Imagem da matéria: Brasileira demitida em layoff viraliza no LinkedIn com 'planilhão' que ajuda quem quer ser contratado
Ana Flávia Bissagio, criadora do “Compiladão Open to Work” (Foto: Arquivo Pessoal)

Em março deste ano, a carioca Ana Flávia Bissagio, de 31 anos, foi demitida do cargo de Product Owner Sênior que ocupou por quase dois anos na Blu, uma fintech de pagamentos digitais para lojistas. Junto com ela, 10% da empresa também foi cortada no layoff. São profissionais que se uniram aos milhares que também foram alvos de demissões em massa no setor de tecnologia nos últimos meses e que agora competem entre si por vagas de emprego.

Desde então, a realocação da profissional formada em Jornalismo e com mais de dez anos de experiência está complicada — e ela não é a única. Plataformas de recrutamento são rápidas em dizer “não” e, na maioria dos casos, o profissional nem chega a conseguir uma entrevista. Já aqueles que avançam nos processos seletivos dizem que recebem ofertas de salários muitas vezes menores do que o padrão esperado por seus cargos.

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“Eu sinto que agora está no momento das empresas “canibalizarem” os salários, já que tem muitos profissionais no mercado procurando emprego”, analisou a profissional em conversa com o Portal do Bitcoin.

Ana Flávia diz ter percebido que as melhores oportunidades chegavam no contato direto com recrutadores de empresas através do LinkedIn. Assim, ela resolveu agir para ajudar outros profissionais que, assim como ela, buscam recolocação. 

Para isso, ela criou a planilha “Compiladão Open To Work”, que reúne profissionais desempregados, classificados por área, experiências passadas, senioridade e localização.

É tão grande o número de profissionais nessa situação que a planilha viralizou no LinkedIn e foi compartilhada por diretores de empresas como iFood, OLX e Product Guru’s.

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Já são mais de mil profissionais de diferentes áreas disponíveis para trabalho com o nome na lista, sendo que 32 já conseguiram emprego após serem notados por recrutadores através do Compiladão.

No final de maio, quando o “Compiladão Open to Work” chegou a sua 8ª edição, Ana Flávia Bissagio conversou com o Portal do Bitcoin sobre o projeto e sua análise sobre a atual situação do mercado de trabalho no Brasil.

Portal do Bitcoin: Você resolveu criar o Compiladão após ser demitida. Pode contar como foi o layoff e a justificativa dada pela empresa?

Ana Flávia Bissagio:  Eu sabia que estavam rolando layoffs em várias fintechs. Na época em que fui demitida, a empresa demitiu mais de 10% do quadro [do final do ano passado até março]Eu fui dispensada na primeira quinzena de março, depois de voltar de uma viagem de férias. 

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Três meses antes, o meu chefe tinha falado que eu seria promovida em março. Mas depois do carnaval, ele me chamou pra conversar e falou que não ia rolar a promoção porque a empresa estava segurando custos. 

Saí de férias e, na semana seguinte, descobri que ele e mais algumas pessoas da equipe foram promovidas. Ao mesmo tempo, várias pessoas começaram a ser demitidas. Quando eu voltei de férias, foi a minha vez de ser cortada. Foi uma grande surpresa. Não me deram um motivo para a demissão, só falaram que a empresa se reestruturou e precisavam me cortar. Eu acho que foi salário, porque meu cargo era de coordenadora. Assim que sai da empresa, comecei a me candidatar a vagas de emprego.

Como foram as suas tentativas de realocação no mercado de trabalho?

Eu percebi que, toda vez que eu me candidatava, eu levava uma negativa quase que no mesmo dia na maior parte das vagas. Eu diria que 98% das vagas que eu me inscrevia, eu tomava negativa por e-mail em curto período de tempo. E aí, eu pensei: “Não seria mais fácil se os recrutadores me abordassem diretamente?”.

Eu estava recebendo algumas abordagens diretas e nelas eu conseguia evoluir nos processos seletivos de alguma maneira. Foi aí que pensei em fazer algo para que outras pessoas também tivessem essa abordagem direta ao invés de ficar tomando negativa logo na inscrição. 

