Uma vez, Heráclito, um filósofo da Grécia Antiga, disse que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”. Mas ficou evidente que a Babel Finance, que acabou de finalizar uma rodada de financiamento e está avaliada em US$ 2 bilhões, entrou nesse rio novamente.
No dia 12 de março de 2020, a Babel Finance estava à beira da falência devido a suas operações de alto risco; a indulgência da Tether e a recuperação de mercado ajudaram a salvá-la.
Já em 17 de junho de 2022, a Babel contou a seus parceiros que a empresa estava insolvente e iria suspender o resgate de produtos e recursos de saque em seu site. A Babel Finance estava se tornando terceira empresa de gestão financeira cripto à beira do colapso, após a Celsius e a Three Arrows Capital (ou 3AC, na sigla em inglês).
Diferentemente da última vez, no entanto, agora não existe mais um salvador, pois a Tether afirma que não está mais trabalhando com a Babel. E a queda do mercado cripto pode continuar até o fim do ano.
Assim como a 3AC, a Babel Finance começou a vender suas participações em uma tentativa de aumentar sua liquidez. Mas isso não funcionou no contexto de queda. Como exatamente o problema aconteceu desta vez? Isso ainda será investigado no futuro.
Após o dia 12 de março de 2020, acreditava-se que a Babel havia fortalecido seu controle de risco. Ela se tornou bem mais discreta em questão de comportamento.
Em 2021, a empresa havia finalizado um financiamento “series A” — quantia concedida a uma empresa que já demonstra potencial de crescimento e geração de receita — de US$ 40 milhões, com a participação de grandes instituições, como Animism Capital (um fundo de estágio inicial do Boyu Capital), Sequoia Capital China, BAI Capital, Tiger Global Fund, Dragonfly Capital e assim por diante.
Anteriormente, a Babel havia finalizado duas rodadas de financiamento com investidores, incluindo True Fund, Lightspeed China, Keyin Capital, NGC etc.
Em 26 de maio de 2022, a Babel anunciou a finalização de sua rodada de financiamento “series B” — quando uma empresa atinge certos objetivos e não está mais na etapa inicial — de US$ 80 milhões, tornando-se um “unicórnio”, com uma avaliação de US$ 2 bilhões.
Grandes investidores incluem Jeneration Capital, a empresa de investimento privado 10T Holdings e investidores existentes Dragonfly Capital e BAI Capital.
O comunicado de imprensa sobre o financiamento alegava que o saldo pendente do empréstimo havia atingido mais de US$ 3 bilhões no fim de 2021, o volume negociado de derivativos teve médias de US$ 800 milhões por mês e emissões de produtos estruturados de opções ultrapassaram US$ 20 bilhões.
Com muitos investidores de risco famosos envolvidos, como pensar se eles fizeram a devida pesquisa? Eles não leram nosso artigo* e simplesmente não entenderam os altos riscos envolvidos nesse modelo ou também acharam que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”?
O modelo de negócios da Babel Finance
Um minerador faz o staking de 100 BTC à Babel e esta empresta ao minerador entre 50% e 60% do valor vitalício (ou LTV) dos 100 BTC equivalente em USDT, de acordo com os termos de empréstimo de staking, com uma taxa anualizada de juros entre 8,88% e 15%.
A Babel faz o staking dos 100 BTC a instituições, como Genesis, Tether, BlockFi e OSL, e toma USDT emprestado, que por sua vez é emprestada a mineradores. A Babel controla o risco em ambos os lados.
O LVT geral pela taxa de staking para o empréstimo estrangeiro interinstitucional varia entre 71% e 100% e a taxa anualizada de juros é entre 6,6% e 8% (taxas de juros do mercado mudam de tempos em tempos e a taxa mais comum no último ano variou entre 8% e 9%).
Além disso, ficou evidente que, se apenas o “spread” (a diferença entre o preço esperado e o preço obtido) for ganho, o lucro será muito baixo, então esse não é o verdadeiro modelo de negócio da Babel.
A Babel acrescenta a alavancagem a seus próprios fundos, a garantia de seus usuários e os fundos obtidos de outros produtos financeiros. A companhia pode usar de 10% a 50% da garantia dos usuários. Por exemplo, se você fizer o staking de 1 BTC na Babel, então de 0,1 a 0,5 BTC será retirado pela Babel em troca de USDT.
