“Esse mercado está numa zona cinzenta onde ninguém sabe o que é certo ou errado”. Foi com essa frase que a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) pontuou sobre a necessidade de regular o setor de criptomoedas em entrevista exclusiva ao Portal do Bitcoin.
Thronicke falou sobre seu projeto de lei (PL 4.207/20) e argumentou que ele busca dar segurança jurídica e coibir fraudes no setor, tornando crime federal a prática de pirâmide financeira com esses ativos.
Durante a entrevista, a senadora foi acompanhada por assessores de sua equipe. Por questões de edição, as intervenções foram incluídas junto às respostas de Thronicke. Leia abaixo os principais trechos da conversa:
Portal do Bitcoin — Seu projeto afirma que a negociação de criptomoedas só poderá ser feita por empresa que no mínimo seja Limitada. Por que essa medida?
Soraya Thronicke — É para trazer segurança jurídica. Recebi umas críticas de eu, como uma liberal na economia, estaria engessando e regulamentando o mercado demais. Na verdade, a regulamentação mínima é necessária ainda mais quando a gente vê a confiabilidade do mercado brasileiro para investidores de fora. É simples, hoje, alguém abrir uma pessoa jurídica. Isso não é motivo para dizer que estamos engessando demais. Não tem como operar apenas com o CPF.
A senhora não acha que isso pode prejudicar o mercado e jogar os negociantes individuais, os chamados p2ps, na ilegalidade?
Qualquer empresa no Sistema Financeiro tem de ser uma PJ e se precisar de sócio é porque tem de dar segurança. Tem muitas pessoas no mercado de ações que investem por conta própria, mas não vendem para terceiros. É ao contrário, a ideia é incentivar e abrir o mercado.
O PL sugere a inclusão de fraude com criptomoedas na lei de crime contra o sistema financeiro nacional. Qual é a necessidade de tornar a prática de pirâmide um crime federal?
Tem sido mal vista a questão de comprar e vender criptomoedas e ser um trader. Esse mercado está maculado numa zona cinzenta onde ninguém sabe o que é certo ou errado. A movimentação de criptomoedas está dentro do sistema financeiro. A ideia é só incluir fraudes com ativos virtuais em crimes contra o sistema financeiro nacional. Tudo no Brasil tem sido dúvida, se não legislamos, o Judiciário é que tem de tomar uma posição.
Apesar de o PL dispor sobre aumento da punição para essas fraudes o que se tem é a mesma previsão existente na lei de crime contra a economia popular. O que houve?
O objetivo era só para tipificar e não aumentar a pena sobre o ato de organizar, gerir, ofertar carteiras, intermediar operações de a compra e venda de ativos virtuais. Se houver vontade do Congresso Nacional em aumentar, a gente vai discutir durante o tramitar. Mas quero esclarecer que não é porque o crime contra o Sistema Financeiro está sendo feito com criptomoedas, que não vamos aumentar a pena.
Qual é a razão de trazer um dispositivo para separar as criptomoedas custodiadas do patrimônio da empresa? A senhora tomou conhecimento dos casos da Atlas e Bitcoin Banco?
Sim, todos os problemas e gargalos serviram de inspiração do projeto de lei. É importante que as criptomoedas dos clientes fiquem separadas do patrimônio da empresa. Numa recuperação judicial ou falência haverá então essa garantia de que esses ativos não são realmente da empresa. Do ponto de vista técnico, isso foi inspirado na própria lei de incorporação imobiliária trazendo o conceito de patrimônio de afetação que o Banco Central se utilizou em 2013 para criar toda normativa de meio de pagamento. Em nenhum outro projeto de regulação de criptomoedas existia esse ponto que já é realidade em outros setores.
Como Banco Central irá supervisionar na prática criptomoedas como arranjo de pagamento?
Isso é um desafio também para o Banco Central. O mercado vai se adaptando com as normativas internas. A ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia) mesmo procurou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para denunciar transações suspeitas e não encontrou o ambiente que estivesse pronto. Depois de muita insistência, foi criado dentro do órgão uma forma de trabalhar com essas transações. Estamos fazendo o mínimo de legislação trabalhando com conceitos jurídicos já existentes como fidúcia. Os órgãos como Coaf, CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e Banco Central vão se adaptando nas áreas deles.
Por que não foi tratado nesse projeto sobre a definição da natureza jurídica das criptomoedas?
Do ponto de vista técnico, a ideia é deixar que a taxonomia do ativo seja discutida até mesmo dentro do BIS (Fórum internacional que envolve discussões com Bancos Centrais sobre regulação monetária e financeira). Não é agora num projeto legislativo em que o mercado brasileiro representa 0,5%, segundo a Receita Federal, que precisa definir qual é a categoria do ativo. A ideia é proteger o consumidor que tem por exemplo R$ 50 mil no FGTS e quer investir numa ativo diferente que não seja a renda fixa ou poupança.
Qual o sentido de propor a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP) num projeto de lei que trata de regulação de criptomoedas?
Essa é uma medida necessária para que façamos parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por isso fizemos questão de colocar nesse projeto de lei. Do ponto de vista técnico, hoje não há uma entidade privada que faça esse serviço de consulta para fins de PEP (Pessoas Expostas Politicamente) e na legislação do Banco Central que entra em vigor agora em outubro todo o mercado de crédito terá de passar por essa adequação. Essa proposição foi feita também, por nós, na emenda à medida provisória 958 que tratava de auxílio emergencial na concessão de crédito durante a COVID-19. Seguindo as melhores recomendações técnica do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), entendemos que esse é um ponto sensível não só ao mercado de criptomoedas, mas de crédito em geral.