Então foi assim que você criou a lista?

Sim, me lembrei que tinha já alguns sites que faziam essas organizações de planilhas de pessoas de layoff, mas algo que eu percebi era que, nessas planilhas, as pessoas jogavam os dados sem muita verificação. Era muita informação e não tinha uma atualização frequente. Então, juntei tudo isso e nasceu o Compiladão. 

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Eu tentei pensar nisso como um esquema de ‘pirâmide do bem’. Eu faço a planilha organizadinha, com poucas colunas para facilitar a busca do recrutador, e funciona num esquema de divulgação. Recentemente, a planilha ganhou uma proporção maior, principalmente depois da divulgação feita no LinkedIn por executivos de peso.

Como funciona o Compiladão na prática? Qualquer profissional em busca de emprego pode participar? 

Toda segunda-feira eu faço o post de divulgação da lista no LinkedIn. Para entrar na lista, as pessoas que procuram emprego precisam comentar no post porque isso ajuda a ampliar o alcance do post e chegar a mais pessoas. Para entrar na lista, eles precisam comentar a área de interesse, senioridade em que se encontram e a cidade onde moram. Com esses comentários, eu preparo a próxima planilha que será divulgada na segunda-feira seguinte.

As pessoas têm um período para se inscrever. Eu divulgo o post na segunda e dou até quarta-feira às 23h para que os interessados se inscrevam. Quem chega depois, acaba tendo que esperar a próxima semana. Assim eu consigo limitar um pouco essa quantidade de inscrições com a minha capacidade de trabalho. 

Você chega a enviar essa lista para recrutadores ou se foca mais em ajudar a organizá-la?

O meu trabalho com o Compiladão é a organização e a divulgação no meu perfil da listagem. Os recrutadores começaram a usar de forma orgânica. Sei que vários olham porque às vezes eles mandam perguntas, tiram dúvida de algum profissional, ou pedem o link.

Tem uma coisa que eu faço, mas que eu não considero parte do trabalho do Compilação, que é indicar as pessoas que estão na lista a vagas que eu vejo no feed do LinkedIn. Mas faço isso por conta própria, porque eu quero ajudar. 

A nova edição da lista que você compartilhou hoje (29 de maio) já tem mais de mil profissionais. Por que você acha que essa lista tomou uma dimensão tão grande?

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Hoje são 1.122 profissionais procurando emprego que estão no Compiladão. Acho que uma série de fatores influenciaram para a lista tomar essa proporção. Primeiro, existe uma insatisfação das pessoas com as principais plataformas de recrutamento, como a Gupy, por exemplo. Vejo muitos reclamando que se inscrevem nas vagas, mas nunca são chamados para as entrevistas. Sempre levam aquele primeiro não. Eu só fui chamada para entrevistas nessas plataformas quando tinha indicação de alguém.

Eu também vejo um crescimento grande do uso de inteligência artificial nessas plataformas, então tem uma parte de desinformação das pessoas de não saberem como preparar o currículo para subir nesse tipo de plataforma. Às vezes, enviam o currículo de um jeito que a AI não sabe ler. 

Também vejo que tem muitas empresas abrindo vaga só para sondar como está o mercado, já que tem muitas vagas sendo canceladas. Já passei em processos seletivos em que a vaga foi cancelada depois que eu fui aprovada. 

Você também percebe que o mercado de trabalho está muito mais competitivo agora na área de tecnologia, depois de tantos layoffs?

Sim, eu tenho reparado muito isso também. Às vezes eu faço um processo seletivo, sinto que eu vou bem, mas não recebo a proposta. Eu acho que realmente tem muita gente boa no mercado e que estão precisando do emprego com urgência, e por isso acabam aceitando um salário mais baixo do que o cargo merece.

Está difícil para quem já está em cargos mais elevados e não quer baixar drasticamente o salário. Eu já tive vagas que me entrevistaram oferecendo R$ 4 mil a menos, é muita coisa. 