Se o BTC subir, a Babel lucra com o aumento multiplicado pelo múltiplo de alavancagem. A Babel diz às instituições estrangeiras que os clientes de empréstimo são mineradores, então o risco é baixo, em troca de baixas taxas de juros e altas taxas de staking (o LTV).
Basicamente, o modelo de negócio da Babel não depende de spreads de empréstimo, e sim da crescente alavancagem de capital a baixo custo para a obtenção de lucro do bitcoin crescente. Em seguida, a empresa começou a comprar um pequeno número de opções “put” (de venda) para se proteger e o modelo de negócios se tornou mais diversificado, como o negócio de gestão de capital.
Apesar de grande parte das empresas de empréstimo usarem a garantia de seus clientes, a Babel possui a maior alavancagem. O risco dessa operação é que se o preço do bitcoin cair drasticamente, a Babel será incapaz de resistir ao risco por conta de sua alta alavancagem e suas baixas reservas, resultando na liquidação.
A terrível noite do dia 12 de março
Em seguida, veio o “12/03”.
O preço do BTC caiu drasticamente naquele dia e a Babel precisava aumentar o bitcoin para aumentar a margem. Mas o dinheiro da Babel estava preso em várias operações de alta alavancagem e não havia BTC para cobrir a posição, então um inadimplemento foi formado para a Tether, BlockFi, OSL e outras instituições.
Na época, a Babel não conseguia remover nem 200 BTC, mas apenas a posição da Tether precisava ser aumentada em mais de 2 mil BTC para retornar à margem de manutenção — ou mais de 5 mil BTC para voltar à margem inicial.
Naquela noite, Wang Li, cofundador da Babel, havia dito a todos que a indústria estava extinta.
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Se a Tether tivesse escolhido encerrar sua posição na época, então todo o bitcoin da Babel, bem como a garantia de seus usuários, teriam sido perdidos. A OSL escolheu encerrar sua posição, mas em uma quantia relativamente pequena.
Naquele momento, a Tether deu à Babel uma chance de sobrevivência, ao escolher não encerrar sua posição, permitindo que ela tivesse um mês para arrecadar fundos (geralmente, só sobram 48 horas para cobrir a posição).
Em seguida, a Babel rapidamente lançou um produto de opção financeira com um retorno de até 50%, arrecadando mais de 2 mil BTC. Enquanto isso, a Babel liquidou alguns usuários e obteve sua garantia de cerca de 3 mil a 4 mil BTC, dando à Tether uma pequena quantia diariamente para que cobrisse suas posições.
A boa notícia é que à medida que os preços subiram rapidamente na sequência, a Babel estava livre do vórtice de alavancagem e até conseguiu lucrar bastante novamente, patrocinando muitos eventos posteriores e lançando novos negócios, como pools de mineração.
Ao analisarmos o dia 12 de março, se a Tether não tivesse dado um mês, se a BitMEX não tivesse passado por um tempo de inatividade (que evitou que o bitcoin continuasse caindo) e se o mercado não tivesse se recuperado imediatamente, a Babel teria falido.
Depois, a Babel foi questionada no exterior. A BlockFi, OSL e Tether suspenderam sua parceria com a Babel e a única que ainda a apoiava era a Genesis. Anteriormente, a BlockFi deu um LTV de 1:1 à Babel com um alto nível de confiança.
Uma explicação a favor da Babel é que a empresa preferiu dar o calote sozinha durante o dia 12 de março para proteger seus clientes da liquidação. Mas existem evidências de que mais de 3 mil a 4 mil BTC foram liquidados por clientes da Babel naquela época.
Basicamente, a Babel ainda está apostando seu destino na Tether, acreditando que o banco central do mundo cripto com certeza concederá tempo e preencher o déficit ao imprimir dinheiro ilimitado para o bem da indústria.
Como resposta, a Tether ainda não respondeu ao WuBlockchain e há suspeitas de que esteja preocupada sobre a possibilidade de essa ação apresentar riscos jurídicos, se outras credoras também exigirem uma extensão.
