O russo Pavel Durov pode não ser tão popular globalmente, mas é notória a sua dedicação na área de comunicação, principalmente pela fundação do Telegram, um dos aplicativos de mensagens mais usados no mundo. Ao também criar no passado a rede TON para atender usuários de criptomoedas, o programador conquistou o respeito da comunidade cripto, amplamente composta por pessoas com um viés libertário.
Assim como muitos dos players da indústria cripto, Durov prega a liberdade de expressão, atributo que lhe rendeu dores de cabeça até mesmo em sua terra natal. O site VKontakte, o ‘VK’, comumente apelidado de ‘Facebook da Rússia”, chegou a ser proibido no país.
Contudo, e apesar de não ser um criminoso, como até então sabemos, suas criações, principalmente o Telegram, são usadas amplamente por malfeitores da internet, caindo sobre ele praticamente toda a responsabilidade, como mostrou sua recente prisão.
Com um mandado de busca em aberto na França, o empresário de 39 anos foi detido no Aeroporto de Le Bourget, comuna francesa a 14 km de Paris, na noite do último sábado (24).
Na ocasião, havia poucas informações, mas circulava pelas redes sociais que autoridades francesas tinham em mãos uma investigação que apontava atividades ilícitas, incluindo tráfico de drogas e distribuição de imagens de abuso sexual infantil circulando em canais e grupos do Telegram.
Tais crimes, segundo as autoridades francesas, foram “facilitados” pelo dono do serviço, ou seja, Pavel Durov, que aos olhos da lei falhou em moderar a rede para que crimes não ocorressem, além de ter sido omisso quando provocado pela justiça.
No dia seguinte à prisão, a conta do Telegram no X defendeu seu executivo: “O CEO do Telegram, Pavel Durov, não tem nada a esconder e viaja frequentemente pela Europa”.
Disse também que o Telegram “obedece às leis da União Europeia, incluindo a Lei de Serviços Digitais” e que “sua moderação está dentro dos padrões da indústria e está em constante melhoria”.
Um comunicado oficial sobre a prisão foi publicado somente na segunda-feira (26), descrevendo 12 acusações contra Durov, que é de São Petersburgo, na Rússia, mas possui nacionalidade francesa e emiradense.
O documento, com versões em francês e inglês, emitido pelo Tribunal de Justiça de Paris, começou a circular com mais intensidade no dia seguinte, informando os motivos pelos quais Durov havia sido detido.
As 12 acusações contra o fundador do Telegram
Acusações por “cumplicidade”:
- Administração de uma plataforma online para permitir uma transação ilícita em grupo organizado;
- Recusa em comunicar, quando solicitado pelas autoridades competentes, as informações ou documentos necessários para a realização e exploração das interceptações autorizadas por lei;
- Cumplicidade na posse de imagens de um menor apresentando caráter pornográfico;
- Cumplicidade na difusão, oferta ou disponibilização em grupo organizado de imagens de menor com caráter pornográfico;
- Cumplicidade na aquisição, transporte, posse, oferta ou venda de produtos entorpecentes;
- Cumplicidade na oferta, venda ou disponibilização sem motivo legítimo de um equipamento, instrumento, programa ou dado concebido ou adaptado para afetar e acessar o funcionamento de um sistema de tratamento automatizado de dados;
- Cumplicidade em fraude em grupo organizado.
Acusações por “associação criminosa”:
- Associação de malfeitores com o objetivo de cometer um crime ou delito punido com, no mínimo, 5 anos de prisão;
- Crime de lavagem ou delitos em grupo organizado;
- Prestação de serviços de criptografia destinados a garantir funções de confidencialidade sem declaração em compliance;
- Fornecimento de um meio de criptografia que não garanta exclusivamente funções de autenticação ou controle de integridade sem declaração prévia;
- Importação de um meio de criptografia que não garanta exclusivamente funções de autenticação ou controle de integridade sem declaração prévia.
O documento diz que a medida de custódia policial foi prorrogada em 25 de agosto de 2024 por um juiz de instrução e pode durar até 96 horas (ou seja, até 28 de agosto de 2024). O texto também não deixa claro de quais acusações são direcionadas a Durov, mas sim de que ele é parte de uma investigação, como declarou posteriormente a promotora Laure Beccuau:
“Esta acusação é o resultado de uma investigação minuciosa sobre a falta quase total de resposta do Telegram às solicitações judiciais, o que tem sido uma preocupação para várias agências de aplicação da lei em toda a Europa”.