Na verdade, está difícil para quem está nas duas pontas. Quem está começando também sofre dificuldades, porque vejo poucas vagas no nível júnior, já que as empresas estão preferindo contratar nível pleno ou sênior. 

Organizar o Compiladão toma muito do seu tempo? O que te motiva a se dedicar a esse projeto paralelo?

Eu preciso dedicar pelo menos um dia inteiro na semana, da manhã até a noite, para o Compiladão, que é quando eu adiciono manualmente na planilha as informações das pessoas procurando emprego. Isso acaba me fazendo perder um dia inteiro. 

Mas de maneira geral, agora não me consome muito mais que isso. Quando a planilha estourou, perdi uma semana inteira porque eu não estava preparada. Minha inbox no LinkedIn estava parecendo uma delegacia de polícia. (risos)

Estava até me atrapalhando para fazer processos seletivos, porque eu perdia as mensagens dos recrutadores. Depois melhorou quando eu estruturei melhor o processo de inscrição.

No LinkedIn, você compartilhou que 32 pessoas já conseguiram ser realocadas graças ao seu Compiladão. Vendo esse impacto positivo, seu plano é manter a lista no longo prazo?

Meu plano é continuar com a lista mesmo depois de ser recolocada, porque eu acho que tem um impacto social muito legal. São muitas pessoas desempregadas precisando de ajuda, que não sabem trabalhar bem o currículo, então eu acho que divulgar o perfil no LinkedIn pode ajudar para que um recrutador possa abordar a pessoa diretamente.

Não pretendo lançar uma plataforma de recrutamento, nem nada disso. Eu não ganho nada com o Compilação e não pretendo ganhar um dia. O máximo que eu acho que eu alcançar é fazer um post patrocinado aqui e ali. Mas eu já aviso as empresas que eu faço conteúdo sem vinculação com o Compiladão.

Você fez um post no LinkedIn reclamando que algumas empresas estão tentando se aproveitar do Compilação para se promover. Pode explicar essas abordagens que você recebe e por que são problemáticas?

Normalmente são pessoas que estão lançando plataformas de recrutamento novas que vem me abordar. Já houve casos que vieram me pedir para divulgar de graça a plataforma de recrutamento, e eu não vou fazer isso porque eu estou gerando lead de graça para alguém que vai lucrar em cima disso.

Teve pessoas também fazendo post de divulgação da própria plataforma e mencionando o meu nome para ganhar alcance no post. Nesses casos, eu retiro a menção, denuncio com spam e bloqueio a pessoa.

Como está o seu processo de realocação no mercado de trabalho desde a criação do Compilação?

Eu tenho feito muitas entrevistas. Chegar até elas não tem sido um problema. Eu percebo que depois que o Compiladão tomou toda essa proporção, eu fiquei mais conhecida e algumas empresas vieram me procurar até para participar de processos seletivos. 

O problema é que quando chega no final do processo, eu acabo não recebendo uma proposta. Minha hipótese é de que chega um profissional mais barato que as empresas preferem contratar para economizar. Eu sinto que agora está no momento das empresas “canibalizarem” os salários, já que tem muita gente no mercado procurando emprego.

Como meu seguro-desemprego vai até setembro e tenho uma reserva financeira, eu tenho tempo para procurar um emprego “ideal”, com mais calma. Em algum momento, eu acredito que a poeira vai baixar e as empresas vão voltar a contratar sem canibalizar o salário. Até porque eu trabalho com tecnologia, que é uma área cuja demanda tende a continuar crescendo em todo mundo. 

Se você reparar, o maior número de pessoas no Compiladão são das áreas de produto, de marketing, de desenvolvimento e design. Essas pessoas normalmente estão atreladas às áreas de inovação e de novos projetos nas empresas. Num cenário de encolhimento da economia, inovação é a primeira parte que as empresas cortam e para priorizar as áreas básicas. Então acredito que com a poeira baixando, as empresas vão voltar a investir em inovação.  

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