Ajuste e reflexão
A Babel afirma ser um banco comercial, mas faz o que fundos e gestoras de ativos fazem. A Babel está se transformando e começando a focar no negócio de gestão de ativos.
Investimento altamente alavancados são comuns no mundo cripto e a alavancagem de três a cinco vezes da Babel não parece ser alta em comparação a usuários que podem implementar estratégias que variam de 10x a 100x. Mas um problema no modelo da Babel é a possibilidade de usuários e fundadores estarem cientes de que a Babel está operando com alta alavancagem.
Até agora, a grande maioria deles não sabe disso. Poucas pessoas vagamente adivinharam. Executivos da Babel também admitem que seus fundos e os de usuários estão misturados e são quase impossíveis de distinguir.
Uma vez, a empresa prometeu: “A Babel Finance busca a segurança e transparência desde sua criação inicial, gerencia sua garantia por meio de carteiras multiassinaturas, nunca utiliza, de forma unilateral, a garantia de usuários para transações e elimina completamente o prejuízo de garantias por conta de motivos de mercado”.
A palavra “unilateral” é intrigante. No contrato entre a Babel e o cliente, só existe uma pequena frase para a garantia: “O mutuante deve guardar adequadamente a garantia e seus documentos relacionados”. Existem relatos na Babel de que clientes podem prometer não usar a garantia se estiverem dispostos a aceitar uma taxa de juros maior.
Recentemente, a Babel ainda estava oferecendo serviços de empréstimo a clientes a baixas taxas de 6%, então qual é o propósito de tal empréstimo de perda de dinheiro? A Babel escolheu um modelo de alto risco e de alto lucro e, atualmente, também fornece empréstimos de crédito sem segurança para muitas equipes quantitativas e outros que podem aumentar ainda mais o risco.
Porém, essa expressão não é uma anomalia. Em credoras, raramente existe alguém que não desvia completamente a garantia de seus usuários. Tornou-se quase um consenso de que é apenas uma questão de alavancagem e exposição (grau de risco) para ganhar dinheiro com garantias. Amber, por exemplo, também usa a garantia de usuários na negociação quantitativa.
O dia 12 de março de 2020 ensinou à Babel uma grande lição. Ela começou a comprar mais opção no mercado para se proteger enquanto concedeu crédito a um enorme número de instituições, bem como aumentou seus próprios fundos e reservas.
Se você analisar a Babel pela perspectiva das finanças tradicionais, ela possui inúmeros problemas. Mas se você analisá-la pela perspectiva da indústria cripto, alguns podem considerar o “modelo Babel” como bem-sucedido porque conseguiu sobreviver à crise e gerar lucro e até podem imitá-la.
Em uma indústria não regulamentada, alguns acham que talvez a Babel seja a mais esperta, pois é a que melhor utiliza o capital.
Porém, outros acreditam que a Babel está fazendo algo como roubar Pedro para pagar Paulo. É como se fosse um modelo de ponto a ponto: Precisa ser muito delicado para manter o equilíbrio. Se uma ligação da cadeia se romper, talvez toda a empresa vá à falência.
De forma racional, em comparação a outras companhias como Cobo, Poolin, Matrixport e renrenbit, Babel não possui um grande apoiador. O fundador da Babel começou do zero e não tinha escolha além de chegar até aqui. Um empreendedor cripto disse que, se fosse ele, talvez a indústria terá de imitar o modelo Babel de alto risco.
Investidores da Babel incluem Dragonfly, Parallel Ventures, NGC e outros. Os principais clientes ou parceiros da Babel incluem SparkPool, NGC, Nervos, Dforce, Hash Age, BigOne, Matrixport e Kucoin, entre outros.
Os primórdios da Babel estavam bastante ligados ao pool de mineração da Poolin, mas as duas partes subsequentemente descontinuaram sua cooperação e a Poolin deu início ao seu próprio negócio de serviços financeiros.
Sobre o autor
Colin Wu é um jornalista chinês conhecido como Wu Blockchain. É referência quando o assunto é a cobertura do mercado chinês de criptomoedas. Por meio de um blog e de um perfil no Twitter, ele cobre diariamente sobre os bastidores da conflituosa relação entre a China e o bitcoin.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização de Wu Blockchain.