O Telegram de Pavel Durov
O Telegram, além de ter cerca de 1 bilhão de usuários em todo o mundo, parte deles vêm das repúblicas soviéticas, incluindo a Rússia e a Ucrânia. Alias, o aplicativo foi banido na Rússia de 2018 a 2021, segundo a BBC, após uma recusa anterior de Durov em entregar dados do usuário.
Para se ter uma ideia, o Telegram está para o ocidente assim como o WeChat está para a China ou o WhatsApp para as Américas. O Telegram é uma das principais plataformas de comunicação social depois do Facebook, YouTube, Instagram e TikTok.
Apoio de libertários cripto e governo dos Emirados Árabes
No que tange aos governos da França e dos Emirados Árabes, o primeiro se defendeu fundamentado na autonomia de seu Ministério Público, enquanto o outro colocou seu consulado para dar todo o apoio necessário a Durov.
Há ainda rumores de que, por conta da prisão, os árabes podem estar revendo um contrato de compra de 80 caças da França. Da Rússia, o Kremlin alertou Paris contra qualquer “tentativa de intimidação”, conforme informou o jornal francês Le Figaro.
Por sua vez, a comunidade cripto, por meio de notórios players libertários e fundadores tecnológicos, criticaram a prisão de Durov, enaltecendo a liberdade de expressão; uma hashtag então foi criada: #FREEDUROV — Liberdade não é crime!
No X, o criador do Ethereum, Vitalik Buterin, comentou um post sobre o assunto do ex-CTO da Coinbase, Balaji Srinivasan: “Isso parece muito ruim e preocupante para o futuro do software e da liberdade de comunicação na Europa”.
Edward Snowden, ex- funcionários do Serviço de Inteligência dos EUA que está sob exílio na Rússia, criticou a prisão de Durov mandando um recado para a Macron:
“Estou surpreso e profundamente triste que Macron tenha descido ao nível de fazer reféns como um meio de obter acesso a comunicações privadas. Isso rebaixa não apenas a França, mas o mundo”.
O alemão Kim Dotcom, fundador do Megaupload — o que lhe rendeu no passado prisão por pirataria —, também fez várias publicações sobre a prisão de Durov, incitando um boicote a produtos de origem francesa. “Se você quer lutar pela liberdade de expressão, este é o caminho”, escreveu.
O presidente da França, Emmanuel Macron, que no passado chegou a almoçar com Durov, afirmou que a decisão não tinha nenhum vínculo político, o que sugere um singelo apoio ao empresário.
O Telegram também é investigado em outras jurisdições. Por exemplo, o governo indiano está investigando o uso do aplicativo em extorsão e jogos de azar, e estima-se que possa banir o aplicativo após suas descobertas.
No Brasil, o serviço de mensagens também já foi alvo das autoridades. Em 2022, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou sua interrupção devido ao não cumprimento total de uma ordem judicial. Na ocasião, a determinação envolvia perfis ligados ao blogueiro Allan do Santos.
Fundador do Telegram é solto sob fiança e restrições
Na tarde da quarta-feira (28), quatro dias após sua prisão e última data de custódia do empresário, segundo o comunicado oficial, Pavel Durov deixou, no que parecia ser um veículo policial, a Agência Nacional Antifraude.
Na ocasião, o gabinete do promotor de Paris disse que ele enfrentaria um “interrogatório inicial e possível acusação” em um tribunal na capital francesa. Assim, Durov foi formalmente indiciado por suposto papel de facilitador de atividades criminosas e solto em seguida, mas sob supervisão judicial.
Ele deve se apresentar em uma delegacia de polícia duas vezes por semana e pagar uma fiança de 5 milhões de euros (cerca de R$ 31 milhões). A determinação judicial determinou também que ele não pode deixar a França.
“A investigação continuará sob a direção dos juízes investigadores, o que pode levar vários meses”, advertiu o vice-promotor francês Maylis DeRoeck.
Por fim, não fosse a prisão, a situação de Durov não seria tão diferente da de Mark Zuckerberg, o dono do Facebook, em janeiro deste ano, quando foi levado ao Senado americano para depor sobre temas semelhantes.
Pressionado, descreveu a Reuters na época, Zuckerberg pediu desculpas às famílias de crianças afetadas por conteúdos de exploração sexual infantil disponibilizados nas redes sociais de sua responsabilidade.
A internet é livre, mas os serviços oferecidos nela devem seguir as leis dos países onde operam para proteger pessoas, empresas, governos e, sobretudo, crianças e adolescentes.
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