preventiva não foi aplicada pelo juiz Vitor Figueiredo de Oliveira, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (MS), para Fabiano nem para os outros dois acusados, uma vez que o possível crime não foi cometido com o emprego de violência ou grave ameaça, pela falta provas e existência de risco concreto de fuga e pelo contexto de pandemia, segundo o juiz.